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Indústria de compliance tributário e a necessidade da infalibilidade: o Estado do RJ na contramão

Um contribuinte que tenha movimentado no período de sua autuação uma cifra bilionária, por exemplo, de 1,9 bilhão de reais, por meros erros nas suas obrigações acessórias, se verá diante de uma penalidade acessória da ordem de inacreditáveis 4,8 milhões de reais.

28/7/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O Estado do Rio de Janeiro, conforme propagado à população, vem tentando promover políticas e medidas de atração de novos investimentos, além de buscar novos grupos e empresários para investir no Estado, o que é claramente louvável.

Todavia, parece que precisa urgentemente fazer seu dever de casa, especialmente, no que diz respeito à legislação estadual, notadamente no que toca às penalidades por alegado descumprimento do dever de entrega de informações e declarações por parte dos seus contribuintes, conforme previsto nos artigos 62 e seguintes, todos da lei 2.657/96, em especial, seu artigo 62-B.

Hoje, um contribuinte que aufira receita bruta superior a 3,6 milhões de Ufir-Rj, algo em torno de 13 milhões e 400 mil reais não pode se dar ao luxo de sequer errar na apresentação de suas declarações fiscais e demais obrigações acessórias, pois, estará fadado a arcar com o impensável e manifestamente desarrazoado valor de 0,25% de toda a sua movimentação (operações de saída e prestações efetuadas) do período.

A título exemplificativo, um contribuinte que tenha movimentado no período de sua autuação uma cifra bilionária, por exemplo, de 1,9 bilhão de reais, por meros erros nas suas obrigações acessórias, se verá diante de uma penalidade acessória da ordem de inacreditáveis 4,8 milhões de reais.

Todavia, um mesmo contribuinte, que todavia tenha uma receita bruta inferior aos 13 milhões, muito embora tenha cometido o mesmíssimo erro na entrega de informações e declarações com erros e ou omissões, contraditoriamente, terá ao seu dispor o limitador de 10.000 Ufir-RJ à título de penalidade, numa claríssima demonstração de adoção de critério claramente discriminador e anti-isonômico, donde a penalidade em si, tem uma incoerente graduação, sendo mais gravosa se cometida por contribuinte mais ou menos abastado, não importando a natureza ou a gravidade do erro e/ou omissão cometidos nas informações e declarações apresentadas.

Portanto, nota-se, de forma chapada a violação manifesta – já em tese, portanto, muito mais evidente quando analisados os casos concretos do princípio da isonomia, insculpido no artigo 150, II, da CF/88, além da inquestionável confiscatoriedade (art. 150, IV), já tão rechaçada no STF, mormente em casos onde o valor da penalidade em si supera o próprio montante do tributo eventualmente devido, agravado exponencialmente, nos casos onde sequer se tenha cobrança do tributo – que portanto foi integralmente pago -.

É o que se tem, infelizmente, quando se examina o artigo 62, em especial o artigo 62-B da lei 2.657/96, em conjunto com o artigo 67 do mesma diploma.

O caráter anti-isonômico se nota claramente quando um mesmo contribuinte, que tenha cometido os mesmos erros, todavia, com faturamento menor, tem a seu favor um limitador da multa e o outro não o tem, simplesmente, pois seu faturamento é superior ao limite legal estabelecido, que convenientemente, excepcionalizou o teto da multa aplicável (seja de 10.000 UFIR seja de 180 mil Ufir, (art. 67, § 3°).

Há, pois, com todo o respeito a quem pense diferentemente, patente inconstitucionalidade além de ilegalidade manifesta, em clara ofensa, inclusive aos próprios preceitos da Constituição Estadual, notadamente, quanto ao artigo 9º, caput e § 1º, que assim preconizam:

"Art. 9º O Estado do Rio de Janeiro garantirá, através de lei e dos demais atos dos seus órgãos e agentes, a imediata e plena efetividade dos direitos e garantias individuais e coletivos, mencionados na Constituição da República, bem como de quaisquer outros decorrentes do regime e dos princípios que ela adota e daqueles constantes dos tratados internacionais firmados pela República Federativa do Brasil.

§ 1º - Ninguém será discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade, etnia, raça, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano, religião, convicções políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental, por ter cumprido pena nem por qualquer particularidade ou condição."

Além disso, a legislação contraditoriamente buscou - em que pese tais incoerências, para dizer o mínimo - conferir uma gradação para a aplicação das penalidades, além de levar em conta a circunstância se o contribuinte obrou com boa fé ou não, se procurou se adequar ou não, após a entrega das obrigações acessórias com erros e omissões formais. Os próprios incisos e itens do artigo 62-B deixam isso claro. A redação do item 1, do artigo 62-B, II, limita em 10.000 UFIR, caso atendida no prazo estabelecido na 1ª intimação.

Todavia, desde que o contribuinte não tenha receita bruta superior a 13 milhões e 400 mil reais, do contrário, arcará objetivamente com 0,25% de todas as suas operações de saída e/ou prestações do período das informações e declarações prestadas, independentemente da gravidade dos erros e/ou omissões e independentemente se procurou se adequar e corrigir os equívocos, tão logo intimado à respeito.

Em suma, quanto maior for a movimentação, a operação do período examinado, ainda que isso não signifique lucro, a Fazenda claramente agirá como garimpeira de erros e omissões, para que a penalidade aplicada encha os cofres estaduais, que se apropriarão portanto, de uma parcela considerável do patrimônio do contribuinte, mesmo que tenha ele atendido ao comando legal de prestar as informações no prazo certo, mas infelizmente tenha obrado com erro e/ou omissão, sem maiores prejuízos aos cofres públicos. Isso pouco importa aos luminares que aplicam cegamente o comando legal ora em comento.

Isso porque, justa e precisamente, o artigo 67 da lei 2.657/96, nos seus §§ 2° e 3° excepcionalizam o teto das multas, estabelecendo portanto, regra manifestamente inconstitucional ao usar como critério discriminador, a receita bruta do contribuinte, criando uma bizarra situação anti-isonomica.

É dizer, o erro cometido pelo contribuinte com maior receita bruta é, pois, um "erro-gold", mais pesadamente penalizado do que o mesmo erro cometido por um outro contribuinte, que tenha realizado as mesmas operações, informado os mesmos erros e omissões, porém com receita bruta menor, numa clara demonstração que esse ‘erro’, em si considerado, têm, pasme-se, escala de relevância, ainda que idênticos, apenas pela circunstância do faturamento do contribuinte. Nada mais bizarro!!

Assim, o contribuinte que tenha deixado de entregar as obrigações, por exemplo, e somente o faça depois de intimado, se possuir receita bruta inferior a 3.600.000 ufir-rj, poderá ter sua multa limitada a 70% ou 90%¹ do montante que significar 0,25% sobre sua movimentação no período, muito embora, aquele que efetivamente cumpriu suas obrigações acessórias, ainda que com erros singelos – sem impacto nos cofres públicos, apenas pelo fato de ser exitoso, de possuir uma receita bruta superior ao piso legal, se verá flagrantemente expropriado.

Evidentemente, a não mais poder, trata-se de conduta claramente inconstitucional, por ofensa manifesta ao princípio da isonomia ao tratar contribuintes que cometeram infrações iguais desigualmente; aliás, muito pior, tratando o contribuinte que comete infração menos grave, de maneira mais severa.

Como se já não fosse suficiente o bastante o Brasil estar nos últimos lugares do ranking promovido pelo IFC/Banco Mundial no que toca ao número de horas gastas para o cumprimento de obrigações tributárias (principais e acessórias)², o sistema tributário estadual do Rio de Janeiro ainda impõe a inacreditável obrigação de que o empresário e toda a sua estrutura de compliance tributário não possam nunca errar, especialmente, se a receita bruta da sua empresa é superior a 14 milhões de reais.

Em suma, não bastasse ter que driblar crise financeira, crise sanitária, o empresário no Rio de Janeiro precisa ser um super-homem, infalível. Tem tudo pra (não) dar certo...

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1- Artigos 70-A e 70-B da lei 2.657/96.

2- 184 de um total de 190 países cfe. Disponível aqui; Em 2007 eram 2.600 horas e no de acordo com o Doing Business 2017, divulgado em 2018 pelo Banco Mundial, o número de horas caiu para 1.958 horas por ano, tendo, portanto, caído da 123ª posição, desde 2015 para a 184ª posição, com 1.501 horas, nessa última divulgação feita, referente ao ano de 2020/2021 (aqui) ; Na América Latina e Caribe, somos o antepenúltimo da região (18º), a frente apenas de Bolívia e Venezuela.

Gustavo Brechbühler
Sócio advogado na área Tributarista do escritório Murayama, Affonso Ferreira & Brechbühler Advogados. Especialista em Direito Financeiro e Tributário pela UFF/RJ.

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