Migalhas de Peso

Tributação do reconhecimento de ativos regulatórios de energia

A receita contábil decorrente do reconhecimento do ativo regulatório decorrente da extensão de contratos ou vinculado à futura revisão de tarifa não preenche os requisitos legais para que seja tributada.

23/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A fonte hidrelétrica, apesar do crescimento vertiginoso das fontes eólica e solar ocorrido na última década, ainda representa cerca de 80% da energia gerada no Brasil.

A geração de energia hidrelétrica é objeto de um sistema de administração centralizado e complexo.

Como regra geral, todas as usinas hidrelétricas acima de 50MW são despachadas centralizadamente pelo ONS – Operador Nacional do Sistema, o que significa dizer que a sua geração é determinada, em tempo real, pelo ONS, para atender de forma otimizada (i) a demanda de energia do mercado consumidor; (ii) o aproveitamento ótimo dos recursos hídricos por todos os geradores, especialmente os que sejam instalados no mesmo curso d’água; e (iii) atender a curva de aversão a risco, a qual recomenda economizar água para uso futuro e usar outras fontes, como termelétricas, para gerar energia no presente.

Para que este sistema funcione, os geradores não podem ser penalizados pelas decisões do ONS. Em outras palavras, os geradores não decidem o volume de energia gerada e devem ser protegidos das consequências do gerenciamento centralizado.

A forma de mitigação adotada no Brasil foi a criação do chamado MRE – Mecanismo de Realocação de Energia, que é uma espécie de condomínio onde cada gerador tem a si alocada uma quantidade de geração de energia elétrica firme (energia assegurada), determinada de acordo com as características técnicas da usina e fluxo do rio, entre outros fatores.

A energia assegurada é a quantidade de energia elétrica que os geradores hidrelétricos podem comercializar via contratos.

Toda a energia gerada pelos geradores membros do MRE é alocada entre todos os geradores, pro rata às respectivas energias asseguradas. Em anos com regime normal de chuvas, os geradores do MRE geram energia suficiente para alocar a totalidade da energia assegurada a todos os membros e, até mesmo, gerar energia adicional que pode ser comercializada no mercado.

De tempos em tempos, contudo, o país tem sofrido com a crise hídrica decorrente, principalmente, da escassez de chuvas. Esta crise traz graves consequências para os geradores hidrelétricos, pois, se o MRE gerar menos energia do que a soma das energias asseguradas de seus membros, o condomínio deve ir ao mercado de curto prazo de energia e comprar o shortfall de energia ao PLD (preço de liquidação de diferenças ou preço spot), independentemente do nível de geração individual de cada membro. 

Essa diferença de energia que deve ser reposta pelos geradores do MRE é o chamado Generation Scaling Factor ou GSF.

Em um cenário de GSF, devido à falta de água, uso de fontes termelétricas e curva de aversão a risco acentuada, o PLD se situa em níveis máximos, exacerbando, assim, as perdas sofridas por geradores do MRE.

A crise hídrica dos anos de 2014 e 2015, associada a eventos externos como a decisão do CNPE – Conselho Nacional de Política Energética de acionar geradores térmicos de forma antecipada (o que reduziu ainda mais a energia gerada pelo MRE), gerou um GSF em proporções inéditas.

Seguiu-se um cenário de contencioso judicial, no qual geradores e associações de geradores contestavam a responsabilidade pelo GSF, tendo em vista que era devido a uma crise hídrica de proporções inesperadas e agravado por decisões de governo a respeito da energia assegurada de projetos de geração estruturantes e do acionamento antecipado de térmicas (fora da “ordem de mérito” do ONS) e obtiveram liminares que suspenderam a regular contabilização e liquidação das obrigações do mercado de energia elétrica por anos.

Para colocar fim ao impasse e permitir a retomada da normalidade do mercado de energia elétrica, foram publicadas a lei 14.052/2020 e a Resolução Normativa 895/2020, que estabeleceram o mecanismo de compensação dos titulares das usinas, para reequilíbrio econômico-financeiro das outorgas de geração, por meio da prorrogação dos respectivos prazos de exploração, observado um prazo adicional máximo de 7 (sete) anos. As empresas então optaram pela desistência das disputas judiciais, para fins de uso do novo mecanismo.

Em função da prorrogação do prazo de exploração da usina de geração, o gerador reconhece em sua contabilidade um ativo intangível e a contrapartida em resultado. Na prática contábil, o ativo é reconhecido sob a justificativa de que ele é identificável, resultado de eventos passados, decorrente de um contrato, controlado pela empresa geradora de energia e capaz de gerar benefícios econômicos futuros. Este lançamento é normalmente visto como um ressarcimento das contraprestações pagas pelo ativo de geração.

Marco Monteiro
Sócio do Veirano Advogados e atua principalmente nas áreas de planejamento, consultoria e contencioso tributário.

Leonardo Battilana
Sócio de Veirano Advogados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

Estabilidade dos servidores públicos: O que é e vai ou não acabar?

19/11/2024

Quais cuidados devo observar ao comprar um negócio?

19/11/2024

A relativização do princípio da legalidade tributária na temática da sub-rogação no Funrural – ADIn 4395

19/11/2024