Migalhas de Peso

Por qual razão não é crime se omitir de notificar um crime, pela regra geral?

Apesar das exceções previstas na lei das Contravenções Penais (3.688/41), via de regra, se alguém presenciar ou estar em situação que lhe trouxe conhecimento sobre o cometimento de um crime, a legislação nada faz para obrigar este alguém a informar o delito aos entes de direito.

21/1/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Pensemos na seguinte “hipotética” situação: uma grande empresa, em análise de auditoria interna, descobre, por seus próprios meios, que funcionários de seu quadro participam de um esquema de desvio de dinheiro, que traz benefícios financeiros a estes, prejudicam a empresa e podem ser tipificados em diversos crimes previsos no Código Penal Brasileiro.

Dentre eles: violação do segredo profissional, furto qualificado, extorsão indireta, apropriação indébita, estelionato, associação criminosa, entre tantos outros aplicáveis.

É correto que quem descobriu tais crimes, seja a auditoria ou os gestores da empresa, oss que detêm a “caneta”, apenas façam um “acordo” para demissão dos funcionários, sem causar “barulho” para que a mídia não exponha os fatos, por exemplo?

Vamos supor que esta empresa seja uma administradora de riscos. Será que seus clientes não gostariam de saber que ali, naquele local que administra riscos, existiram/existem funcionários que desviaram dinheiro? A coisa complica ainda mais se essa empresa for uma administradora de fundos de pensão por exemplo e por aí vai...

O que diz a legislação brasileira sobre o tema?

Primeiro, devemos destacar que apenas o Ministério Público possui a prerrogativa de oferecer denúncias em casos de ação pública, consoante expõe o artigo 129, inciso I da Constituição Federal e o artigo 24 do Código de Processo Penal.

A exceção se dá por meio do artigo 66 da lei de Contravenções Penais, que expõe ser contravenção penal:

Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:

I – Crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação;

II – Crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal;

E nos demais casos? O cidadão é ou não obrigado a notificar a ocorrência de um crime?

Não. Ele pode até fazê-lo, mas não é obrigado e não sofrerá qualquer sanção se não o fizer.

Vejamos o parágrafo terceiro do artigo 5º do Código de Processo Penal:

Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunica-la à autoridade policial e, esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.

Ou seja, “poderá”.

Vejamos o artigo 27, do mesmo dispositivo:

Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

Mais uma vez, a palavra poderá fica em evidência, não trazendo qualquer obrigatoriedade ou constrangimento a quem não o fizer.

Passada a esfera do conhecimento técnico e de exposição do que diz as normas brasileiras vigentes, fica a reflexão: é ético? É correto?

Podemos insistir no pensamento empresarial, como supracitado, considerando que grandes empresas tem o poderio financeiro para abafar ainda mais tais questões. Mas e se considerarmos um caso de violência doméstica, onde o vizinho sabe da ocorrência das agressões, mas nada faz para responsabilizar o agente criminoso?

E vejam, aqui não há de se falar em omissão de socorro, por exemplo, um tipo penal previsto no artigo 135 do Código Penal ou da omissão para evitar o resultado, prevista no artigo 13, parágrafo 2º e suas alíneas, pois estes, tratam do imediatismo, do foco na ação de momento. A consideração deste artigo trata sobre o conhecimento posterior, a notificação de um fato pretérito.

Fica a reflexão... uma pena de multa pra quem não notificar? Pena de 3 meses de reclusão? Quantos casos não poderiam ser conhecidos pelo judiciário? Quantas fraudes, quantas agressões não poderiam ser divulgadas?

Irvyng Ribeiro
Advogado Criminalista formado pela UERJ, professor de Direito Penal, Servidor Público & Colunista.

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