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A realidade do combate ao crime das elites

Com certeza a sociedade brasileira está aplaudindo o movimento de combate aos crimes econômicos e financeiros. Esse movimento, inclusive, tem o condão de redimir o nosso passado, marcado pela impunidade das elites.

11/1/2007


A realidade do combate ao crime das elites

Antônio Claudio Mariz de Oliveira*

Com certeza a sociedade brasileira está aplaudindo o movimento de combate aos crimes econômicos e financeiros. Esse movimento, inclusive, tem o condão de redimir o nosso passado, marcado pela impunidade das elites.

No entanto, uma criteriosa e imparcial análise dessas ações repressivas é imprescindível para que se conheçam a forma de sua execução, a sua necessidade, a sua eficácia e as suas conseqüências, para que a sociedade não se iluda e não se deixe enganar pela utilização de métodos meramente simbólicos, de eficiência e legalidade duvidosas, muitas vezes perniciosos à cidadania e à ordem constitucional.

Note-se, inicialmente, que o aparato bélico utilizado nas diligências da Polícia Federal é, via de regra, absolutamente desnecessário. Consistem elas no cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão em casas de família ou em escritórios, expedidos contra quem se sabe, de antemão, que não oferecerá resistência. O cumprimento das ordens se faz logo ao nascer do dia, com as pessoas ainda recolhidas ao leito e na presença de crianças, idosos, vizinhos, sem nenhuma discrição. Mesmo sem riscos para o êxito das diligências e para a incolumidade física dos policiais, um excessivo número de agentes, fortemente armados, encapuzados e trajando uma desnecessária indumentária de combate, é enviado para os locais, devidamente acompanhado por câmeras e microfones das redes televisivas. Se, por qualquer razão, a mídia não acompanha os policiais, estes fornecem as gravações feitas por seus cinegrafistas, para serem levadas ao ar no mesmo dia.

A exposição das diligências à mídia representa verdadeira pena, não prevista em lei, aplicada ao suspeito e que fere a sua dignidade, com efeitos de tal ordem, para si e para terceiros, que a colocam na categoria de pena cruel, sendo, portanto, de flagrante inconstitucionalidade.

Todas as megaoperações têm, em regra, como fonte exclusiva de elementos probatórios as interceptações telefônicas. Prova precária, insuficiente, frágil para os fins a que se propõe: apreender bens e custodiar eventuais suspeitos, além de processá-los. As interceptações atingem o suspeito e todo aquele, rigorosamente todo aquele que com ele se comunicou num período dado. Desta forma, milhares de brasileiros não têm, hoje, privacidade telefônica, sem que, no entanto, recaia sobre eles mera suspeita da prática de crime.

Lamentavelmente, não estão sendo observadas as condições impostas pela lei para o deferimento das buscas e para a decretação das prisões temporárias e preventivas. As buscas devem ser de coisa certa, e não genéricas, como têm ocorrido, pois bens estranhos às investigações, assim como objetos íntimos e estritamente pessoais, estão sendo habitualmente apreendidos. Prisões temporárias e preventivas, que têm caráter excepcional e instrumental, deveriam basear-se em critérios de comprovada necessidade para as investigações ou para o processo. No entanto, estão sendo decretadas como regra, e para justificá-las se invoca a suposta - pois ainda não apurada - responsabilidade penal do suspeito.

Há casos - e não são poucos - de prisões cautelares decretadas por suspeita de sonegação antes mesmo da lavratura do auto de infração fiscal por parte da autoridade competente.

Muitas dessas medidas são acolhidas pelo Poder Judiciário, mesmo que de duvidosa ou inexistente necessidade. Pode-se imaginar que tais deferimentos se baseiem numa ideologia repressiva que paira acima dos direitos e das garantias individuais, ou sejam fruto de um posicionamento que não contraria o querer da imprensa e do que se supõe ser o querer opinião pública.

A mídia desempenha um papel relevante nesse quadro de violações e de abusos, absolutamente dispensável para o êxito do elogiável trabalho de combate à corrupção. Ela se propôs a teatralizar e a dramatizar a violência. Com o seu estupendo poder de penetração está criando uma cultura repressiva, na verdade, a cultura da vingança, da intolerância raivosa, do desprezo pelas causas e circunstâncias do crime e da prisão como única resposta ao crime. Note-se: se a prisão não ocorrer logo após a notícia do delito, a imprensa passa a desferir violentos ataques ao Judiciário, tachando-o de inoperante, moroso, responsável pela impunidade; aos advogados, que são chamados de chicaneiros; e à Constituição, que prevê defesa, contraditório, devido processo legal e garantias individuais e outras, que são vistas como perfumarias que criam dificuldades à sanha vingativa contra culpados ou inocentes, em face de provas, sem provas ou contra as provas.

A luta contra o crime deve situar-se dentro dos limites da legalidade e com respeito aos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da racionalidade. Ademais, deve ser travada sem a utilização de medidas meramente simbólicas, que iludem e mascaram a realidade, que são as prisões sem julgamento, o cumprimento humilhante de mandados de busca e apreensão, a transformação das diligências em espetáculos midiáticos, a imposição de dificuldades ao exercício do sagrado direito de defesa, dentre outros constrangimentos ilegais.

Esses e tantos outros abusos podem e devem ser evitados, sem prejuízo das ações legais de oposição ao crime. A lei não atrapalha, nunca atrapalhou as atividades estatais, pois, do contrário, democracia e Estado de Direito seriam incompatíveis com o desenvolvimento pacífico do homem e das nações.

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*Advogado do escritório Advocacia Mariz de Oliveira

 

 

 

 

 

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