Migalhas de Peso

Por que não degradar o Bioma Amazônico?

Presente artigo tem por escopo apresentar conhecimento científico acerca da importância do Bioma Amazônico para economia nacional, em concretização ao direito fundamental à educação ambiental, influenciando na comutação do comportamento humano.

10/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Em recente encontro de Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizado pelos Estados Unidos, junto à Organização das Nações Unidas, iniciativa esta que reuniu, de forma virtual, cerca de 40 líderes mundiais, pretendeu-se reforçar os esforços para limitar o aumento da temperatura global, em 1,5 graus Celsius, até o final deste século1. 

Ocorre que, tornou-se centro do debate a extrema e urgente necessidade de proteção da nossa Floresta Amazônica, em especial diante dos recentes recordes de desmatamento no ano de 20202. 

A preocupação com a rígida proteção deste bioma também já é de muito vislumbrada em nosso ordenamento jurídico. Basta observar as porcentagens de reserva legal exigidas pelo artigo 12, da lei 12.651/12 (Código Florestal), que para as propriedades localizadas na região do bioma Amazônico é, em regra, de 80% da área rural (cabendo destacar que a regra para os demais biomas é de 20% a 30%3). 

Este tratamento jurídico diferenciado do bioma Amazônico não estabelece, internamente, uma hierarquia de biomas. Todos os biomas são importantes, porque em todos temos ecossistemas,4 que carregam vidas e trazem equilíbrio ao planeta. Definitivamente, não há espaços para hierarquia. 

A Constituição de 1988 protege igualmente os biomas, na medida em que o artigo 225, §4º dispõe que “a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais5”. 

Mas, partindo deste pressuposto (e porque não deste princípio) de ausência de hierarquia entre os biomas, por que então a preocupação mundial extrema com o bioma Amazônico? Por que a ordem jurídica nacional também confere este tratamento especial a este bioma? Quais são as consequências que o desmatamento do bioma Amazônico pode trazer ao país? 

Inúmeros motivos poderiam fundamentar e responder as aludidas indagações, como a preservação da fauna, flora e o patrimônio genético nacional, dentre outros. 

Mas, apesar de retrógrada, uma visão antropocêntrica, para compreender a importância do bioma Amazônico, faz-se necessária, para trazer luz àqueles que eventualmente ainda não compreenderam o sentido da expressão e do princípio jurídico do desenvolvimento sustentável. Vale dizer, já de início, que a destruição do bioma Amazônico pode gerar grandes retrocessos no desenvolvimento econômico nacional, em especial no agronegócio, senão vejamos. 

Entre os especialistas e estudiosos de diversas áreas do conhecimento, como meteorologia, hidrologia, geografia, engenharia agrícola, dentre outros, tornou-se comum a utilização da expressão “rios voadores, aéreos ou flutuantes”,6 para designar um fenômeno importante produzido pelas florestas do bioma Amazônico, fenômeno crucial para o desenvolvimento nacional. 

De acordo com o Projeto Rios Voadores, os rios voadores são “cursos de água atmosféricos”, formados por massas de ar carregadas de vapor de água, muitas vezes acompanhados por nuvens, e são propelidos pelos ventos. Essas correntes de ar invisíveis passam em cima das nossas cabeças, carregando umidade da Bacia Amazônica para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.7

 Verificado em campo pela primeira vez, em 2006, pelo aviador Géhard Moss e o pesquisador Antonio Donato Nobre, diversos foram os voos feitos à época no intuito de coletar amostras de vapor atmosférico em diferentes altitudes, trabalho socioambiental que levou ao conhecimento da comunidade local esse fascinante fenômeno, até então pouco conhecido pelos brasileiros. Em 2007 o estudo foi formalizado como projeto de pesquisa junto ao prof. Enéas Salati e outros pesquisadores, o qual foi fomentado por uma parceria com a Petrobrás, no final de 2013.8

Vale destacar que, segundo estudos elaborados pelo INPA (Instituto Nacional de Proteção da Amazônia), considerando a estimativa de R$ 600 bilhões de árvores na Amazônia, a quantidade de vapor de água evaporada pelas árvores da floresta pode ter a mesma ordem de grandeza que a vazão do rio Amazonas (200.000 m3/s), maior rio de água doce existente no planeta.9

Em reportagem à revista Apoia O Eco, Antônio Donato Nobre, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Científicas (INPE), e uma das principais referências do tema, destaca que “os Rios Voadores explicam o mistério para a região que vai de Cuiabá a Buenos Aires e São Paulo ser verde e úmida. Esse quadrilátero representa 70% do PIB da América do Sul, com hidrelétricas, indústrias, agricultura e grandes centros que dependem do equilíbrio climático e da provisão de água para existir. Os rios aéreos de vapor que a Amazônia exporta para essas áreas contraria a tendência normal dessa região de ser desértica. Essa imensa usina de serviços ambientais é o maior parque tecnológico que a Terra já conheceu”.10

Vale destacar que, só é possível não falar da aridez nestas regiões supracitadas em razão da barreira natural formada pela Cordilheira dos Andes, que funciona como um paredão físico para os ventos úmidos propelidos em direção ao oeste. Esse corredor de ventos, carregado com o vapor evapotranspirado da floresta, são barrados por esse paredão, que se eleva a mais de 4000 metros de altura, sendo uma parte precipitada na encosta leste da cordilheira e outra parte desviada em direção ao sul, rumo às regiões central e sul do Brasil, bem como os países adjacentes. Destaca Nobre que, sem esse acidente geográfico o clima do Brasil seria substancialmente mais árido, e agricultura como conhecemos não seria viável.

O fenômeno muito bem descrito, delimitado e verificado pela ciência empírica produz aquilo que se cunhou de quadrilátero afortunado. Em rico trabalho científico11, Antônio Donato Nobre destaca que, “pela influência da circulação de Hadley, essa região tenderia à aridez. Basta ver o deserto de Atacama, no outro lado dos Andes, ou os desertos de Namíbia e Kalahari, na África, e o deserto da Austrália. Todos alinhados latitudinalmente com a afortunada área verde, responsável por 70% do PIB do continente, no quadrilátero delimitado por Cuiabá, ao Norte, São Paulo, a Leste, Buenos Aires, ao Sul, e a cordilheira dos Andes, a Oeste”. 

Olhando para a economia nacional, vemos que a safra de grãos em 2020 atingiu 247 milhões de toneladas, segundo levantamento da Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA)12. De acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), em pareceria com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA/USP), o agronegócio somou em 2019 entre bens e serviços R$1,55 trilhão, representando 21,4% do PIB.13

Tal cenário mostra o quão caótico pode se apresentar o desmatamento do bioma Amazônico para a economia nacional, bioma este que nos tornam um quadrilátero afortunado de chuvas, que naturalmente tenderia a ser um deserto. A ciência empírica demonstra, e não é difícil de verificar a importância do bioma Amazônica, o grande responsável por fazer passar sob nossas cabeças uma colossal massa de umidade, trazendo chuvas, e impedindo a nossa natural tendência à desertificação.

A precaução, princípio universal do direito ambiental, neste momento clama pela proteção ao bioma Amazônico, pois a degradação pode ser um caminho sem volta para um processo de desertificação, como bem demonstrado empiricamente acima. 

Em síntese: degradar o bioma Amazônico é matar aos poucos o imenso rio invisível que passa sobre nossas cabeças, que permite o desenvolvimento do agronegócio nacional, a geração de energia elétrica por hidroelétricas, dentre tantas outras atividades importantes para a economia do país. 

Neste contexto ficam claras as respostas das indagações supras, ficam claros os motivos do temor à devastação do bioma Amazônico a nível global. O que está em jogo é a futura segurança alimentar mundial. Não é uma questão meramente climática. É a nossa economia que está em risco. 

É importante levantar estes questionamentos para que todos possam, com respaldo na ciência empírica, no consenso científico atual, ter plena consciência das consequências negativas decorrentes da degradação deste bioma para o próprio desenvolvimento econômico nacional, que pode ser afetado severamente, e de forma extremamente negativa. 

É preciso justificar a necessária mudança de comportamento, frente à incapacidade do Estado de aplicar suas normas. 

A conscientização também é um importante instrumento de moldura do comportamento humano, instrumento este que deve ser conjugado, pelos órgãos da Administração Pública, com a aplicação das normas jurídicas. 

Entra em cena aqui o dever de educação ambiental, que não é apenas tarefa do Estado, em que pese assim estar literalmente exposto no artigo 225, §1º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988. Muito mais feliz foi a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, que no seu artigo 2º, inciso X, colocou este dever como um princípio a ser observado por toda a comunidade, numa visão futurística e necessária para a adequada tutela dos interesses difusos, em especial do meio-ambiente. 

Num Estado Democrático de Direito, a justificação da imposição de um dever-ser não se mostra como necessário apenas para legitimar a atuação do legislador e dos aplicadores da direito, mas também se torna necessária para comutar o comportamento antijurídico, pelo convencimento de que a conduta ilícita causa um mal pessoal e social muito maior do que aquela sanção imposta pela norma. 

É por meio da educação ambiental que se possibilita levar ao conhecimento daquele que explora a atividade econômica rural que a degradação do bioma Amazônico lhe trará imensos prejuízos, os quais, por ora, possam não ser percebidos, apesar de já presentes. 

A proteção do bioma Amazônico, que para muitos pode representar como um entrave ao desenvolvimento econômico nacional, na verdade representa o contrário. 

Deste modo, podemos concluir que não há que se falar em uma hierarquia de biomas na nossa ordem jurídica, mas na verificação de que o bioma Amazônico merece uma tutela especial, na medida em que, conforme verificado pela ciência empírica, trata-se de bioma crucial para a manutenção do desenvolvimento nacional, e diante da evidente incapacidade do Estado aplicar estas normas de proteção ao meio ambiente, que asseguram a proteção especial, a conscientização e a educação ambiental, por meio do conhecimento científico, torna-se importante instrumento para a comutação do comportamento social, auxiliando a ciência normativa do direito, de estabelecer o dever-ser, e garantir o desenvolvimento nacional sustentável. É esta a missão deste artigo científico.

___________

1 Disponível em: clique aqui. Acessado em 02 de maio de 2021.

Consoante reportagem divulgada no site eletrônico do GREENPEACE: Dados do sistema DETER, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), divulgados hoje mostram que, entre agosto de 2019 e julho de 2020, houve um aumento de 34,5% nos alertas de desmatamento em relação ao mesmo período do ano anterior. Ao todo, foram 9205 km² desmatados, o equivalente a 1.100.000 campos de futebol. O mês de julho de 2020 registrou 1654 km² desmatados. Além da área total com alertas de desmatamento entre agosto de 2019 e julho de 2020 ser um recorde, houve um número expressivo de grandes polígonos de alertas de desmatamento, com áreas de 3 mil, 4 mil e até 5 mil hectares derrubadas nos últimos 12 meses. Disponível em: clique aqui. Acessado em 03 de maio de 2021.

3 Não obstante a regra estabelecida para a constituição de 80% da propriedade rural como reserva legal no bioma Amazônico, não se pode esquecer as críticas feitas às inúmeras flexibilizações inseridas no texto da Lei nº 12.651/12, dentre elas aquelas previstas no artigo 12, §§ 1º, 2º, 4º e 5º, e no artigo 13.

4 Consoante o portal do UOL, Mundo da Educação, denomina-se ecossistema o conjunto das comunidades de uma área específica, levando em consideração os fatores ambientais que constitui um biótopo (local onde vive uma comunidade), como: tipo de solo, intensidade luminosa (temperatura), índice pluviométrico (quantidade de chuva), umidade, salinidade, acidez, turbidez, bem como todas as características próprias de uma localidade. Os ambientes são diversos, sem limite espacial predeterminado, podendo ser um micro ou um macroecossistema, no entanto, sempre respeitando as relações entre as populações e o comportamento físico-químico do meio. Disponível em: clique aqui. Acessado em 04 de maio de 2021.

5 Vale anotar que o constituinte deixou mencionar biomas importantes, que compõem a flora nacional, como o bioma da caatinga, e o bioma do cerrado, biomas estes que também encontram regulamentação no Código Florestal Nacional.

6 Não obstante tratar-se o fenômeno de transporte em massa de vapor atmosférico ser de conhecimento científico há pelo menos três décadas, e de importante consenso científico hoje no país, vale destacar que o conceito, que se mostra bastante ilustrativo, foi introduzido no meio científico em 1992, por Reginald Newell e Nicholas Newell, com a denominação de rios atmosféricos. Para maiores informações, vide em clique aqui. Acessado em 04 de maio de 2021.

7 Disponível em: clique aqui. Acessado em 04 de maio de 2021.

8 Para saber mais sobre os estudos do Projeto Rios Voadores, vide clique aqui. Acessado em 04 de maio de 2021.

9 Relatório O Futuro Climático da Amazônia. Disponível em clique aqui. Acessado em 04 de maio de 2021.

10 Disponível em clique aqui. Acessado em 04 de maio de 2021.

11 Relatório O Futuro Climático da Amazônia. Disponível em clique aqui. Acessado em 04 de maio de 2021.

12 Disponível em clique aqui. Acessado em 26/07/2021.

13 Disponível em clique aqui. Acessado em 26/07/2021.

Maicon Natan Volpi
Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela ESMPSP (Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo). Advogado. Atuou em convênio com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Atualmente exerce o cargo de Analista Jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Lucas Centurion
Engenheiro Agrícola formado pela UFLA (Universidade Federal de Lavras) com intercâmbio estudantil SWB (Science Without Borders) pela ANU (The Australian National University). Possui ênfase em agrometeorologia e nutrição mineral de plantas. Atuou pela Embrapa como pesquisador no controle fenológico e fitossanitário de cafeeiros, atualmente projetista e consultor em irrigação na empresa autônoma Porto Ferreira.

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