Com o advento das redes sociais, cada vez mais importantes no cenário social brasileiro, seja no âmbito político ou nas relações interpessoais, os veículos de comunicação vêm ganhando cada vez mais força em direcionar opiniões, fomentar decisões e direcionar políticas públicas.
Quando uma matéria é veiculada em um site de notícias de grande circulação, é necessário pouco tempo para que ela seja compartilhada por inúmeras vezes no Instagram, Whatsapp e, com mais notoriedade, no Twitter, podendo chegar aos famosos Trending Topics.
E o que isso tem a ver com o direito penal brasileiro?
Atualmente? Tudo.
Quando ocorre um crime, naturalmente os veículos de comunicação irão se manifestar no sentido de expor o fato delituoso e, por vezes, não apenas reportarão o fato, mas haverá exposição opinativa, no sentido de afirmar se o sujeito ativo é investigado, suspeito ou já pode ser considerado condenado.
Pro direito penal, essa atuação é diretamente ligada à maneira como a justiça irá reagir diante do caso. Por exemplo, vejamos no âmbito da celeridade das investigações: se um crime é cometido no interior do Estado e não possui relevante exposição social, o julgamento pode demorar anos e, na maioria dos casos, nem há julgamento, pois a prescrição da pretensão punitiva ocorre quase que costumeiramente. Mas em um caso envolvendo pessoas famosas, como políticos ou celebridades televisivas, em que os veículos de comunicação passam a acompanhar o caso em cada edição de seus periódicos, o fato não somente é investigado rapidamente, como também julgado e a pretensão punitiva do Estado se faz presente em semanas, no máximo meses.
E por que isso ocorre? São diversas as opiniões. Uns creem que a Justiça precisa dar uma resposta para a sociedade, outros acreditam em um judiciário de serviço, há até quem diga que quem pauta julgamentos é a própria mídia...
De fato, este lado é positivo, pois quanto mais célere for uma investigação e seu julgamento, a quantidade de bons exemplos expostos é maior e melhores condições sociais serão retratadas.
No entanto, vejamos a situação pelo prisma do investigado por supostamente ter cometido o crime que está sendo veiculado pela mídia.
Tício é suspeito de assassinar Lúcia, sua esposa. Essa notícia circula em todos os periódicos de todos os canais de televisão, rádio, jornais digitais, impressos, redes sociais, enfim, todos os tipos de mídia disponíveis. Fotos do rosto de Tício, sua vida é desmembrada para dar mais dramaticidade ao caso, os filhos do casal são expostos, enfim, todo tipo de notícia relacionada à família vira uma “novela das 8”.
Tício, por consequência, perde o emprego, não consegue mais sair de casa, perde a guarda dos seus filhos (temporariamente), não consegue emprego e, quando sai de casa, é praticamente linchado por populares, pois ele, famoso ator, era casado com uma famosa influenciadora digital, motivo pelo qual o crime “choca” o país.
No entanto, descobre-se, no âmbito da investigação, que Tício não somente é inocente, como armaram para que ele fosse considerado o suspeito e consequentemente o culpado por ter assassinado sua, agora, ex-esposa.
Neste momento, alguns jornais, não todos, em letras não tão abrasivas (pois retratações não são tão chamativas como exposição de delitos) informam que Tício era inocente e o culpado era um assaltante, cujo assassinato se deu em um roubo, ou seja, um latrocínio que nada se relacionara com Tício.
Neste momento, Tício não tem emprego, teve sua reputação manchada, na memória de quem visualizou as notícias iniciais é um assassino que cometeu feminicídio, não possui perspectivas de curto prazo, tampouco consegue manter relações com seus filhos, que foram manipulados pelas narrativas que lhe foram apresentadas.
Qual a responsabilidade da mídia em um caso como este? A situação acima narrada é hipotética, mas, ao compararmos com o cenário atual brasileiro, podemos destacar inúmeros casos semelhantes, onde primeiro busca-se a condenação a qualquer custo, para depois investigar.
É o famoso atirar primeiro para depois perguntar, que tanto se condena.
A atuação da mídia brasileira, não somente nos casos de relevante valor social, mas também na política, na economia e, por que não, na educação, precisa ser valorada de acordo com as normas brasileiras e não podem ser utilizadas como sentenças travestidas de notícias.
Um veículo de comunicação serve, em sua essência, como um comunicador. Quem pode dizer quem é culpado, inocente, investigado, réu, autor é, única e exclusivamente, a Justiça. Liberdade de expressão não pode ser confundida com um meio de manobrar a sociedade para interesses que lhe sejam mais apropriados à audiência.
Evidentemente, juristas, populares, especialistas ou leigos, tem o direito de ter opinião e voz para se expor sob qualquer ótica, pois é isso que nos garante a Constituição. No entanto, um meio de comunicação não pode ser um meio de manobrar, tampouco influenciar a justiça.
As consequências dessa atuação midiática são irreversíveis e quem as faz, raramente é responsabilizado. Quantos Tícios ainda sofrerão injustiças a troco de likes e views? O direito penal brasileiro é para todos os brasileiros e não para quem tem o “poder” de manobrar ou de ser manobrado pela mídia.