Veto de Bolsonaro mantém mulheres em pobreza menstrual; entenda
Já imaginou utilizar jornais, guardanapos, pedaços de pano velho, ou até mesmo, miolo de pão e folhas de árvores, no lugar de um absorvente? São estes os métodos improvisados que muitas mulheres de baixa renda recorrem por não ter acesso a absorventes.
Da Redação
sábado, 9 de outubro de 2021
Atualizado às 08:01
Nesta semana, mais uma polêmica envolveu Jair Bolsonaro: o presidente sancionou a lei 14.214/21, que instituiu o "Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual". A sanção seria louvável, não fosse o veto ao ponto principal da proposta - a oferta gratuita de absorventes higiênicos para estudantes e mulheres de baixa renda.
O veto foi criticado por inúmeros setores da sociedade, pois mantém as mulheres de baixa renda na situação de recorrer a métodos improvisados para conter a menstruação. Menstruar não é uma escolha - já imaginou, então, utilizar jornais, guardanapos, pedaços de pano velho, ou até mesmo, miolo de pão e folhas de árvores, no lugar de um absorvente? É o que chamamos de pobreza menstrual.
Vetou, mas por quê?
Antes de adentrarmos nas razões do veto, é importante relembrarmos o que dizia a proposta:
"O Poder Público adotará as ações e as medidas necessárias para assegurar a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos às beneficiárias de que trata o art. 3º desta Lei e, no âmbito do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, os absorventes higiênicos femininos feitos com materiais sustentáveis terão preferência de aquisição, em igualdade de condições, como critério de desempate, pelos órgãos e pelas entidades responsáveis pelo certame licitatório."
Bolsonaro até reconheceu ser "meritória" a intenção do legislador, mas afirmou que a medida contraria o interesse público e que não se adequaria ao princípio da universalidade, da integralidade e da equidade no acesso à saúde do SUS. Isso foi o que o presidente disse em texto oficial, que pode ser lido clicando aqui.
Em fala extraoficial, durante conversa com seus apoiadores, o presidente disse que foi "obrigado a vetar", porque o projeto não indica a fonte de custeio e, assim, poderia violar a lei de responsabilidade fiscal e a LDO de 2021.
Acontece que, no texto original, a lei diz, sim, de onde viriam os recursos. Veja:
"Art. 4º As despesas com a execução das ações previstas nesta Lei correrão à conta de dotações orçamentárias consignadas anualmente ao Ministério da Saúde, observados os limites de movimentação, empenho e pagamento da programação orçamentária e financeira anual."
Na última sexta-feira, a ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defendeu o veto de Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes para a mulheres. Durante um evento em Francisco Beltrão/PR, ela disse o seguinte:
"Hoje a gente tem que decidir, a prioridade é a vacina ou é o absorvente? As mulheres pobres sempre menstruaram nesse Brasil e a gente não viu nenhum governo se preocupar com isso. E agora o Bolsonaro é o carrasco, porque ele não vai distribuir esse ano."
Absorventes e camisinhas masculinas
Para a advogada Adriana Filizzola D'Urso, a justificativa de que a oferta gratuita de absorventes não se adequa ao princípio da universalidade, da integralidade e da equidade no acesso à saúde do SUS "se mostra contraditória, quando este mesmo SUS promove a distribuição de camisinhas masculinas".
Ademais, a advogada esclarece que o assunto vai muito além do aspecto de "higiene e conforto da mulher", pois trata de uma questão de saúde e de acesso à educação e trabalho para as mulheres social e economicamente vulneráveis.
Você sabia, por exemplo, que muitas meninas deixam de ir à escola nos dias em que estão menstruadas porque não possuem absorventes? Essa situação se repete, em média, por cinco dias, todos os meses, durante anos significativos na vida da mulher.
Adriana Filizzola D'Urso explica que a falta de absorventes para as mulheres de baixa renda ofende diretamente valores constitucionais basilares, como a saúde (integridade física) e o acesso à educação, "uma vez que pesquisam comprovam que 40% das meninas e mulheres deixam de frequentar a escola em razão da falta de acesso a produtos de higiene menstrual, perdendo, por ano, em média, 45 dias de aula".
No Congresso
Na Congresso tramitam, atualmente, pelo menos dez propostas que tratam do assunto. Além dos textos que versavam sobre a distribuição de absorventes higiênicos pelo SUS, há também propostas legislativas que propõem a isenção de impostos para produtos de higiene menstrual. A intenção desses PLs é zerar alíquotas da Cofins e da contribuição para o PIS/Pasep incidentes sobre os absorventes e tampões higiênicos (PLs 128/21, 1.702/21 e 3.085/19).
Vale lembrar que, apesar de absorventes terem alíquota zero do IPI, ainda incidem sobre o produto PIS, Cofins e ICMS, o que acarreta uma tributação elevada.
Frentes feministas da sociedade e congressistas mulheres estão se levantando contra o veto de Jair Bolsonaro. Há a possibilidade de que o Congresso derrube o veto presidencial.