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Legitimidade ativa das pessoas jurídicas interessadas nas ações de improbidade administrativa em trâmite

Análise sobre alteração da Lei de Improbidade Administrativa e a figura das pessoas jurídicas interessadas no polo ativo das ações em trâmite.

10/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Bem divulgada nos meios de comunicação nesta semana, a lei 14.320/21 trouxe mudanças significativas à lei 8.429/92, comumente conhecida como LIA ou lei de Improbidade Administrativa. Longe de ser um consenso entre juristas, notadamente os atuantes na área fiscal, o novel legislativo é um forte candidato para ser objeto de ações de questionamento da constitucionalidade, principalmente pela previsão de necessidade de comprovação do dolo das condutas apuradas. Não menos relevante, a discussão sobre a legitimidade exclusiva do Ministério Público para propositura das ações de improbidade é tema de interessante análise, destacando-se as ações já em trâmite não ajuizadas pelo "parquet".

Antes da análise da matéria processual, registra-se que a retirada da legitimidade ativa das pessoas jurídicas interessadas na averiguação do ato de improbidade não parece trazer benefício ao interesse coletivo, objeto maior de tutela pela lei em referência. Embora o novel legislativo preceitue que "a autoridade que conhecer dos fatos representará ao Ministério Público para as providências necessárias (art. 7º, LIA)", sabe-se que o corpo técnico das advocacias públicas atuantes no órgão em que se dará a apuração possui plenas condições de promover apurações internas daquilo que é notícia de indício de irregularidade, com capacidade postulatória, agora extirpada pela lei 14.320/21, de levar os fatos para apreciação do Poder Judiciário, com ampla participação do Ministério Público no feito. A diminuição da atuação das competentes advocacias públicas na área de fiscalização parece não contribuir para o fim que almeja a lei de Improbidade Administrativa. No entanto, ao que parece, não está no radar dos mais descontentes com a norma o questionamento da alteração do art. 17 da lei de Improbidade. Sendo assim, como ficam os processos já em trâmite não ajuizados pelo Ministério Público?

Tratando de regulamentar matéria atinente a legitimidade ativa processual, parece ser aplicável o consagrado "tempus regit actum", sendo, por óbvio, válido o ajuizamento das ações de improbidade não intentadas pelo "parquet" antes da lei 14.320/21. No curso do processo, silente a nova lei quanto a caracterização da perda superveniente da legitimidade ativa, anotando o agora vigente art. 17 da LIA que o feito seguirá o disposto no procedimento comum da lei 13.105/15 – CPC.

Análise do art. 17 da Lei dos Ritos, inserido no Título I do Código, observa-se que, para postular em juízo, é necessário, além do interesse, a legitimidade. Notória a perda da legitimidade das pessoas jurídicas interessadas com a lei 14.320/21. E essa perda da legitimidade não merece ser analisada somente com o ajuizamento do pedido. O artigo do CPC mencionado não fala da legitimidade somente na distribuição do feito, e sim, "para postular em juízo". Ora, em um processo em que o protagonismo da parte autora para comprovar a ocorrência de um fato ilícito é de crucial relevância, não parece haver mais espaço para que os então legitimados prossigam no polo ativo, requerendo provas, diligências e o mais que for indispensável para aplicação da penalidade ao agente público, que age de forma irregular. Isso porque não possuem legitimidade, à luz do art. 17 do CPC, para postular em juízo.

A perda superveniente da legitimidade ativa já é instituto conhecido pelo ordenamento jurídico, aplicando-se a procedimentos comuns regrados pelo CPC, tal qual os feitos regulamentados pela LIA. No entanto, embora na grande maioria dos feitos em que constatadas a ilegitimidade ativa superveniente tenha havido a extinção do feito, na forma do art. 485, IV, do CPC, medida semelhante não deve ser observada nas ações de improbidade atingidas pela alteração legislativa promovida no art. 17 da lei 8.429/92.

O interesse público ali tutelado, independente da fase processual e até mesmo na fase de análise quanto ao recebimento do exórdio, merece atenção do Poder Judiciário e do órgão ministerial competente, a quem caberá, no nosso modo de sentir, promover os atos necessários para prosseguimento da ação, obviamente, garantido a independência funcional do representante do Ministério Público a sanar eventuais vícios na exordial, caso assim entenda; e sendo insanáveis, a observação da legislação processual civil cabível.

Desta maneira, o tema aqui abordado está na iminência de ser objeto da jurisprudência brasileira com relação a figura, no polo ativo, de processos em trâmite, daqueles que, por força da lei 14.320/21, não mais possuem legitimidade para intentarem ações de improbidade administrativa. Parece que a melhor saída, observada a necessidade de apuração do fato e uma instrução escorreita impulsionado pelo órgão legitimidade, que a provocação do órgão ministerial para assumir a figura do postulante se revela o melhor caminho.

Leonardo Aquino Gomes
Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Pós-graduação lato sensu em Direito Tributário pela Faculdade IBMEC. Procurador do Município de Cotia, tendo exercido a função de Advogado. Chefe do Departamento Contencioso. Ex-analista jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Filiado à Associação dos Procuradores Municipais (ANPM).

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