Migalhas de Peso

Da responsabilidade pelo pagamento do IPTU e taxas condominiais e o dever de sua atribuição ao adquirente somente após a efetiva imissão na posse

Vale destacar a necessidade de que a construtora ou incorporadora em seu orçamento preveja eventuais custos decorrentes de tais encargos, quando se depararem com situações em que adquirentes de determinadas unidades imobiliárias não sejam imitidos na posse mesmo após a expedição do habite-se.

25/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Quando tratamos de negociações envolvendo a compra e venda de imóveis, em especial de imóveis na planta, não raramente nos deparamos com cláusulas imputando a obrigação de pagamento do IPTU e de Taxas Condominiais aos adquirentes, e que o marco inicial a legitimar a referida obrigação, seria a expedição do HABITE-SE. Todavia, tem-se que a imposição dos respectivos pagamentos ao consumidor vem sendo alvo de reiteradas decisões em sentido contrário, inclusive em caráter liminar, com a suspensão das cobranças, e no julgamento de mérito das ações, com condenações que se voltam ao dever de restituir valores, bem como a indenizar eventualmente por danos morais.

Nesse sentido, muitos são os julgados que contrariam as práticas das construtoras e incorporadoras, no que se inclui o julgado do STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1819531 SE 2019/0163150-6 com a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.819.531 - SE (2019/0163150-6) RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO RECORRENTE : DANIEL PEREIRA DA SILVA RECORRENTE : DENISE SANTOS RUZENE ADVOGADOS : PEDRO ERNESTO CELESTINO PASCOAL SANJUAN - SE000492B LYSIANNE ALCANTARA OLIVEIRA BARBOSA - SE004788 RECORRIDO : ALPHAVILLE SERGIPE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA RECORRIDO : PONTAL EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA ADVOGADOS : ANDREA SOBRAL VILANOVA DE CARVALHO E OUTRO (S) - SE002484 FRANCISCO TELES DE MENDONÇA NETO - SE007201 CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CUSTEIO DAS TAXAS CONDOMINIAIS E DE IPTU. POSSE DO IMÓVEL. CONCLUSÃO DO TRIBUNAL COM BASE NAS PROVAS DOS AUTOS. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7 DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. DECISÃO DANIEL PEREIRA DA SILVA e DENISE SANTOS RUZENE (DANIEL e DENISE) ajuizaram ação declaratória de inexistência de débito cumulada com restituição de valores pagos indevidamente ALPHAVILLE SERGIPE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. (ALPHAVILLE) e PONTAL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA (PONTAL), visando ao recebimento de indenização pelos danos morais sofridos e a reparação pelos danos decorrentes da cobrança indevida das taxas condominiais anteriores à entrega efetiva das chaves. O Juízo de piso julgou parcialmente procedentes os pedidos para o fim de declarar a nulidade de obrigação imposta ao comprador pelas rubricas de IPTU e taxas associaticas/condominiais antes da efetiva imissão na posse do imóvel, a qual ocorreu em julho/2015, data do habite-se, após o que se fez legítima a cobrança; (....)

(STJ - REsp: 1819531 SE 2019/0163150-6, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Publicação: DJ 01/07/2019)

No caso concreto, em relação à obrigação pelo custeio das taxas condominiais e de IPTU, os adquirentes sustentaram que nunca houve a efetiva entrega do bem, bem como que a obrigação pelos custeios das taxas condominiais e de IPTU somente seria permitida a partir da imissão do comprador na posse do imóvel e não a partir da expedição do habite-se.

O Tribunal de origem consignou no acórdão objurgado que o pagamento do aludido imposto somente poderia ser imputado ao adquirente após a sua imissão na posse do bem, entendendo que os adquirentes estiveram na posse do imóvel de julho de 2015 a abril de 2017.

No tocante ao mérito, alegaram as vendedoras quanto ao pagamento do IPTU e das Taxas Condominiais que consiste em obrigação do comprador, e que seriam válidas as cláusulas do contrato que impõem a responsabilidade aos adquirentes.

Em decisão do ERESP 489647, o STJ entendeu que a obrigação de realizar o pagamento das despesas condominiais surge somente a partir da entrega efetiva das chaves do imóvel.

Além disso, salientou-se ainda que a obrigação pelo pagamento do IPTU, assim como da taxa de condomínio, recai sobre a construtora ou sobre o proprietário da obra em momento anterior à imissão na posse pelo consumidor, não sendo, portanto, do consumidor ou comprador, ainda que já tenha sido realizada a Assembleia de Instalação do Condomínio.

Diante disso, pode se considerar que o não exercício da posse pelo comprador se revela como peculiaridade apta a afastar a sua legitimação para responder pelos encargos condominiais. Com efeito, a egrégia Turma do STJ, assim entendeu, como atesta o seguinte julgado:

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONDOMÍNIO. COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA.

Somente quando já tenha recebido as chaves e passado a ter assim a disponibilidade da posse, do uso e do gozo da coisa, é que se reconhece legitimidade passiva ao promitente comprador de unidade autônoma quanto às obrigações respeitantes aos encargos condominiais, ainda que não tenha havido o registro do contrato de promessa de compra e venda.

Sem que tenha ocorrido essa demonstração, não há como se reconhecer a ilegitimidade da pessoa em nome de quem a unidade autônoma esteja registrada no livro imobiliário.

Recurso não conhecido" (REsp 212799/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 05/10/1999, DJ 13/12/1999 p. 154)

Na mesma linha de orientação, em outro julgado, fora considerado que a responsabilidade pelas despesas de condomínio ante a existência de promessa de compra e venda, pode recair tanto sobre o promitente comprador quanto sobre o promissário vendedor, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto. Sob esse prisma, pois, a questão relacionada à posse do imóvel, e não só a propriedade, é relevante para a aferição da responsabilidade por tais encargos. (AgRg no Ag 660.515/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/08/2008, DJe 23/09/2008)

A Segunda Seção do colendo STJ, por ocasião do julgamento do ERESP 138.389/MG, relator o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13/9/99, firmou entendimento segundo o qual "a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias do caso concreto."

Ora, já decidiu o colendo STJ que "se não há elemento seguro a indicar que o promitente comprador exerceu posse direta sobre o imóvel, a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais é do promitente vendedor." (REsp 722.501/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 27.02.2007, DJ 28.05.2007 p. 326)

Em regra, o promitente-comprador, é parte legítima a responder pelo pagamento de verbas condominiais. Contudo, tal legitimidade é afastada se demonstrado que não houve a imissão na posse do imóvel, não se exercitando as faculdades de usar, gozar e dispor da coisa. (AgRg no Ag 645645/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/08/2006, DJ 11/09/2006 p. 253)

Por vezes, as construtoras / incorporadoras defendem a tese de que não há abusividade na cláusula que determina a transferência das responsabilidades quanto ao IPTU e taxas condominiais ao promitente comprador, após a concessão do habite-se. Diz-se que uma vez expedida a carta de habite-se, o imóvel já reúne condições de habitabilidade, incidindo sobre a unidade imobiliária todos os encargos relativos ao IPTU e taxa de condomínio.

Todavia, há que se consignar, que a obtenção do HABITE-SE não resguarda ao adquirente a imissão imediata na posse do imóvel, dada a existência de uma séria de entraves burocráticos para o recebimento das chaves.

Nesse sentido, há que se considerar o contido no artigo 1204 da lei 10.406/02 CC - lei 10.406/02 que institui o Código Civil.

Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.

Não por menos, em uma análise sucinta do dispositivo legal, vislumbra-se a necessidade do exercício pleno da posse como ato jurídico complexo que envolve situações fáticas sujeitas a comprovação versada em provas documentais, não sendo por exemplo razoável o entendimento de que a mera expedição do habite-se já configure o exercício pleno da posse, pois, por inúmeras circunstâncias poderá o adquirente não estar exercendo a posse do bem.

Nesse sentido, observa-se que o consumidor assume todos os encargos sobre o bem sem que haja, em contrapartida, o resguardo do seu direito ao uso e gozo do imóvel. Portanto, a cláusula que lhe atribui a responsabilidade pelas obrigações coloca o consumidor em desvantagem exagerada, pois impõe-lhe uma obrigação que, pela natureza do contrato, somente deveria ser assumida por ele quando do recebimento das chaves do imóvel.

Com efeito, tem sido pacífico o entendimento jurisprudencial pela nulidade de pleno direito das cláusulas contratuais que atribuem tais encargos ao adquirente, pois, tais encargos sobre o imóvel somente poderão ser exigidos do promissário comprador a partir do recebimento das chaves, com suporte no art. 51, IV, § 1º, do CDC:

CDC - lei 8.078/90

Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso

O não exercício da posse pelo comprador consiste em peculiaridade apta a afastar a sua legitimação para responder pelos encargos condominiais. Com efeito, somente quando tiver recebido as chaves e a disponibilidade da posse, do uso e do gozo da coisa, é que se reconhece a legitimidade passiva ao promitente comprador de unidade autônoma quanto às obrigações concernentes aos encargos condominiais e de IPTU, ainda que não tenha havido o registro do contrato de promessa de compra e venda.

Salta aos olhos, no entanto, que mesmo diante das reiteradas decisões consolidando o entendimento pela ilegalidade da imputação das cobranças, as construtoras e incorporadoras insistam na celebração da promessa e compromisso de compra e venda da unidade para o consumidor, com a inserção de cláusulas que atribuem indevidamente as obrigações.

Pois, entre a assinatura da promessa ou compromisso e o ingresso no imóvel, por vezes o lapso temporal pode se estender por até 4 anos, sendo nesse intervalo que o vendedor transfere as despesas geradas pelo imóvel ao comprador de forma indevida, ainda que o artigo 20 da lei 4.591/64 expressamente afirme que as despesas do imóvel recaem sobre o ocupante, ou seja, somente haverá a obrigação quando houver o efetivo ingresso no imóvel.

"Art. 20. Aplicam-se ao ocupante do imóvel, a qualquer título, todas as obrigações referentes ao uso, fruição e destino da unidade."

A comprovação da ocupação do imóvel adquirido da incorporadora ou construtora ocorre através do "termo de entrega da chave", para que somente a partir de então a obrigação seja transferida ao consumidor, no que se incluem os impostos e as taxas condominiais.

Há que se considerar que diante do exposto anteriormente, se mostra evidente que cabe ao construtor ou incorporador se utilizar de boa-fé e lealdade perante os seus consumidores, para que além de evitar os inúmeros processos que desaguam diariamente no Poder Judiciário, mantenha seu bom nome no mercado imobiliário mediante boas práticas de mercado.

Nesse sentido, vale destacar a necessidade de que a construtora ou incorporadora em seu orçamento preveja eventuais custos decorrentes de tais encargos, quando se depararem com situações em que adquirentes de determinadas unidades imobiliárias não sejam imitidos na posse mesmo após a expedição do habite-se, momento este em que deverá a atual proprietária arcar com tais despesas, evitando-se assim o acréscimo das despesas decorrentes de ações judiciais, bem como constitua elemento que leve à perda de credibilidade perante os consumidores.

Debora Cristina de Castro da Rocha
Advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado nas áreas do Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania e Professora.

Edilson Santos da Rocha
Sócio Administrador do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia - Especializado em Direito Imobiliário e Sócio Administrador na Empresa Domínio Legal Soluções Imobiliárias

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