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Advogado criminalista defende bandido?

Com a expressão “advogado de bandido também é bandido”, arbitrariamente e de forma temerária, exposições nesta seara demonstram o preconceito que permeia sobre os entes privados ou públicos que visam a melhor aplicação da lei penal.

13/7/2021

(Imagem: Divulgação)

Por definição, advogado é aquele indivíduo habilitado a prestar assistência profissional em assunto jurídico, defendendo judicial ou extrajudicialmente os interesses do cliente, de acordo com leis, jurisprudência e os demais pontos norteadores da norma jurídica.

Disto isto e com base na visão de que advogado trabalha com base no direito e não com base no ato que originou o conflito em si, talvez comece a ficar mais claro o entendimento de que não há defesa do crime, mas sim há a defesa de direitos.

Podemos citar diversos exemplos. A cometeu um homicídio contra B e afirma ser inocente. O que o advogado de A irá fazer? Primariamente, como tese de mérito, trabalhar pela absolvição do indivíduo expondo os fatos que ensejaram o cometimento do homicídio, as circunstâncias, possíveis causas excludentes de ilicitude, entre outros pontos. Mas e se A assume que cometeu o homicídio de forma dolosa? Como seria a atuação do advogado neste caso? Basicamente, a mesma. Permanece na busca pela melhor aplicação do direito. Em um caso como este, o advogado irá trabalhar para a aplicação justa da pena, considerando antecedentes, atenuantes e quaisquer outros meios que possam beneficiar o acusado, com base no sistema normativo vigente ao fato.

De tal modo, tal consideração serve não somente para o direito penal, mas para todo o sistema jurídico. Um advogado tributarista defende o sonegador ou defende a melhor aplicação das normas que regem o sistema tributário nacional?

No aspecto legal, a questão fica ainda mais clara.

Segundo o artigo 133 da Constituição Federal de 1988: o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Considerando a mesma Constituição, o art. 5º, inciso LV expõe: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Ora, se a Constituição Federal, norma máxima que rege o direito brasileiro expõe que o advogado é fundamental e indispensável para a administração da justiça e que todos possuem o direito garantido à ampla defesa e ao contraditório, a resposta para a questão que enseja o título deste artigo está na própria Constituição.

Sem advogado não há justiça, já bem diz o slogan da Ordem dos Advogados do Brasil e o conteúdo da frase se sustenta no próprio normativo já que, sem advogado, não há processo, sem processo não há condenação, sem condenação não há crime. Se um advogado não se habilitar para defender os interesses de um indivíduo que cometeu (ou não) um crime, seja ele da esfera privada ou pública, o processo não poderá existir.

Para citar alguns exemplos, o Código Penal traz alguns artigos que versam sobre questões que podem (e devem) ser utilizadas para melhor aplicação do direito e que auxiliam não somente na defesa do acusado, mas na melhor administração da justiça:

- Art. 1º, CP: não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Quem poderá defender o Sr. Roberto Dias, que foi preso por ordem do Senador Omar Aziz pelo cometimento do suposto crime de perjúrio, que não existe no direito brasileiro? O advogado!

- Art. 2º, CP: ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Se A comete um crime em 2020 e é condenado, mas em 2021 é publicada uma lei que extingue tal conduta como criminosa, quem deverá atuar para que A tenha o direito do art. 2º garantido e aplicado? O advogado!

- Art. 23, CP: não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa; e III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Quem irá atuar para que seja comprovada a exclusão da ilicitude como tese de defesa para que o acusado não seja penalizado pelo cometimento de um determinado crime sob essas circunstâncias? Somente o advogado!

- Art. 25, CP: entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Como o indivíduo conseguirá provar, dentro de uma ação penal, que sua atitude criminosa foi baseada pela necessidade de se defender? Exatamente, o advogado.

Este autor poderia discorrer sobre inúmeros outros exemplos presentes no código penal, como:

- art. 26 – Inimputáveis;

- art. 38 – Direitos do preso;

- art. 42 – Detração;

- art. 45 – Conversão das penas restritivas de direitos;

- art. 65 – Circunstâncias atenuantes;

- art. 75 – Limite das penas;

Todos estes artigos mencionados acima e inúmeros outros que não foram aqui apontados, são garantias que fornecem direitos e deveres aos acusados de cometer crimes. Nesta visão, fica claro que o advogado não defenderá, cegamente, um simples bandido. O advogado defende a lei, defende a ordem, trabalha pela justiça, seja na luta pela absolvição sumária no tribunal do júri por uma acusação de homicídio, seja no JECRIM para garantir que um furto famélico não seja penalizado.

Se você leitor é um cidadão que enxerga (e agora não mais) que advogado criminalista defende bandido e, por consequência, bandido é, imagine se não houvesse advogado em um país que, atualmente, segundo dados dos tribunais regionais em parceria com o CNJ, possui mais de 800 mil presos no sistema carcerário e quase 200 mil mandados de prisão a serem cumpridos. Em que situação estaríamos?

Imagine na situação de alguém acusando outrem pelo cometimento de um crime inexistente, com base na Lei Maria da Penha, por exemplo. Quem poderia provar a inocência do acusado e impedir a destruição da vida de um inocente?

Se você leitor é um advogado que está passando por este tipo de preconceito, fique tranquilo, você, como diz a OAB, como consolida a Constituição e como vocifera a comunidade penal, você é indispensável para a administração da justiça e todos, sem exceção, possuem o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Irvyng Ribeiro
Advogado formado pela UERJ. Pós graduando em Criminologia e Processo Penal. Sócio Proprietário de um Escritório. Servidor Público e Colunista nas horas vagas.

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