O consumidor que pagar valores indevidos ao fornecedor tem o direito de recebê-los em dobro, independentemente da comprovação de má-fé.
Trata-se da conclusão decorrente de inúmeros julgados do STJ, entre os quais se destacam dois casos concretos: (i) o Resp 1.645.589/MS, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado por unanimidade, pela terceira turma, em 4/2/20; e (ii) os embargos de declaração no agravo interno nos embargos de declaração ao Resp 861.105/SP, de relatoria do ministro OG Fernandes, julgado pela Corte Especial em 4/8/21.
O primeiro julgado em destaque interpretou que o art. 940 do CC/02 (“aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição”) possui plena aplicabilidade às relações de consumo, mas não havia pacificado a questão se a devolução em dobro demandaria ou não comprovação de má-fé do fornecedor.
Mais que isso: até o advento do segundo julgado destacado, o qual será explanado no parágrafo a seguir, o STJ, embora não tenha se posicionado definitivamente sobre a questão, possuía o entendimento majoritário - assim como a maioria dos Tribunais de Justiça dos Estados-Federativos - de que a devolução em dobro, ao consumidor, dos valores pagos indevidamente ao fornecedor exigiriam caracterização da má-fé do fornecedor, o que raramente é tarefa fácil de ser provada.
O segundo julgado, por sua vez, além de reforçar, novamente, a aplicabilidade da repetição do indébito às relações de consumo, superou o entendimento mencionado no parágrafo acima e fixou a tese de que essa devolução em dobro não exige a comprovação da má-fé do fornecedor.
Trata-se, absolutamente, de um importante avanço na proteção dos consumidores, seja porque exigir a comprovação da má-fé do fornecedor é tarefa sobremaneira árdua, seja porque tal exigência vai de encontro a todos os preceitos que norteiam as relações de consumo, bem como não está prevista no CDC.
Basta imaginar que o fornecedor poderia inventar qualquer motivo plausível - ainda que tenha havido má-fé em seu íntimo - para ter efetuado a cobrança e recebido indevidamente os valores do consumidor para afastar a devolução em dobro, já que o consumidor não teria meios para provar o contrário.
Vale dizer, trataria-se de uma “prova diabólica” ao consumidor, a qual deve ser rechaçada do ordenamento jurídico pátrio.
Recorda-se que o consumidor é a parte vulnerável e hipossuficiente das relações de consumo, não sendo justo impô-lo o ônus de comprovar que o valor indevidamente pago decorre de má-fé do fornecedor, de maneira dolosa.
Em suma, não importa se o consumidor é rico ou pobre, alfabetizado ou não, inocente ou esperto: sua hipossuficiência e vulnerabilidade perante o fornecedor são presumidas e, portanto, a repetição em dobro dos valores pagos indevidamente ao fornecedor não exige caracterização de má-fé.
São essas as principais considerações sobre o direito de repetição do indébito, independentemente de comprovação de má-fé do fornecedor, nas relações de consumo.