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Startups na nova lei de licitações

A definição de “startups” que se espera do Marco Legal das Startups não apenas difere daquele dado pela Nova Lei de Licitações, como parece ser muito mais consistente e coerente com a realidade do mercado.

23/4/2021

Apesar de introduzir a possibilidade de tratamento especial a “startups” em procedimentos de manifestação de interesse, a definição que a Nova Lei de Licitações traz para esse modelo de empreendimento não é a mais adequada. Veja por quê.

A Lei Federal 14.133, publicada no Diário Oficial da União em 1º de abril de 2021, é o novo regulamento para licitações e contratos administrativos, razão pela qual tem sido popularmente chamada de “Nova Lei de Licitações”. De acordo com os arts. 191 e 193, após decorrido o prazo de 2 anos da data de publicação da Nova Lei de Licitações, estarão revogados a lei 8.666/93, a lei 10.520/02 (Lei do Pregão), e parte da lei 12.462/11. Até lá, poderá a Administração Pública optar por licitar ou contratar de acordo com as regras da Nova Lei, ou aplicar as regras anteriores.

Dentre as diversas modificações que foram implementadas, a Nova Lei de Licitações disciplina expressamente o instituto do procedimento de manifestação de interesse (PMI), o qual, conforme previsto no art. 81, § 4º, poderá ser restrito a “startups”, desde que, quando da seleção definitiva, seja feita “validação prévia fundamentada em métricas objetivas, de modo a demonstrar o atendimento das necessidades da Administração”.

Em linhas gerais, o PMI é um procedimento por meio do qual o Poder Público convoca empresas e instituições privadas interessadas em realizar estudos para oferta de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública. Considerando o viés inovador do PMI, sua restrição a estes empreendedores estimula que as soluções propostas sejam mais arrojadas e disruptivas, em oposição às soluções mais convencionais ofertadas por atores mais consolidados no mercado.

Ocorre que o §4º do art. 81 da Nova Lei de Licitações foi além, ao definir “startups” como “os microempreendedores individuais, as microempresas e as empresas de pequeno porte, de natureza emergente e com grande potencial, que se dediquem à pesquisa, ao desenvolvimento e à implementação de novos produtos ou serviços baseados em soluções tecnológicas inovadoras que possam causar alto impacto, exigida, na seleção definitiva da inovação”.

Em uma primeira análise, pode-se concluir que a definição de “startups” garante maior segurança jurídica na aplicação do dispositivo, tanto do ponto de vista das empresas (as “startups”), seja sob a ótica dos entes públicos, inclusive dos agentes de fiscalização.

No entanto, a questão não é tão simples, já que está em fase avançada de tramitação no congresso o Projeto de Lei Complementar 146/19, o qual institui o Marco Legal das Startups, disciplinando esse modelo de empreendedorismo e instituindo a estas um tratamento jurídico especial. Vale destacar que, atualmente, o art. 65-A da Lei Complementar 123/06 oferece uma definição simplória de “startup”, apenas para fins de viabilizar a aplicação do regime tributário especial ali previsto, definição esta que será substituída pela contida no Marco Legal das Startups (vide art. 24 do projeto de lei).

E a definição de “startup” contida na Nova Lei de Licitações destoa da prevista no Marco Legal das Startups. Nota-se que ambas adotam três critérios de enquadramento: natureza e porte, tempo de operação e objeto.

Porém, a Nova Lei de Licitações acaba por ser indevidamente restritiva no que tange à natureza e porte, assumindo a falsa premissa de que “startups” necessariamente devem ser pequenas, o que, na prática, não é exatamente o que se verifica.

Além disso, justamente por dedicar-se exclusivamente a disciplinar as “startups”, o Marco Legal das Startups, em seu Capítulo II (considerando o último texto disponibilizado pelo Congresso Nacional) fixa uma metodologia muito mais clara e prática para o enquadramento de empresas no conceito de “startups”, em oposição à definição genérica e imprecisa da Nova Lei de Licitações. Sintetizamos abaixo as diferenças dos textos:

(Imagem: Divulgação)
 

Como se vê, a definição de “startups” que se espera do Marco Legal das Startups não apenas difere daquele dado pela Nova Lei de Licitações, como parece ser muito mais consistente e coerente com a realidade do mercado.

Para resolver essa equação, o ideal seria que o texto do projeto de lei do Marco Legal das Startups fosse complementado para prever a alteração da redação do §4º do art. 81 da Nova Lei de Licitações para, no que tange à conceituação de “startup”, reportar-se ao Marco Legal das Startups.

Porém, não havendo ajuste legislativo na Nova Lei de Licitações e sendo promulgado o Marco Legal das Startups, uma controvérsia se impõe: para fins de aplicação do §4º do art. 81 da Nova Lei de Licitações (promoção de PMI exclusivo para “startups”), a definição de “startup” a ser adotada deverá ser a da Nova Lei de Licitações ou Marco Legal das Startups? Isto é, haveria uma suposta antinomia entre as normas? Na prática, sociedades empresárias de médio e grande porte (observados os limites de receita do Marco Legal das Startups) poderão receber esse tratamento especial?

Para responder essas perguntas, dois diferentes critérios nos permitem afirmar que a definição do Marco Legal das Startups deva ser aquela que prevalecerá, a saber, o cronológico e o da especialidade. Pelo primeiro (o cronológico), é a mais recente das normas que prevalece sobre a mais antiga. Assim, como a Nova Lei de Licitações foi publicada antes do Marco Legal das Startups (ainda em tramitação no Congresso Nacional), seria essa a definição a prevalecer.  Pelo segundo, o da especialidade, também teríamos a prevalência do Marco Legal das Startups, pois enquanto este último se dedica especialmente a tratar das “startups”, a Nova Lei de Licitações cuida de regulamentar licitações e contratos públicos, tratando de “startups” somente de maneira pontual. Pelo critério da especialidade, o conflito aparente de normas se resolve afastando-se a lei geral para se aplicar a lei especial.

Portanto, com o devido respeito àqueles que tenham entendimento contrário, reputamos que a conceituação de “startup” dada pelo futuro Marco Legal das Startups deverá prevalecer sobre aquele previsto incidentalmente na Nova Lei de Licitações.

Marianne Albers
Advogada. Sócia do Felsberg Advogados na área de Direito Público e Regulatório do Felsberg Advogados.

Felipe Lourenço
Advogado. Associado na área de Direito Público e Regulatório do Felsberg Advogados.

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