Nas últimas semanas, o mundo assistiu com atenção aos debates travados na 26ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP26), que reuniu, em Glasgow, representantes de quase 200 países, empresas, Organizações Não Governamentais e grupos da sociedade civil para discutirem ações relacionadas à preservação do meio ambiente e à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE)1.
Entre as metas acordadas ao final da COP26, estão as relacionadas a “emissões líquidas zero”2 até meados do século e ao limite de aumento da temperatura global em 1,5°C. É justamente nesse cenário, em que o financiamento público e privado constitui elemento fundamental do processo de transição climática, que as instituições integrantes do sistema financeiro desempenham um importante papel, com capacidade ímpar para influenciar no desenvolvimento de uma economia sustentável3.
Reconhecendo essa missão, os membros do grupo “Glasgow Financial Alliance for Net Zero”4 (GFANZ), que reúne mais de 450 instituições integrantes do sistema financeiro de 45 países, comprometeram-se a destinar mais de US$ 130 trilhões de capital privado para alcançar a meta de “emissões líquidas zero” até 2050. Entre os membros do grupo, estão bancos, companhias seguradoras, gestoras de recursos, bolsas de valores, fundos de pensão e empresas de auditoria5. A principal função dessas instituições financeiras será alocar capital para o gerenciamento de riscos socioambientais e climáticos e para o financiamento de projetos “verdes” e sustentáveis6. Nesse contexto, ao impor políticas norteadas por fatores ESG (environmental, social and governance) aos seus clientes, os bancos acabam por induzir e disseminar a adoção de tais práticas pelo mercado. Afinal de contas, se as “torneiras” do sistema financeiro se fecham para determinado setor ou empresa, difícil pensar em crescimento e expansão de atividades ou mesmo em estabilidade.
O “Network for Greening the Financial System”, grupo formado por mais de 100 Bancos Centrais que buscam compartilhar as melhores práticas relacionadas à gestão dos riscos ambiental e climático no setor financeiro, divulgou uma declaração em que se compromete a expandir seus esforços para tornar o sistema financeiro global mais “verde”. Para isso, o grupo irá adotar ações para fortalecer a supervisão prudencial relacionada ao clima e para cobrir lacunas que atualmente dificultam a identificação, gestão e mitigação dos riscos climáticos7.
Além do estabelecimento de compromissos de financiamento por parte de instituições financeiras de diferentes países, importantes entidades do mercado financeiro se comprometeram com a agenda climática por meio da formulação de diretrizes para a divulgação (disclosure) de informações sobre riscos ambientais e climáticos. Considerando a necessidade de que as informações relacionadas à sustentabilidade e riscos correlatos sejam produzidas com rigor, qualidade e comparabilidade global, a “International Financial Reporting Standards Foundation” anunciou a formação do “International Sustainability Standards Board”, comitê que será responsável por desenvolver padrões para a divulgação de questões relacionadas à sustentabilidade a serem seguidos pelo mercado financeiro8.
De uma maneira geral, podemos dizer que essas medidas vão ao encontro do objetivo central do setor financeiro na COP26: assegurar que todas as decisões financeiras, sejam dos bancos ou de seus clientes, levem em consideração questões ambientais e climáticas9.
No Brasil, a atenção à sustentabilidade no âmbito do mercado financeiro não é novidade. Em 2014, a Resolução CMN 4.327/14 estabeleceu diretrizes para a responsabilidade socioambiental das instituições financeiras em operações com seus clientes. Em setembro de 2020, o Banco Central do Brasil, no âmbito de sua pauta de sustentabilidade via a Agenda BC#, reconheceu expressamente a existência de potenciais riscos climáticos para o sistema financeiro, com a consequente imposição de testes de estresse em relação a esses riscos como exigência regulatória. Essa medida segue na esteira de avanços regulatórios relevantes vistos em outras jurisdições, como Inglaterra, França, Austrália e Japão por exemplo, que reconheceram o risco climático como risco sistêmico no âmbito do sistema financeiro.
Dando seguimento a essa pauta de sustentabilidade e em consonância com os recentes compromissos assumidos na seara internacional, o CMN - Conselho Monetário Nacional e o BC editaram, recentemente, novas normas que entrarão em vigor em 2022 e que têm por objetivo (i) fortalecer o gerenciamento de risco ligado à temática ESG pelas instituições integrantes do SFN - Sistema Financeiro Nacional; (ii) transparência – regulamentar a divulgação de informações sobre o risco por essas instituições; e (iii) crédito rural – caracterizar os empreendimentos com restrições de acesso ao crédito rural em razão de dispositivos legais ou infralegais relacionados a questões socioambientais e climáticas.
A Resolução CMN 4.943 incluiu as definições dos riscos social, ambiental e climático nos requisitos da estrutura de gerenciamento de risco das instituições enquadradas nos Segmentos 1 (S1), 2 (S2), 3 (S3) e 4 (S4)10, estabelecendo, ainda, a obrigatoriedade de as instituições realizarem análise de cenários no âmbito do programa de testes de estresse, que considerem hipóteses de mudanças em padrões climáticos e de transição para uma economia de baixo carbono (com exceção daquelas instituições enquadradas no S3 e S4).
A Resolução CMN 4.944 aprimorou as regras da estrutura simplificada de gerenciamento dos riscos social, ambiental e climático aplicáveis às instituições do SFN enquadradas no Segmento 5 (S5), conforme definição da Resolução CMN 4.553/2017. A Resolução CMN 4.945, por sua vez, estabelece novas regras sobre a Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática a ser divulgada pelas instituições integrantes do SFN, bem como sobre as ações para sua efetiva implementação.
O BC editou ainda (i) a Resolução BCB 139, que estabelece requisitos para divulgação anual do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas; e (ii) a Resolução BCB 140, que dispõe sobre a caracterização de empreendimentos com restrições de acesso ao crédito rural em razão de dispositivos legais ou infralegais atinentes a questões sociais, ambientais e climáticas. Pode-se afirmar que a pauta de sustentabilidade do BC abrange ações internas e externas, atividades regulatórias e de supervisão, bem como parcerias significativas para aprimorar o monitoramento de dados relacionados aos riscos e fatores ESG.
A COP26 deixou evidente o crescente empenho global do setor financeiro de funcionar como um agente catalizador de mudanças condizentes com a agenda climática. A crescente preocupação dos órgãos reguladores, dos bancos e demais agentes do sistema financeiro com maior transparência, uniformização de disclosure e cumprimento de critérios ESG pelos players de mercado contribuirá para importantes avanços na transição para uma economia de baixo carbono, em conformidade com as metas globais de redução do aquecimento global estabelecidas na COP26.
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1 Organização das Nações Unidas (ONU). Guia para a COP26: o que é preciso saber sobre o maior evento climático do mundo. Disponível aqui.
2 Serão alcançadas “emissões líquidas zero” quando todas as emissões de GEE que ainda forem causadas por ação humana estiverem um equilíbrio com a remoção de gases da atmosfera (processo conhecido como remoção de carbono). Para mais informações, acesse aqui.
3 Building a private finance system for net zero – Priorities for private finance for COP26. Disponível aqui. UN Climate Change Conference UK 2021. COP26 Goals. Disponível aqui.
4 A “Glasgow Financial Alliance for Net Zero” (GFANZ), grupo formado em abril de 2021, é uma coalizão global de instituições financeiras comprometidas com a aceleração da descarbonização da economia mundial e com o alcance de “emissões líquidas zero” até 2050. Para mais informações, vide aqui.
5 Os membros do grupo também se comprometeram a revisar suas metas a cada cinco anos e a divulgar, anualmente, o seu progresso e as emissões financiadas. Além desses compromissos de longo prazo, mais de 90 instituições que fazem parte do GFANZ estabeleceram metas de curto prazo, incluindo 29 membros que se comprometeram a reduzir as emissões de GEE de seus portfólios em 25%-30% até 2025, bem como gestores de recursos que publicaram metas a serem alcançadas até 2030. Para mais informações, acesse: “Glasgow Financial Alliance for Net Zero” (GFANZ). Amount of finance committed to achieving 1.5°C now at scale needed to deliver the transition. Disponível aqui.
6 Building a private finance system for net zero – Priorities for private finance for COP26, p. 6. Disponível aqui.
7 Network for Greening the Financial System (NGFS). NGFS Glasgow Declaration. Disponível aqui.
8 IFRS Foundation. Global sustainability disclosure standards for the financial markets. Disponível aqui.
9 Building a private finance system for net zero – Priorities for private finance for COP26, p. 6. Disponível aqui.
10 A Resolução CMN 4.553/17 estabelece a segmentação do conjunto das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB para fins de aplicação proporcional da regulação prudencial.