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“Tampon tax”: a tributação do absorvente feminino no Brasil e a pobreza menstrual

A discussão acerca da menstruação é cercada de tabu, mas é necessário o debate acerca da tributação de absorventes higiênicos como forma de combate à pobreza menstrual.

20/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A discussão acerca da menstruação é cercada de tabu, mas é necessário o debate acerca da tributação de absorventes higiênicos como forma de combate à pobreza menstrual

No último dia 6 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei Federal 14.214, de 2021, que instituiu o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, porém vetou a distribuição gratuita de absorventes higiênicos femininos para estudantes carentes, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias.

O veto reacendeu as discussões acerca da “pobreza menstrual”, referente a situação de precariedade e vulnerabilidade econômica e social que pessoas menstruantes1 estão submetidas por não terem acesso adequado à saneamento básico, banheiros e itens de higiene pessoal, incluindo os protetores menstruais.

No estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas (“UNFPA”) juntamente com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (“UNICEF”), 713 mil meninas vivem sem banheiro ou chuveiro em casa; 900 mil meninas não têm acesso a água canalizada em seus domicílios; 6,5 milhões vivem em casas sem ligação à rede de esgoto.

Segundo dados apresentados pela ONG Fluxo Sem Tabu, considerando uma mulher com cerca de 450 ciclos menstruais durante a vida, estima-se um gasto de, em média, seis mil reais com absorventes descartáveis durante sua vida.

A ausência de condições sanitárias mínimas é somada aos problemas gerados pela vulnerabilidade econômica, e pelo uso de formas improvisadas na tentativa de estancar o sangramento menstrual com pedaços de pano usados, roupas velhas, jornal e miolo de pão.

Não há dúvida que “questões fiscais oferecem uma grande oportunidade de trazer para linha de frente o problema de como efetivar os direitos humanos2. Não por acaso, o Quênia foi o primeiro país a suprimir a tributação sobre produtos de higiene menstrual3, e a Índia eliminou a taxa de 12% sobre os absorventes4, e a Alemanha retirou a taxação de 19% sobre absorvente5.

No Brasil, apesar de serem sujeitos à alíquota zero de Imposto sobre Produtos Industrializados (“IPI”), os absorventes higiênicos têm se sujeitado a uma tributação média de 34,48% - considerando a alíquota entre 18% e 25% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”), de 1,65% do Programas de Integração Social (“PIS”) e de 7,6% da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (“Cofins”) - de acordo com o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo.

Vale ressaltar que a alíquota zero determinada na Tabela do IPI (TIPI) não é definitiva, uma vez que está sujeita a alteração pelo Poder Executivo, pois o princípio da legalidade não é aplicado em medidas administrativas como a TIPI.

Como efeito, “o Brasil é um dos países do mundo que mais tributam absorventes e tampões, [...] o despropósito está no fato de que esse ônus é assumido exclusivamente [...] em razão de condições biológicas imutáveis”6.

A Constituição Federal prevê a seletividade em função da essencialidade para o ICMS de forma expressa, de forma que quanto mais essencial for o produto, a mercadoria ou o serviço, menor deverá ser a alíquota, sendo que “as mercadorias essenciais à existência civilizada devem ser tratadas mais suavemente ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo”.

Por meio do Convênio ICMS 224/17, de 15 de dezembro de 2017, o Conselho Nacional de Política Fazendária (“CONFAZ”) autoriza aos Estados a concessão de isenção do ICMS nas operações internas com produtos essenciais ao consumo popular que compõem a cesta básica.

De acordo com a consulta 4/01 do Estado de Santa Catarina, a finalidade perseguida pelo legislador ao instituir a cesta básica é “favorecer o consumidor, principalmente o de baixa renda, reduzindo, via exoneração tributária, o preço dos gêneros de primeira necessidade. É essa a finalidade social almejada pela norma e esse o resultado pretendido pelo legislador”.

Em continuação, afirma-se que “os itens constantes do rol de mercadorias integrantes da cesta básica devem ser entendidos na sua forma mais corriqueira, como normalmente consumidos pela população de baixa renda, excluídos os produtos mais sofisticados”.

Apesar de ser um item essencial à saúde feminina, o absorvente não é considerado um produto sanitário de primeira necessidade em todo o Brasil, não sendo incluído nas cestas básicas, impactando diretamente a população de baixa renda e reafirmando a visão de que absorventes são itens supérfluos.

Em contramão a esse posicionamento, o estado do Rio de Janeiro, mediante a lei Estadual 8.924/2020, considerou os absorventes e fraldas descartáveis como itens essenciais na composição da cesta básica.

Por meio desta alteração, alterou-se sensivelmente a tributação do ICMS sobre os absorventes, reduzindo a alíquota básica incidente sobre as operações internas com o produto de 18% mais adicional de 2% relativos ao Fundo Estadual de Combate à Pobreza (“FECP”) para 7%, uma vez que, em função do decreto RJ 32.121/02, a alíquota interna incidente sobre todos os produtos que compõe a cesta básica no estado é reduzida.

No mesmo caminho, o Estado do Ceará, através do decreto 34.718, isentou do ICMS absorventes íntimos, coletores e discos menstruais, após aderir ao Convênio ICMS 70/21, do Confaz, que autorizou a isenção do tributo nas operações internas com produtos essenciais ao consumo popular que compõem a cesta básica, incluindo absorventes íntimos.

E, mais recentemente, o governo do Maranhão, por meio da lei 11.527/21, reduziu para 12% a tributação do ICMS na comercialização de absorventes higiênicos feminino, ao incluí-lo na lista de produtos que compõe a cesta básica do estado.

Ademais, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (“CNDH”), através da recomendação 21/20 direcionada aos presidentes da República e do Congresso Nacional, sugeriu a criação de uma política nacional de superação da pobreza menstrual, além da aprovação e regulamentação do Projeto de lei 3.085/19, que prevê a isenção de IPI para os absorventes femininos.

Destaca-se que na proposta de reforma tributária apresentada pelo Governo Federal por meio do Projeto de lei 3.887/2020, ao criar a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), apesar de manter as isenções e desonerações aos produtos da cesta básica, não há qualquer referência à inclusão dos absorventes.

A desigualdade de gênero é uma cruel realidade no mundo contemporâneo e perpassa, inclusive, por aspectos tributários. A alta tributação é, sem dúvidas, uma das causas para o cenário de pobreza menstrual, resultando na falta de acessibilidade à aquisição de absorventes.

É inegável, portanto, o avanço e a importância de benefícios fiscais tendentes à redução de alíquota e/ou isenção de ICMS sobre absorventes, principalmente enquanto itens de cesta básica, como mitigação da pobreza menstrual e desigualdade de gênero.

________

1 Apesar do texto trazer dados acerca da realidade de mulheres, adota-se a expressão “pessoas menstruantes” porque pessoas trans, intersexo e não-binárias podem menstruar.

2 CAPRARO, Chiara. Direitos das mulheres e justiça fiscal: Por que a política tributária deve ser tema da luta feminista. SUR, v. 13, n. 24, p. 17–26, 2016.

3 ABRIL. No Quênia, um simples absorvente pode mudar a vida de uma mulher. [s.l.] 4 set 2017. Disponível aqui.

4 MARTÍNEZ, Ángel. Pressão popular obriga Governo da Índia a eliminar o imposto sobre absorventes. El País, Mumbai, 22 jul. 2018. Disponível aqui.

BERGER, Mirim. Germany has slashed its tax on tampons. Many other countries still tax them as ‘luxury’ items. The Washington Post, [s.l.] 12 nov. 2019. Disponível aqui.

6 PISCITELLI, Tathiane. Tributação de gênero no Brasil. Valor Econômico. São Paulo. 01 ago. 2019. Disponível aqui.

Tainã Almeida Pinheiro de Sousa
Acadêmica em direito na Universidade de Pernambuco (UPE). Colaboradora do escritório da Fonte, Advogados.

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