No mês de março, comemoramos o dia da mulher, que é marcado por um histórico de lutas, derrotas e conquistas. Essa data simboliza a luta histórica das mulheres para terem suas condições de trabalho equiparadas às dos homens. A origem da homenagem remonta a um incêndio que aconteceu em Nova York, no dia 25/3/1911. Esse fato trágico aconteceu na Triangle Shirtwaist Company e vitimou 146 pessoas, 125 mulheres e 21 homens. Essa história é considerada um dos marcos para o estabelecimento do dia das mulheres. O acontecimento é significativo, mas é importante afirmar que o dia internacional da mulher não foi criado por influência de uma tragédia, mas sim por décadas de engajamento político das mulheres pelo reconhecimento de sua causa.
Inobstante os acontecimentos históricos, ainda se discute a discriminação da mulher no mercado de trabalho e, atualmente, as empresas têm seguido caminhos inovadores para mitigar esses efeitos, o que faz surgir o questionamento quanto a possibilidade de criação de vagas e/ou cursos especialmente destinados às mulheres, vez que a CF, em seu art. 3, IV veda qualquer forma de discriminação, conforme abaixo:
Art. 3 constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Inobstante o preceito constitucional, uma análise sistemática deve ser realizada quanto a tal possibilidade, não se limitando, mas sobretudo, quanto ao atual cenário do mercado de trabalho.
Atualmente, as mulheres possuem maior dificuldade para colocação no mercado de trabalho, além de receberem cerca de 77,7% daquilo que é percebido pelos homens, conforme se verifica no estudo divulgado pela agência brasil:
Além de dificultar a inserção no mercado de trabalho, os afazeres domésticos trazem limitações mesmo para as mulheres que conseguem se inserir. A pesquisa mostra que a conciliação da dupla jornada fez com que, em 2019, cerca de um terço delas trabalhasse em tempo parcial, isto é, até 30 horas semanais. Esse tipo de situação se verificou em apenas 15,6% entre os homens empregados.
A diferença de salários e rendimentos também foi apurada no levantamento. Em 2019, as mulheres receberam, em média, 77,7% do montante auferido pelos homens. A desigualdade atinge proporções maiores nas funções e nos cargos que asseguram os maiores ganhos. Entre diretores e gerentes, as mulheres receberam 61,9% do rendimento dos homens. O percentual também foi alto no grupo dos profissionais da ciência e intelectuais: 63,6%.1
Desse modo, devemos considerar o art. 3 da CF, em seu inciso terceiro, que traz como objetivo fundamental da República a redução de desigualdades sociais:
Art. 3 constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais
No mesmo caminhar, o art. 7, XXX veda diferenças salariais e exercício de funções ou critérios de admissão por motivo discriminatórios.
Art. 7 são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
A CLT, por sua vez, e antes mesmo da CF/88, já determinava a igualdade salarial pelo desempenho das mesmas atividades com igual produtividade:
Art. 461. sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade.
Noutro caminhar, a própria CF, no art. 7, XX, defende a proteção do mercado de trabalho da (para) mulher, permitindo incentivos:
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
A CLT segue o mesmo ritmo em seu art. 373:
Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado.
Assim, para que seja alcançada a equidade, o tratamento desigual para correção das desigualdades é conceituado como ações afirmativas.
O termo ação afirmativa se refere a um conjunto de políticas públicas de uma determinada sociedade para a proteção de minorias e grupos discriminados no passado. A ação afirmativa visa remover barreiras, formais e informais, que impeçam o acesso de certos grupos ao mercado de trabalho, a universidades e a posições de liderança.2
“Consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional, de compleição física e situação socioeconômica (dição nossa). Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, inculcando nos atores sociais a utilidade e a necessidade de observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano”.3
As ações afirmativas têm sido tomadas por inúmeras empresas privadas para combater todo tipo de desigualdade:
- A Google pretende aumentar em até 30% a representatividade dos negros em cargo de chefia até 2025.4
- Carrefour informa que 58% dos seus empregados se declaram pretos ou pardos, sendo que 42% estão em cargos de liderança. Desde sua fundação em 1963, foi criado o manual de políticas, com o 1° capítulo dedicado aos homens e as mulheres da empresa, com foco na equidade de gênero5
- Magazine Luiza abriu programa de trainees para negros, considerando uma ação afirmativa6
- A Suzano S.A. possui ações afirmativas comeminino não é considerada uma prática ilegal.7
Nesse sentido, entendemos que disponibilização de vagas de trabalho ou cursos voltados ao público feminino não é considerada uma prática ilegal.
Devemos ressaltar que a promoção de cursos não enseja, objetivamente, a expectativa de direito e consequente contratação da aluna. Destacamos esse ponto, pois pode surgir o questionamento quanto a obrigatoriedade da formalização do contrato de trabalho após o curso e, caso não ocorra, consequente discussão sobre dano moral, pela quebra da expectativa de direito.
O dano moral por perda de uma chance ou expectativa de direito, normalmente, se caracteriza na fase pré-contratual avançada, ou seja, em casos em que a carteira de trabalho já fora devidamente anotada e exames admissionais realizados.
Assim tem se posicionado a jurisprudência no TRT5:
Ementa: Frustação da contratação. Legítima expectativa. Princípios da confiança e boa fé objetiva. Dano moral e material. Não comprovação. Nos termos da novel teoria contratualista, os contratos devem ser interpretados à luz dos princípios da confiança e da boa-fé objetiva entre os sujeitos acordantes (art. 402 do Código Civil de 2002). Referidos postulados impõem o dever de que sejam adotados comportamentos pautados pelos deveres anexos de lealdade, honestidade e cooperação, inclusive na fase pré-contratual, com o intuito de preservar a necessária confiança entre as partes. Com efeito, o entendimento consolidado no âmbito do TST é no sentido de que existe responsabilidade da empresa pela frustração do contrato de emprego, nos casos em que há anotação ou retenção da CTPS do trabalhador, sendo devida nessas hipóteses a indenização pelos danos causados. No presente, todavia, tem-se que restou comprovado que partiu do reclamante a iniciativa de romper com o processo de contratação, não havendo se falar em responsabilização da reclamada. Recurso do autor ao qual se nega provimento.
Processo 0000205-95.2014.5.05.0641 RecOrd8, origem legado, relator desembargador Noberto Frerichs, 5ª turma, DJ 3/12/18
Segue jurisprudência de referência da ementa anterior:
Recurso de revista interposto na vigência da lei 13.015/14. Dano moral. Configuração. Promessa de emprego. Frustação. 1. A jurisprudência do TST reconhece a responsabilidade pré-contratual da empresa pela frustração de promessa de emprego nos casos em que houve anotação ou retenção da CTPS, entrega de documentos indispensáveis ao exercício do cargo e subsunção a exames médicos, pois evidenciada a prática abusiva do empregador quando o processo seletivo já se encontrava em fase avançada. Precedentes. 2. Revela-se em harmonia com a iterativa, notória e atual jurisprudência do TST o acórdão regional que mantém condenação por dano moral decorrente de frustração de promessa de emprego, no caso em que o empregado entrega CTPS à empresa e se submete a exames admissionais. 3. Recurso de revista da reclamada de que não se conhece" (RR - 1987-50.2013.5.09.0128, rel. min. João Oreste Dalazen, 4ª turma, DEJT 19/12/16).
Considerando que a realização do curso de capacitação não faz parte da fase pré-contratual da empresa, tampouco implica na expectativa de contratação, a chance de ajuizamento de reclamação trabalhista é remota. De todo modo, com o fito de mitigar qualquer discussão, recomendamos a assinatura de declaração, no momento da inscrição, no sentido de que a realização do curso não garante a contratação por parte da empresa, bem como não faz parte de processo seletivo.
Além disso, consideramos que a realização do curso de capacitação não faz parte da fase pré-contratual da empresa, tampouco implica na expectativa de contratação. De todo modo, com o fito de mitigar qualquer discussão, recomendamos sempre o contato com advogado especializado em direito do trabalho para tomar as devidas precauções.
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1 https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-03/estudo-revela-tamanho-da-desigualdade-de-genero-no-mercado-de-trabalho#:~:text=Em%202019%2C%20as%20mulheres%20receberam,9%25%20do%20rendimento%20dos%20homens.
2 https://www.ufrgs.br/acoesafirmativas/2019/01/07/o-que-sao-as-acoes-afirmativas/
3 GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade: o direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 6-7. Disponível em: https://acoes-afirmativas.ufsc.br/o-que-sao-acoes-afirMATIVAS
4 https://canaltech.com.br/gestao/google-ampliara-em-30-o-numero-de-cargos-de-lideranca-entre-negros-na-empresa-166785/
5 https://www.carrefour.com.br/grupo-carrefour/sustentabilidade/social
6 https://www.99jobs.com/magazine-luiza/jobs/93594-trainee-magalu-2021?preview=true e https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54252093
7 https://www.suzano.com.br/plural/
8 https://www.trt5.jus.br/jurisprudencia