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STJ decide que, em locação celebrada antes de 2009, fiador continua obrigado por apenas 60 dias após a notificação da exoneração

Em recente julgado, o STJ firmou entendimento de que, após notificação exoneratória, o fiador de locação firmada antes da vigência da lei 12.112/09 permanece responsável pelo prazo de 60 dias previsto pelo art. 835 do CC/02, e não pelos 120 dias estabelecidos pelo art. 40, X da lei 8.245/91.

11/3/2021

(Imagem: Arte Migalhas.)

Em 24/11/20, a 3ª turma do STJ julgou o REsp 1.863.571/ES, decidindo que, em locação celebrada antes de 2009, o fiador continua obrigado por apenas 60 dias após a notificação da exoneração, com a incidência do art. 835 do CC/02 em detrimento da aplicação do art. 40, X da lei 8.245/91 (Lei de Locações), que prevê um prazo de 120 dias quanto à responsabilização do garantidor.

Eis os excertos da Ementa que interessam ao presente texto:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA.

PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DÉBITOS LOCATÍCIOS. FIADOR. EXONERAÇÃO. PRAZO EM QUE PERMANECE RESPONSABILIZADO PELOS EFEITOS DA FIANÇA APÓS A NOTIFICAÇÃO RESILITÓRIA. CONTRATO FIRMADO ANTERIORMENTE ÀS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 12.112/09. APLICAÇÃO DO PRAZO GERAL PREVISTO NO ART. 835 DO CC/02.
Ação de cobrança ajuizada em desfavor de fiador de contrato de locação de imóvel.
(...)
3. O propósito recursal é definir se o art. 40, X, da lei 8.245/91 (introduzido pela lei 12.112/09) - que indica que o fiador, após comunicar ao locador acerca da exoneração da fiança, ficará obrigado por todos os seus efeitos durante os 120 (cento e vinte) subsequentes - é aplicável na hipótese do contrato de locação ter sido firmado anteriormente à referida inovação legal.
(...)
5. Com o advento da lei 12.112/09, houve o acréscimo do art. 40, X, na lei do Inquilinato, cujo objetivo foi reconhecer a não perpetuidade da fiança e, em consequência, assegurar ao fiador a faculdade de sua exoneração, quando prorrogado o contrato por prazo indeterminado. Contudo, mesmo depois da notificação, o fiador permanecerá sujeito aos efeitos da fiança durante os posteriores cento e vinte dias.
6. A inclusão do art. 40, X, na Lei do Inquilinato deu-se com a edição da Lei 12.112/09, datada de 09/12/2009, e cuja entrada em vigor ocorreu 45 (quarenta e cinco) dias após a sua publicação.
7. As alterações ou inclusões promovidas pela Lei 12.112/09 à Lei do Inquilinato só são válidas para os contratos firmados a partir de sua vigência.
8. Na hipótese ora analisada, constata-se que o contrato de locação foi firmado em 18/04/2008, isto é, anteriormente à vigência do art. 40, X, da Lei 8.245/91, razão pela qual mostra-se imperiosa a aplicação do art. 835 do CC/02 no que tange ao prazo em que remanesce responsável o fiador pelos efeitos da fiança, isto é, 60 (sessenta) dias após a notificação da exoneração.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido, com majoração de honorários. (REsp 1863571/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/11/2020, DJe 01/12/2020)

O caso envolveu uma ação de cobrança de aluguéis inadimplidos a partir de julho/2011, numa locação que foi celebrada em 18/04/2008. Avençado por tempo determinado entre 01/05/2008 e 01/05/2011, o negócio passou a viger por prazo indefinido a partir de então. O fiador enviou notificação exoneratória para a locadora em 25/01/11, repetindo-a em 12/05/2011.

O Recurso Especial versou sobre o prazo pelo qual o garantidor se manteve obrigado após comunicar a sua demissão à locadora: deve-se considerar os 60 dias previstos pelo art. 835 do CC/02 ou os 120 dias indicados pelo inc. X do art. 40 da lei 8.245/91, que lhe fora acrescido pela lei 12.112, de 9/12/09?

Como já tivemos a oportunidade de examinar anteriormente1, o art. 835 do CC/02 confere ao fiador o direito potestativo de se exonerar da caução que vige por tempo indeterminado, mantendo-se obrigado pelo prazo de 60 dias, a contar do recebimento, pelo credor, da respectiva notificação:

Art. 835. O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor

Cuidando-se de contrato de cunho benéfico, em que apenas o credor aufere proveito, em posição de vantagem em face do fiador, e não havendo equilíbrio entre os benefícios e as obrigações decorrentes de tal espécie de negócio, o garantidor tem a faculdade de liberar-se unilateralmente, desde que a caução esteja vigendo sem fixação de tempo.

O interstício de 60 dias visa a manter hígida a garantia, permitindo que o credor obtenha novo fiador, com ou sem o concurso do devedor, conforme preveja o negócio garantido2 ou a legislação. Ele evita a surpresa para o titular do crédito e o desfalque na caução fidejussória, caso a notificação liberasse o garantidor imediatamente.

Considerando que, até 2009, a lei 8.245/91 era silente sobre o assunto, havia dissenso jurisprudencial sobre a aplicação do art. 835 do CC/02 aos contratos de locação. Tanto assim que a matéria fora objeto de Embargos de Divergência, tendo o STJ decidido pela incidência do mencionado dispositivo legal em tal espécie de negócio3.

A fim de eliminar tal dúvida de uma vez por todas, o legislador editou a lei 12.112/09 que, entre outras mudanças, acrescentou o inc. X ao art. 40 da lei 8.245/91, com a seguinte redação:

Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos:
(...)
X – prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.

O dispositivo faculta ao fiador da locação por prazo indeterminado o direito de resilir o contrato de fiança unilateralmente, permanecendo, no entanto, obrigado pelo dobro do prazo previsto pelo art. 835 do CC/024.

Nas locações celebradas a partir da vigência da lei 12.112/095, a aplicação dessa norma prevalece sobre a do art. 835 do CC/02 em face da sua especialidade (lex specialis derogat legi generali)6.

Daí remanesce a questão acerca de qual dos dois dispositivos deve ser aplicado para as locações firmadas antes de o referido Diploma entrar em vigor, visando a elucidar se o garantidor continuará responsável por 60 ou por 120 dias depois da entrega da notificação exoneratória ao locador.

Cuidando-se de norma de direito material, prevalece a regra do tempus regit actum, positivada pelo art. 5º, XXXVI da CF/88 e pelo art. 6º do decreto-lei 4.657/94 (LINDB), atendendo ao vetor da segurança jurídica.

Sob a perspectiva do ato jurídico perfeito, a lei não deve retroagir para atingir pactos anteriores à sua vigência7, afinal as modificações legais não podem prejudicar o ato já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou (art. 6º, § 1º da LINDB). Portanto, o negócio celebrado antes da vigência da lei 12.112/09 se consolidou sob a égide dos ditames legais então vigentes, não sendo relevantes as alterações legislativas que lhe são posteriores.

Sob a vertente do direito adquirido, deve-se preservar o direito subjetivo que o seu titular possa vir a exercer segundo as regras jurídicas que estavam em vigor no momento em que foi instituído (art. 6º, § 2º da LINDB). Considerando que as partes tinham em mira os direitos e as obrigações atinentes à fiança que vigiam à época em que firmaram o respectivo negócio (incluindo aí a faculdade de o garantidor se exonerar observando o prazo de 60 dias previsto pelo art. 835 do CC/02), não se pode imputar ao fiador uma responsabilidade por tempo maior do que aquele que estava previsto pela legislação no momento da assinatura do pacto, sobretudo por se tratar de negócio benéfico, que não lhe traz qualquer utilidade. Dessa maneira, mesmo que o contrato passe a viger por prazo indeterminado e que a notificação resilitória venha a ser expedida em momento no qual a lei 12.112/09 já está operando seus efeitos, deve-se assegurar a incidência do art. 835 do CC/02 ao fiador que prestou a garantia antes de o mencionado Diploma Legal entrar em vigor.

Por tais razões, o inc. X do art. 40 da lei 8.245/91 não incide sobre os negócios firmados antes da sua vigência8-9, salvo por disposição expressa em sentido contrário no próprio contrato.

___________

1- BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. STJ admite renovação automática da fiança juntamente com a do contrato principal. Disponível em: https://migalhas.uol.com.br/depeso/338668/stj-admite-renovacao-automatica-da-fianca-juntamente-com-a-do-contrato-principal. Publicado em 07/01/2021. Acesso em 24/01/2021.

2- VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Contratos em Espécie. Vol. III. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 422.

3- Neste sentido:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. LOCAÇÃO. FIANÇA. PRORROGAÇÃO. CLÁUSULA DE GARANTIA ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES.

Continuam os fiadores responsáveis pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do contrato se anuíram expressamente a essa possibilidade e não se exoneraram nas formas dos artigos 1.500 do CC/16 ou 835 do CC/02, a depender da época que firmaram a avença.

Embargos de divergência a que se dá provimento. (EREsp 566.633/CE, Rel. Ministro PAULO MEDINA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/11/2006, DJe 12/03/2008)

4- Sylvio Capanema de Souza (A Lei do Inquilinato Comentada. 8 ed. rev., atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 179) critica o estabelecimento do prazo de 120 dias, afirmando que deveria ter sido observado o mesmo lapso temporal previsto pelo art. 835 do CC/2002: “Já comentamos antes que achamos exagerado o prazo cominado no inciso X do artigo 40, ora apreciado, ainda mais se considerarmos que, na mesma hipótese, o artigo 835 do Código Civil estabelece o prazo de 60 (sessenta) dias, para que persista a responsabilidade do fiador exonerado”.

5- A referida Lei entrou em vigor 45 dias depois da sua publicação, ocorrida em 10/12/2009, nos termos do art. 1º da LINDB e diante do veto presidencial ao seu art. 3º, que previa a sua entrada em vigor na data de publicação.

6- TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos em espécie. 9 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2014, p. 437; THEODORO JUNIOR, Humberto. Algumas questões polêmicas enfrentadas pela reforma da Lei do Inquilinato operada pela Lei nº 12.112, de 09.12.2009. In: Revista Ciência jurídica. v. 25, n. 162, Belo Horizonte, nov./dez. 2011, p. 38

7- Neste sentido: STF, RE 205999, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 16/11/1999, DJ 03-03-2000 PP-00089 EMENT VOL-01981-05 PP-00991.

8- Em questão semelhante (acerca do direito intertemporal, porém tratando da aplicação da alteração promovida pela Lei 12.112/2009 no art. 39 da Lei 8.245/1991), a 4ª Turma do STJ concluiu que a Lei 12.112/2009 só incide sobre os contratos firmados após o início da sua vigência. (REsp 1326557/PA, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 03/12/2012).

9- No mesmo sentido: STJ, AgInt no AREsp 1.274.030/GO, 4ª Turma, DJe 09/08/2018; STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1.559.105/MG, 4ª Turma, DJe 22/11/2017; STJ, EDcl no AREsp 266.795/RJ, 4ª Turma, DJe 01/08/2014.

Antonio Adonias Aguiar Bastos
Doutor e Mestre (Universidade Federal da Bahia - UFBA). Professor de Teoria Geral do Processo e de Direito Processual Civil na Graduação (UFBA) e na Pós-Graduação lato sensu (diversas Instituições de Ensino nos diversos estados do Brasil). Membro Fundador da Associação Norte e Nordeste de Professores de Direito Processual (ANNEP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal (IIDP) e da Associação Brasiliense de Direito Processual (ABPC). Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Presidente da Comissão Nacional de Acesso à Justiça do CFOAB e do Centro de Estudos de Sociedades de Advogados (CESA) - Seccional Bahia. Advogado.

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