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Os avanços e limites da lei do superendividamento

É necessário acender um sinal de alerta para o fato de que todos os avanços decorrentes dessa nova determinação podem ser diluídos caso não haja um criterioso processo de regulamentação da lei.

30/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Não há dúvidas em afirmar que a recente entrada em vigor da lei 14.181/21, também conhecida como lei do Superendividamento, representa um importante alívio para a calamitosa situação de endividamento em que se encontram as famílias brasileiras. Segundo recente estudo da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), a taxa de endividamento chegou a 69,7% em junho, maior percentual atingido nos últimos onze anos.1

Mesmo que tenha sido sancionada com alguns vetos polêmicos pela Presidência da República, a nova norma visa proteger, com responsabilidade, consumidores devedores que se encontrem impossibilitados de quitar seus débitos. Por outro lado, cria instrumentos, através de alterações no CDC (Código de Defesa do Consumidor) e no Estatuto do Idoso, para conter abusos e regulamentar as ofertas crédito.

Entre as mais significativas alterações está a garantia de que o devedor não terá comprometido seu “mínimo existencial”, ou seja, uma quantia mínima de renda destinada a despesas básicas e que não pode ser direcionada para o pagamento das dívidas, o que já é previsto constitucionalmente. No entanto, a definição desse mínimo ainda é controverso e depende de regulamentação.

Podem ser destacados outros importantes avanços, como garantias de maior transparência, que proíbem os bancos de ocultar qualquer possibilidade de risco durante a contratação de empréstimos. A lei também torna ilegal qualquer artifício para atrair consumidores, como, por exemplo, o oferecimento de prêmios, especialmente em caso de pessoas idosas, analfabetas ou vulneráveis.

Também fica garantida a possibilidade de um modelo de negociação semelhante à recuperação judicial: o devedor pode requerer a instauração de um processo de repactuação de dívidas e apresentar uma proposta de plano de pagamento, que não pode exceder o prazo de cinco anos. Em caso de conciliação, a sentença judicial deve descrever o plano e terá eficácia de coisa julgada, ou seja, precisa ser cumprida. Se não houver acordo, cabe ao juiz determinar o plano.

Salvo justificadas críticas quanto a alguns pontos específicos da lei (em especial, a discussão sobre a suspensão imediata da exigibilidade do débito lançado em cartão de crédito em razão de mera alegação do consumidor de desconhecimento da dívida), as alterações trazidas pela lei são mudanças que visam tornar possível que a dívida, ou pelo menos parte dela, seja sanada, além de evitar uma oferta desonesta e irreal de crédito que tornaria, posteriormente, quase impossível de o débito ser cumprido.

Lamenta-se que, entre alguns dos vetos presidenciais, tenham sido incluídos dispositivos que coadunavam perfeitamente com o espírito da lei, como o que limitava em 30% da remuneração mensal o valor de parcelas de crédito consignado, além da proibição que, na oferta desse “benefício” fossem feitas referências a termos como “sem juros” ou “taxa zero”.

Entretanto, é necessário acender um sinal de alerta para o fato de que todos os avanços decorrentes dessa nova determinação podem ser diluídos caso não haja um criterioso processo de regulamentação da lei.

Em especial, chama atenção a própria definição do conceito “superendividamento”. Na letra da lei, ele é descrito como “a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo sem comprometer seu mínimo existencial”. Entretanto, está longe de ser suficiente, já que poderia ser mais claro e efetivo definir um percentual em relação à renda do consumidor, o que, na prática, acabou sendo vetado. Não há, portanto, real efetividade de qualquer norma sem a devida regulamentação.

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1 Disponível aqui.

Laura Morganti
Bacharel em Direito pela PUC/SP, tem especialização em Direito Processual Civil na mesma instituição. Especialista em direito do consumidor e disputas comerciais complexas, com larga experiência em ações civis públicas envolvendo os setores alimentício, farmacêutico, automobilístico e varejo; disputas judiciais envolvendo quebra de contratos comerciais, de distribuição e de franquia; e processos administrativos perante órgãos de defesa do consumidor e Ministério Público, incluindo campanhas de recall e discussões relacionadas à publicidade e práticas desleais.

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