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Economia e gênero

Fabíola Sucasas Negrão Covas

O tema da relação entre a economia e a violência contra a mulher, uma das expressões da desigualdade de gênero, é pauta do fórum econômico mundial há 15 anos.

quinta-feira, 17 de março de 2022

Atualizado em 18 de março de 2022 10:36

Em texto encomendado por Economy & Law, pude demonstrar que ao assumir gastos que totalizam cinco mil dólares por mês a mulheres em situação de violência, a Austrália reconheceu que esta realidade não apenas representa problema individual que afeta a capacidade das mulheres se manterem ao deixar relacionamentos abusivos, mas também algo que impacta o desenvolvimento econômico do país.

O tema da relação entre a economia e a violência contra a mulher, uma das expressões da desigualdade de gênero, é pauta do fórum econômico mundial há 15 anos. Os resultados do último relatório desta instituição apresentaram projeções preocupantes, um salto que aumentou a expectativa da igualdade de gênero de 99,5 para 135,5 anos. Os maiores obstáculos concentram-se nos eixos da participação política e desafios no local de trabalho.

De fato, como demonstram documentos do ranking da união parlamentar e do TSE, a desigualdade da representatividade feminina na política tem sido denunciada há 89 anos, desde que o direito ao sufrágio feminino passou a ser reivindicado. O Brasil está em 142º lugar dentre 192 países na ocupação de cadeiras parlamentares por mulheres, atrás de quase todas as nações da américa latina. O TSE apurou que os índices não chegam a 17%.

E é na economia onde estão as maiores lacunas. Os cálculos apresentam projeção que salta para mais de 267,6 anos o abismo entre o acesso a rendas e cargos de liderança, diferenças devidas ao maior tempo que as mulheres gastam ao dedicarem-se ao trabalho não remunerado de pelo menos o dobro do tempo em relação os homens. No Brasil, o IBGE divulgou recentemente relatório que as mulheres ganham 78% do que os homens, conforme se demonstram no PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios contínua de 2012 a 2020.

Nos recortes da interseccionalidade, esse abismo se aprofunda. A maior distância de rendimentos entre mulheres e homens ocorre justamente na comparação das mulheres pretas ou pardas com os homens brancos. O IBGE calcula que o valor constitui menos da metade do que recebem os homens brancos, na base de 44,4% (conforme dados de desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil, IBGE, 2019), o que denota estar a mulher negra na base da hierarquia social, considerado o grupo mais penalizado quanto as oportunidades e a estrutura ocupacional, como definiu Sueli Carneiro em seu texto Mulher Negra publicado em Escritos de uma Vida, de 2018.

A desigualdade de gênero está associada a construção sociocultural em que desvalores e atos de discriminação advém de estigmas marcados historicamente em um sistema onde a dominação masculina é naturalizada e retroalimentada. Sintomático o fato de que o fechamento de escolas e creches e o recrudescimento das responsabilidades nas tarefas domésticas e de cuidados a terceiros durante a pandemia constituíram as principais causas do agravamento do cenário às mulheres.

O assédio sexual, a violência doméstica e a violência política são alguns dos exemplos da expressão da desigualdade de gênero, repudiados por tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Segundo a OMS, a violência física e sexual afeta mais de um terço de todas as mulheres do mundo. Nos Estados Unidos, estimou-se em 5,8 bilhões de dólares o custo anual total da violência conjugal contra a mulher em 1995 e mais de US$ 1 bilhão perdidos com prejuízos à economia em função das vítimas fatais, expôs Milma Pires de Melo Miranda em "violência conjugal física contra a mulher na vida: prevalência e impacto imediato na saúde, trabalho e família".

O problema, para além segurança pública, possui implicações para o desenvolvimento do país, envolvendo instabilidade laboral, subemprego, empobrecimento da mulher, perda de produtividade, custos para o sistema de saúde e perda também das gerações futuras. A pesquisa "Impactos Econômicos da Violência contra a Mulher" da FIEMG - Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, trouxe o dado de que a violência contra a mulher provocou, nos últimos dez anos, queda de R$ 214,4 bilhões no PIB brasileiro, além da perda de 2 milhões de empregos, redução de R$ 91,4 bilhões na renda das famílias e de R$ 16,4 bilhões na arrecadação do governo. Não à toa, o FMI concorda que acabar com a violência contra as mulheres cuida-se de um imperativo econômico relevante.

Respostas existem para o cenário, uma delas consagrada na plataforma de ação de Pequim ao trazer a noção do empoderamento como instrumento de promoção da situação e dos direitos da mulher. O termo consiste em incentivar a mulher a ter controle sobre o seu desenvolvimento, devendo o governo e a sociedade criar as respectivas condições, inclusive econômicas, e apoiá-la nesse processo.

Fazendo coro, a ex-ministra das finanças da França Christine Lagarde, baseada em pesquisa do FMI (What is Driving Women's Financial Inclusion Across Countries?), reforçou os benefícios da inclusão financeira para a proteção das mulheres contra o assédio. No trabalho "Ending harassment helps the economy too", descobriu-se que mulheres com maior proteção contra este tipo de violência têm maior probabilidade de abrir uma conta bancária, pedir emprestado e economizar, e fazer uso de serviços financeiros. Por isso, investir na igualdade de gênero e na promoção da igualdade de oportunidades são condições ínsitas para o maior crescimento e produtividade do país. Gênero é pauta de economia e desenvolvimento.

Fabíola Sucasas Negrão Covas

Fabíola Sucasas Negrão Covas

Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Membra Auxiliar da presidência do Conselho Nacional do Ministério Público. Gestora suplente do Projeto Respeito e Diversidade do CNMP.

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