Quando do julgamento pelo STF do RE 714.139 (tema 745), que determinou que os efeitos da decisão de reconhecimento a inconstitucionalidade da cobrança do tributo majorado (ICMS) somente passassem a vigorar a partir de janeiro de 2024, utilizou a Suprema Corte a regra do art. 27 da lei 9.868/99.
Diante dessa modulação conferida à decisão, evidenciou-se um vácuo, posto que, de 5/2/21 (data do julgamento de mérito) até a data reconhecida na modulação (janeiro de 2024), legalizou-se, pelo período de quase dois anos, o direito estatal de cobrar o ICMS em alíquota considerada inconstitucional.
Entendemos que nesse período, pode o contribuinte que não propôs qualquer ação antes da decisão de mérito, buscar o direito reconhecido pelo STF.
E a nossa conclusão é simples, pois a matéria é de natureza não constitucional, ainda que decidida pelo STF a modulação. O período entre a decisão de mérito proferida pelo STF e a data em que fora fixada como início do direito dos contribuintes que deixaram de propor ações antes da decisão de mérito, não ficou claro (o que deveria ser buscado via embargos de declaração na ação pelas partes lá envolvidas).
Ainda que a lei aplicada para modular os efeitos não seja aplicável ao caso, a coerência é de que a “modulação” apenas prevalecerá para quem ficar inerte, aguardando o decurso do prazo pagando os valores inconstitucionais.
Essa tese toma corpo quando se analisa a questão da ilegalidade da utilização da lei 9.868/99 para modular os efeitos de uma decisão proferida em sede de repercussão geral em um recurso extraordinário.
Argumentamos sobre a inaplicabilidade da lei utilizada pelo STF, para modular os efeitos da decisão, posto que a lei 9.868/99, mais precisamente em seu art. 27, trata exclusivamente de declaração de inconstitucionalidade em sede de ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, sendo, portanto, aplicável tão somente em sede de controle concentrado e não difuso.
Evidente que a decisão proferida no tema 745 se baseou na referida lei, posto que assim manifestou o PGR e os ministros em seus votos.
O impacto nas arrecadações dos estados, considerado pelo ministros do STF como argumento válido para modular da forma que fora modulado, não poderia ser baseado na lei em questão.
A lei federal foi desrespeitada e, mais ainda, os contribuintes foram desrespeitados, posto que diante de uma má aplicação de uma lei federal, especifica na sua essência, terão que pagar valores inconstitucionais, com amparo do judiciário.
Não há como concebermos que a modulação dada no julgado ora discutido, possa ser aplicada com base na lei Federal 9.868/99. É o mesmo que concordarmos com a violação de princípios constitucionais que dão embasamento ao estado democrático de direito.
Nesse mesmo sentido, Andrei Pitten Velloso1 (VELLOSO, 2008, p. 13) “assim, a partir do momento em que uma lei considerada inconstitucional como vem ocorrendo em matéria tributária, é declarada como tal e por força da modulação dos seus efeitos, impede o contribuinte de ser restituído, a lesão mencionada se concretiza e o Estado passa a locupletar-se do patrimônio do particular, conduzindo a um confisco do ente estatal da propriedade privada”.
Por tudo isso que entendemos que, com essa decisão, nasceu para o contribuinte desguarnecido de uma ação judicial, o direito de discutir a aplicação da lei federal e levar tal debate ao STJ, tribunal superior competente para analisar a aplicação de lei federal para modular efeitos de uma decisão proferida em sede de recurso extraordinário.
A questão constitucional relacionada aos princípios constitucionais da seletividade e da essencialidade foi discutida e decidida e, por tentar fazer prevalecer o interesse dos Estados, modularam os efeitos com base na lei federal que, com a devida vênia, não foi correta.
Por isso discutimos, agora, o direito dos contribuintes de proporem ações, buscando o direito de não pagar, nesses quase dois anos entre a data da decisão proferida pelo STF (mérito da inconstitucionalidade) até janeiro de 2024.
Veja, não se discutirá os últimos cinco anos, posto que a questão envolve, tão somente, a irregularidade da modulação.
Uma norma nula, por declaração do judiciário, não pode prevalecer em detrimento de outras normas especificas sobre as questões relacionadas a tributação, tidas como sensíveis aos contribuintes.
E não é demais salientar que nesse período os contribuintes que estão no mesmo pé de igualdade (isonomia) com àqueles que propuseram ação antes do julgamento de mérito do RE 714.139 (tema 745), terão que amargar custos elevados em suas contas de consumo (energia elétrica e telecomunicações).
Evidente afronta, também, ao princípio da segurança jurídica.
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1 VELLOSO, Andrei Pitten. A temerária “modulação” dos efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade em matéria tributária. In: Revista dialética de direito tributário, 157, out. 2008.