Como escrevemos no nosso primeiro artigo, trataríamos o voto plural em uma trilogia e, após tratar sobre a possibilidade de utilizar o voto plural nas sociedades limitadas e os efeitos do voto plural e a Governança Corporativa, chegamos no nosso último tema para tratar sobre a possibilidade da utilização do voto plural no Segmento do Novo Mercado da Brasil, Bolsa, Balcão – B3.
A B3 vê com bons olhos o implemento do voto plural na legislação brasileira, pois entende que isso poderá atrair mais investidores ao mercado de capitais brasileiro.1 Contudo, ao analisar o voto Plural no Novo Mercado, a diretora de emissores da B3, Flavia Mouta, entende que “As companhias com voto plural não se encaixam nesse segmento, criado há 21 anos com base na concepção de uma ação, um voto. Esse princípio é parte do espírito desse nível de listagem”2. Diante dessa manifestação da diretora, necessário discutirmos se o Novo Mercado poderia ou não incluir em seu regulamento o voto plural.
O mercado de capitais é o conjunto de instituições e de instrumentos que possibilita realizar a transferência de recursos entre tomadores (companhias) e aplicadores de recursos (poupadores), buscando compatibilizar seus objetivos3. Tal mercado é um dos fatores primordiais de desenvolvimento econômico4 e, até por isso, precisa ser regulado por questões de “eficiência econômica, assimetria informacional e externalidades de mercado”5, isto é, são necessárias regras para que o mercado funcione, permitindo que os investidores tomem decisões conscientes de aplicação dos seus recursos.
A regulação estatal do mercado de capitais hoje convive com uma autorregulação promovida pela própria B3.
A B3 criou os níveis diferenciados de governança corporativa e o novo mercado, como uma solução privada que contornavas as dificuldades das reformas legislativas6, mas manteve a possibilidade do mercado padrão para quem quisesse, não prejudicando inicialmente os interesses estabelecidos. Por este motivo, não houve tanto oposição de tais grupos. Apesar disso, a iniciativa foi muito bem-sucedida com o passar do tempo e a compreensão dos resultados positivos daquela nova regulação.
A adesão sempre foi facultativa, mesmo assim teve um grande grau de aceitação, após um início vacilante, como pode ser visualizado no número de companhias que já optou pela autorregulação.
Em dezembro de 2000, a então Bolsa de São Paulo, atual B3, criou o novo mercado e também os níveis diferenciados de governança corporativa, a fim de incentivar o investimento e valorizar as companhias que mantivessem boas práticas de governança corporativa. A governança promove as mudanças necessárias para uma melhor condução da sociedade, gerando valor para esta7. Nesta lógica, é altamente recomendável a adoção das chamadas boas práticas de governança corporativa, especialmente para a atração de investidores, mas também para a melhor gestão de qualquer sociedade.
A adesão ao novo mercado, ou aos índices diferenciados de governança, é um elemento diferenciador dentro do mercado de capitais, que torna as companhias mais atrativas para os investidores.
Qualquer inserção da companhia, seja no novo mercado, seja nos índices diferenciados de governança corporativa, tem por base o nível de boas práticas de governança corporativa que a companhia se compromete a adotar.
O Novo Mercado é o segmento da atual B3 com mais alto nível de Governança Corporativa, sendo que nesse segmento há determinação que as empresas adotem um nível mais elevado de Governança Corporativa8.
Dentro do poder de voto, o Novo Mercado é bastante claro, ao estabelecer as relações entre os acionistas, de modo que nenhum acionista, inclusive o fundador da empresa, terá poderes diferenciados. Assim, esse segmento adota o princípio de “uma ação é igual a um voto”, de modo que exige que as empresas somente podem comercializar ações ordinárias, proibindo a emissão de ações preferenciais sem direito a voto.
O Novo Mercado é estruturado para fornecer um ambiente de proteção e de ampla negociação para todos os tipos de investidores, de modo que cria inúmeros mecanismos de proteção ao acionista minoritário, quais sejam: (i) vedação à limitação do número de votos dos acionistas; (ii) porcentagem mínima de dispersão acionária; (iii) vedação da emissão de ações preferenciais com direito a voto.
Como já falado, o Novo Mercado não admite tratamento diferenciado entre os acionistas, de modo que em seu regulamento, há a expressa vedação que ocorra a limitação do número de votos dos acionistas, mesmo que organizados em grupos, em percentuais “inferiores a 5% (cinco por cento) do capital social, exceto nos casos de desestatização ou de limites exigidos em lei ou regulamentação aplicáveis à atividade desenvolvida pela companhia”.
Dentro dessa vedação ao tratamento diferenciado, o Novo Mercado exige que a empresa mantenha 25% das suas ações em circulação ou 15% quando a venda de ações diária seja superior a R$ 25 milhões. Ao garantir que somente ações com direito a voto possam ser emitidas e que pelo menos 1/4 dessas ações tenham que estar em livre circulação, o Novo Mercado estabelece critérios mínimos para permitir a atuação do acionista minoritário em algumas decisões empresariais e, consequentemente, busca quebrar a concentração do poder em poucos acionistas.
Como já tratamos nos artigos que escrevemos sobre esse tema, o voto plural causa exatamente aquilo que o Novo Mercado quer evitar, a concentração do poder de voto, de modo que fica evidente que o voto plural, caso fosse permitido no Novo Mercado, estaria como um intruso neste segmento, já que ele busca exatamente trazer essa concentração de poder na mão de poucos acionistas.
Assim, entendemos que o posicionamento da diretora de emissores da B3 é o mais correto e que a inclusão do voto plural para os novos integrantes do Novo Mercado poderia contaminar o ambiente do segmento com o maior nível de Governança Corporativa da B3.
1 BRASIL, BOLSA, BALCÃO. se prepara para receber novas ofertas com a criação do voto plural. 31 ago. 2021. Disponível aqui. Acesso em: 07 nov. 2021.
2 AGUIAR, Rejane. O voto plural vai “pegar” no mercado brasileiro?. 4 out. 2021. Disponível aqui. Acesso em: 07 nov. 2021.
3 FRANCO, Vera Helena; SZTAJN, Rachel. Manual de direito comercial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, v. 2, p. 41.
4 CUSCIANO, Dalton Tria. A importância da auto-regulação para o desenvolvimento do mercado de valores mobiliários brasileiro. In: Auto-regulação e desenvolvimento do mercado de valores mobiliários brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 79.
5 GORGA, Érica. Direito societário atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 77.
6 GILSON, Ronald J.; HASMANN, Henry; PARGENDLER, Mariana. Regulatory dualism as a development strategy: corporate Reform in Brazil, the United States, and the European Union. Stanford Law Review, Stanford, v. 63, march 2011, p. 486.
7 PARENTE, Norma. Governança corporativa. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo, ano 5, nº 15, jan./mar. 2002, p. 82.
8 BRASIL, BOLSA, BALCÃO. B3 Segmentos de listagem | B3. Disponível aqui. Acesso em: 07 nov. 2021.