Um dos procedimentos formais da investigação criminal é o reconhecimento de pessoas, que visa identificar o suspeito ou o acusado pela prática de algum crime. De acordo com o art. 226 do Código de Processo Penal, algumas formulas devem ser observadas pela autoridade policial, tais como (i) a descrição – por quem faz o reconhecimento – da pessoa a ser identificada, que também poderá (ii) ser colocada ao lado de outras que com ela guardem qualquer semelhança, para depois ser eventualmente reconhecida.
Nesse contexto, questiona-se: é possível que alguém seja condenado exclusivamente com base no reconhecimento realizado na fase da investigação? A lei processual penal prevê que o juiz formará sua convicção livremente, mas guiando-se pelas provas produzidas em contraditório judicial, não podendo fundamentar a decisão apenas em elementos da investigação, com exceção das provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (art. 155 do CPP).
Em julgado paradigmático, o STF abordou situação semelhante (reconhecimento de voz) e anulou a condenação amparada unicamente no ato realizado na delegacia, sem observância das formalidades e repetição em juízo. De acordo com o Relator, Min. Rogério Schietti, a ilegalidade se deve a "alta suscetibilidade, as falhas e as distorções desse dado informativo, por possuir, quase sempre, alto grau de subjetividade e de falibilidade, com o registro, na literatura jurídica, de que é uma das principais causas de erro judiciário" (HC 461709, DJe 30.04.21).
Veja-se que embora o caso concreto não seja propriamente do reconhecimento visual de pessoas, como consta na lei, a solução por analogia adotada pelo STJ homenageia o princípio do livre convencimento motivado e destaca a importância de se observar as exigências formais da lei, assim como de se preservar a prova para futura exposição ao contraditório em juízo.