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O momento para celebração do acordo de não persecução cível

O acordo de não persecução cível, que é cabível e pode ser utilizado como meio de se extinguir a ação de improbidade Administrativa, acabou por ter muitos dos seus elementos definidos jurisprudencialmente.

9/2/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

No bojo do Pacote Anticrime, o acordo de não persecução acabou por se dividir em duas áreas de incidência: a esfera penal e a esfera cível. Diferentemente do primeiro, o acordo de não persecução na esfera cível, acabou por ter seus princípios elementos, sobretudo os de caráter procedimental, extirpados do ordenamento jurídico por conta dos vetos presidenciais1.

Diante desse cenário, o acordo de não persecução cível, que é cabível e pode ser utilizado como meio de se extinguir a ação de improbidade Administrativa, acabou por ter muitos dos seus elementos definidos jurisprudencialmente.

Um dos principais pontos diz respeito justamente ao momento em que ele pode ser celebrado. Isto porque, em conformidade com as alterações trazidas pelo Pacote Anticrime, a celebração do acordo de não persecução cível teve o seu momento processual assim definido:

"Art. 17 [...]
§ 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de Acordo de Não Persecução Cível, nos termos desta Lei.
[....]
§ 10-A. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias."2

O §10-A do artigo 17, como se nota por sua literalidade, determina, pura e simplesmente, que o prazo para a contestação poderá ser interrompido por prazo não superior a 90 dias, período no qual as partes “poderão concentrar todos os seus esforços nas tratativas necessárias à celebração do acordo, o que acaba ampliando, indiscutivelmente, a chance de sucesso da negociação”3.

Dessa maneira, apresentada a manifestação por escrito pelo requerido (art. 17, §7º, LIA) e, recebida inicial, citar-se-ia o requerido para contestação, podendo a celebração do acordo ser realizada nesse interregno.

A interpretação literal, prima facie, aponta para a contestação como o deadline para celebração do acordo. Em relação às ações que já ultrapassaram essa fase, e já estavam em curso, forçoso seria concluir que tal instituto não se aplicaria, sobretudo porque dispositivo específico que previa essa possibilidade (§2º do artigo 17-A) foi vetado.

Todavia, não há uma limitação para a celebração do acordo até a contestação, tendo como único limite, em verdade, o trânsito em julgado da sentença.

Inclusive, o acordo de não persecução cível pode tanto ocorrer na fase do inquérito civil quanto no procedimento preparatório administrativo, não havendo, necessariamente, que ocorrer na fase judicial4.

Assim sendo, desde que haja concordância do MP, ou da pessoa jurídica interessada, esse acordo pode ser realizado em qualquer momento do processo.

Recentemente, por exemplo, o STJ reconheceu que o ANPC pode ser realizado inclusive na fase recursal. No caso específico, a ação, oriunda de Pirenópolis, município de Goiás, foi ajuizada antes mesmo da criação do ANPC, e, no primeiro grau, o acusado por atos de improbidade havia sido condenado. Os advogados interpuseram o recurso e, enquanto isso, celebraram o ANPC com o MP.

Com o acordo, os acusados ficam obrigados a pagar multa no valor de R$ 75 mil. Com a decisão do STJ, o acordo foi homologado e a ação de improbidade administrativa acabou por ser extinta.

No mesmo sentido, o STJ no AREsp 1.314.581, em sede de recurso repetitivo, definiu que o ANPC pode, inclusive, ser celebrado a qualquer tempo antes da trânsito em julgado da sentença. Posição essa, aliás, que já era adotada na doutrina5.

O ANPC - Acordo de Não Persecução Cível é celebrado entre o acusado por ato de improbidade administrativa e o MP ou a pessoa jurídica interessada.

Cabe pontuar que, após celebrado entre as partes, o ANPC precisa ser homologado pelo Juízo para que tenha validade. Mas, diferentemente do que possa se pensar, o acordo não é faculdade exclusiva do MP ou da pessoa jurídica interessada. O acusado pode requerer a realização do acordo e, mais do que isso, se preencher os requisitos para tanto, terá o direito subjetivo à sua celebração6.

Como já se viu, muito do que fora estabelecido em lei em relação ao referido acordo acabou por ser extirpado do ordenamento jurídico pelos vetos presidenciais realizados.

O MP, seja federal ou/e estadual, começou a adotar regulamentações internas a respeito dessa temática, estabelecendo os requisitos mínimos para a celebração do acordo.

Uma vez que o réu na ação de improbidade administrativa preencha os requisitos estabelecidos pelo próprio MP, não seria exagero afirmar que ele possui um direito adquirido a tanto7, o que, por consequência, gerar-lhe-ia um direito subjetivo à celebração do acordo.

Pensar o contrário seria chancelar a ideia de uma pessoalidade, incompatível com o regime jurídico da Administração Pública, pois permitir-se-ia que, mesmo preenchidos os critérios estabelecidos, o MP pudesse negar-se a celebrar o acordo, o que, certamente, é manifestamente incompatível com o ordenamento jurídico.

Já o entendimento manifestado pelo CNPG - Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, cristalizado enunciado 19, deve ser interpretado tendo em linha de conta as considerações acima expostas:

O acordo de não persecução penal é faculdade do Ministério Público, que avaliará, inclusive em última análise (§ 14), se o instrumento é necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime no caso concreto8.

A “faculdade” do MP, portanto, ainda que exista, não se pode converter em arbitrariedade e favorecimento pessoal, sob pena de violação dos preceitos basilares que regem o Estado democrático de direito.

Recentemente, inclusive, o TJ/SP adotou essa linha de pensar, ao rejeitar denúncia oferecida pelo MP, ao argumento de que, não ofertado o acordo, estar-se-ia violando direito subjetivo do acusado9.

Esse direito subjetivo decorre da observância dos princípios que regem a Administração Pública (sobretudo o da impessoalidade). Dessa maneira, se o acusado preencher os requisitos, entendemos que o acordo deverá ser celebrado, enquanto direito subjetivo do acusado.

Ao analisar este cenário, não há outro caminho senão concluir que o ANPC é direito subjetivo do réu e, mais do que isso, quanto ao momento de sua celebração, não há uma limitação para a celebração do acordo até a contestação, tendo como único limite, em verdade, o trânsito em julgado da sentença.

_____

1 A demasiada extensão dos vetos presidenciais, que acabou por eliminar do corpo jurídico uma série de disposições legais essenciais para a parametrização do Acordo de Não Persecução Cível, não passou despercebido pela doutrina, a qual, a exemplo de Humberto Dalla Bernardina de Pinho, posicionou-se severamente contrária aos vetos (nesse sentido, por exemplo, vide DE PINHO, Humberto Dalla Bernardina. O Consenso em Matéria de Improbidade Administrativa: Limites e Controvérsias em torno do Acordo de não Persecução Cível Introduzido na lei 8.429/92 pela lei 13.964/19. Revista Interdisciplinar de Direito, v. 18, n. 1, p. 145-162, 2020).

2 BRASIL. Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019.  Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Disponível aqui. .

3 ANDRADE, Landolfo. Acordo de não persecução cível: primeiras reflexões. GenJurídico. Disponível aqui.

4 DE SOUZA, Flávia Baracho Lotti Campos. O controle (não) consensual dos acordos firmados na fase inquisitória e preparatória à Ação de Improbidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo e Gestão Pública, v. 6, n. 1, p. 65-81, 2020.

5 GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Aspectos gerais e controvertidos do acordo de não persecução cível. Research, Society and Development, v. 10, n. 11, e261011192268, 2021.

6 PEREIRA, Leydomar Nunes. Solução consensual na improbidade administrativa: Acordo de Não Persecução Cível. São Paulo: Dialética Editora, 2020. p. 42.

7 COELHO, Fábio Alexandre. Lei de introdução às normas do direito brasileiro comentada. São Paulo: Edipro, 2015. p. 121.

8 COMISSÃO ESPECIAL - GNCCRIM. Enunciados interpretativos da Lei nº 13.964/2019. Disponível aqui

9 Disponível aqui.

Adriano Tavares da Silva
Advogado, mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa, Especialista em Direito Público, Conselheiro da OAB/SC e Procurador Geral do Instituto dos Advogados de Santa Catarina.

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