O conhecimento ao longo da história da humanidade é marcado por processos de constante observação, reflexão, desenvolvimento, contraposição e definição. Entender e dar sentido as coisas, aos fenômenos, aos objetos, aos eventos, entre outros, demanda compreensões que vão além de juízos meramente sensoriais, vale dizer, requer denso e laborioso estudo. René Descartes em sua clássica obra Discurso do Método discorre sobre o seu ardoroso desejo por compreender a realidade que o circundava e encontrar a verdade. Cogito, ergo sum. Esse espírito reflexivo logrou solo fértil com a reunião de estudiosos em um ambiente propício que ficou conhecido como universidade (universitas magistrorum et scholarium).
Esses brevíssimos apontamentos históricos possuem apenas o intuito de relembrar quão longínqua e densa é a caminhada acadêmica em busca do conhecimento. Na atualidade, as universidades estão consolidadas como espaço inegável de formação de conhecimento e consistem em uma etapa necessária na capacitação profissional de muitas pessoas. No particular do bacharelado em Direito, muitas críticas tem sido tecidas em relação ao nível acadêmico de determinados cursos e ao ensino massificado que tem se seguido. Lênio Luiz Streck1 continuamente critica os rumos que o ensino jurídico tem tomado na atualidade, sobretudo diante da cultura manualesca e os outros métodos não usuais que têm sido lançados. Críticas apresentadas por professores que já trilharam caminhos do conhecimento em larga profundidade requerem respeitosa admiração e absorção no intuito de aprender e prosseguir na geração de novos conhecimentos.
Nesse cenário de acentuada complexidade e respeito à formação do saber, chega-se ao foco do presente artigo: o big bang de institutos jurídicos no Brasil. Abordou-se em linhas gerais como a formação do conhecimento se estruturou nas universidades e como no ensino jurídico brasileiro tem sido cada vez mais deturpada. Além dessas questões já amplamente debatidas por juristas de elevada envergadura, observa-se um fenômeno paralelo que parece ir de encontro ao mesmo problema apontado. Em tempos recentes tem se deparado com uma infindável criação de institutos defendendo uma gama multifacetada de pretensas áreas jurídicas.
Esclareça-se, por necessário, que não se tem a pretensão de se arvorar contra a agremiação para debater e crescer no conhecimento, mas sim confrontar um fenômeno que evidencia o surgimento de uma pletora de associações jurídicas sem um rigor acadêmico ou metodológico. Nas redes sociais, pessoais, profissionais, a cada dia parece nascer um novo instituto visando tutelar uma faceta pretensamente desprotegida do Direito. O passo inicial é buscar um nome cativante (catchy name) e um logo preferencialmente em harmonia com as normas do feng shui para atrair a atenção de potenciais seguidores (estudiosos?). Instituto Horizontal de Direito, Vertical, Perpendicular, Atemporal, Contemporâneo, Progressivo, Regressivo, entre tantos outros. Não falta criatividade e predicados para tentar personificar um viés diferenciado para a nova célula do conhecimento jurídico que está emergindo. À frente, uma pessoa ou grupo de pessoas ambiciosas que, sem qualquer demérito, está procurando crescer e desenvolver ideias. No entanto, o que qualquer pessoa minimamente conectada na rede mundial de computadores pode observar é uma enfadonha pulverização de institutos jurídicos, muitos dos quais sem apresentar qualquer rigor metodológico na produção científica. Em tempos pandêmicos, pode-se constatar uma profusão de lives de inúmeros novos institutos, cada qual visando captar novos seguidores (estudiosos?). Nesse sarau virtual, tornou-se fato corriqueiro testemunhar os heads de cada instituto participando de micro eventos de forma conjunta no intuito de intercambiar adeptos (seguidores), efetuando uma cansativa troca de elogios, cada qual buscando em um ambiente de fraternidade prestar auxílio mútuo, validar o seu par e, assim, ampliar a sua rede de contatos e influência.
Mais do que um debate acadêmico, o que se presencia muitas vezes são posicionamentos idiossincráticos, isto é, a apresentação de determinadas linhas do conhecimento de acordo com a peculiar visão dos heads do instituto. Encontrar um termo ou ideia “viral” é alcançar o El Dorado jurídico. Cria-se um universo de ideias recicladas, camufladas, revestidas de uma coaching-oratória tudo orbitando em torno da figura central que desenvolveu tal instituto.
Não se busca com o presente artigo gerar antipatia ou repulsa. Almeja-se trazer à discussão um fato que é facilmente observável por qualquer pessoa que acompanha os movimentos dos novos grupos que surgem no ambiente virtual. Antes de se criticar, basta refletir se essa experiência brasileira de pulverização de institutos jurídicos possui algum paralelo no exterior. Tal esfacelamento de comunidades jurídicas possui correspondência em países com grande tradição universitária como Alemanha, Inglaterra, Itália, Bélgica entre outros? Também, deve-se indagar qual a produção científica de tal instituto? Quais os métodos científicos utilizados? O instituto realiza pesquisas quantitativas ou qualitativas? Quais resultados apresentaram para a sociedade? Soluções? Não basta apresentar um inventário literário recitando teorias e autores com bem-aventuranças jurídicas ao final. A produção científica do chamado instituto como ente de pesquisa é um excelente balizador da sua real condição. Em termos de compreensão do conhecimento não basta ser um simples aglomerado de pessoas que orbitam em torno de um eixo central que se autoproclama como atalaia de uma visão especial. Não basta ser um mero emissor de opiniões ou uma confraria de congêneres. O sucesso pessoal de alguns membros não irradia cientificidade para o instituto se não houver produção científica séria e metodologicamente estruturada.
Em tempos de massificação do conhecimento e marketing jurídico até o conhecimento está virando alvo de filtros e retoques. O ponto a se considerar é que a pesquisa acadêmica demanda tempo e humildade intelectual para estudar e entender diversos autores que já palmilharam densos caminhos do conhecimento e, assim, buscar poder contribuir reverentemente para o crescimento científico e social. Novos conceitos teóricos emergem como resultado de laboriosa pesquisa empírica e reflexão. Como precisamente abordou Vladimir Passos de Freitas2, existe uma grande difusão de artigos científicos que não conseguem influenciar o sistema. O que dizer, pois, de novos institutos que não desenvolvem nenhuma pergunta de pesquisa (research question) a ser solucionada e nada apresentam para o progresso acadêmico? Repita-se, eloquência e uma bom layout jurídico não são suficientes para penetrar nas camadas ainda desconhecidas e profundas do saber. Igualmente, criticar dados que já existem é muito mais fácil do que elaborar e criar elementos empíricos que iluminam eficácia cognitiva.
Não se está tolhendo a ideia de que tudo tem um começo e, assim, inibir novas iniciativas, mas sim que em uma época líquida de culto à personalidade até o saber virou cativo da sanha vaidosa das mídias sociais A diferença é sútil. Criar um instituto tem se mostrado em alguns casos uma plataforma impulsionadora de personalidades e círculos sociais. Certas pesquisas científicas levam anos e agora são resolvidas por líderes Midas que encontram fórmulas miraculosas e possuem discursos condensados em hashtags e filtros jurídicos.
Nesse prisma, René Descartes encerra o Discurso do Método com notável humildade ao expor os frutos dos seus anos de pesquisa e a abertura para discussões a respeito. Como se nota, não se trata de encontrar novas tendências, termos da moda ou impulsionar indivíduos. Sem receio de incorrer em ingênua utopia, é preciso reconhecer limitações, aceitar percorrer o paulatino processo de aprendizagem, aprender com aqueles que trilham há mais tempo e prosseguir nos estudos cientificamente direcionados para desvendar o desconhecido sem precisar construir títulos extravagantes e estruturas requintadas que apenas congestionam o fluxo de ideias e criam uma equivocada e superficial ideia da construção do saber.
_____________
1 "Resumocracia, concursocracia e a "pedagogia da prosperidade""; "O Saber Nenhum, os textões, as letrinhas... e a crise do Direito"
2 "O que e quanto se aproveita dos artigos de Direito?"