Migalhas de Peso

Resolução CEMA 107/20 - Considerações acerca da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso – LAC

Os órgãos ambientais estão se dando conta que na hipótese em que os impactos da atividade ou empreendimento já são devidamente conhecidos, assim como as condições da instalação e operação

16/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

A resolução CEMA 107 de 9/9/20, que dispõe sobre o licenciamento ambiental, estabelece critérios e procedimentos a serem adotados para as atividades poluidoras, degradadoras e/ou modificadoras do meio ambiente e adota outras providências, trazendo ainda em seu bojo uma nova modalidade de licença ambiental, a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso – LAC, que em seus estritos termos:

autoriza a instalação e a operação de atividade ou empreendimento, de pequeno potencial de impacto ambiental, mediante declaração de adesão e compromisso do empreendedor aos critérios, pré-condições, requisitos e condicionantes ambientais estabelecidos pela autoridade licenciadora, desde que se conheçam previamente os impactos ambientais da atividade ou empreendimento, as características ambientais da área de implantação e as condições de sua instalação e operação1.

Trata-se, pois, de modalidade de licença, não amparada expressamente por regulamentação federal, que busca desburocratizar o procedimento licenciatório, em busca de celeridade nos procedimentos, evitando, portanto, que o empreendedor tenha que realizar estudos técnicos, para posteriormente serem submetidos à análise do órgão ambiental que poderá realizar pedidos de complementações, o que demanda muito tempo a todos os envolvidos, atrasando em muito o início das atividades.

Percebe-se, por outro lado, que os órgãos ambientais estão se dando conta que na hipótese em que os impactos da atividade ou empreendimento já são devidamente conhecidos, assim como as condições da instalação e operação, que o próprio empreendedor pode apresentar ao órgão licenciador toda a documentação que demonstre o atendimento dos critérios, pré-condições, requisitos e condicionantes ambientais estabelecidos pela autoridade licenciadora.

A modalidade de licença ambiental por adesão já foi objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), quando a Procuradoria Geral da República (PGR) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 5.014, questionou as alterações efetuadas pela lei estadual 12.377/11 em dispositivos da lei 10.431/06, do Estado da Bahia, que dispõe sobre Política Estadual de Meio Ambiente e de Proteção à Biodiversidade.

Os principais questionamentos na ocasião diziam respeito ao acréscimo de dois incisos ao artigo 45 da lei alterada, que introduziram duas modalidades de licenças ambientais não previstas na legislação federal: a “Licença de Regularização” (LR) e a “Licença Ambiental por Adesão e Compromisso” (LAC)2.

Por seu turno, a Procuradoria afirmava que a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso criou uma forma de “autorregulação ambiental”, à margem da imposição constitucional que determina a supervisão estadual sobre as atividades potencialmente poluidoras. Segundo a PGR, neste caso, a atuação do poder público acaba sendo substituída por mera declaração de adesão e compromisso do empreendedor, sem qualquer controle efetivo do órgão ambiental, mesmo que se trate de empreendimentos com potencial poluidor3.

As duas modalidades de licenciamento, segundo a PGR, “permitem a instalação de atividades ou empreendimento sem a realização de qualquer tipo de estudo de impacto ambiental, o que constitui clara afronta ao artigo 225, parágrafo 1º, incisos IV e V, da Constituição Federal”. A PGR alega, também, afronta ao pacto federativo e ao artigo 24, parágrafos 1º e 2º, da Constituição, que delimita a ação legislativa dos estados nas matérias de competência concorrente.

A alteração, segundo invocado, violaria igualmente o artigo 6º, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981 (que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente), que delimita a atuação legislativa dos estados-membros em matéria de direito ambiental. “Não competia ao estado da Bahia criar novos tipos de licenças ambientais que, na verdade, constituem autorizações para que o licenciamento ambiental – portanto, o estudo prévio de impacto ambiental e o efetivo controle das atividades poluidoras – não ocorra”, afirma a PGR.

Diante de tais alegações, a PGR requereu a concessão de liminar para suspender a eficácia dos artigos 40, 45, incisos VII e VIII e 147 da lei baiana 10.431/06, com a redação conferida pela lei estadual 12.377/11, tendo ainda no mérito requerido a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos questionados. A referida ADIn ainda não fora julgada e possui como relator o ministro Luiz Fux4.

Outra ocasião de questionamento quanto à modalidade de licença por adesão e compromisso – LAC, se dera quando o Estado de Santa Catarina a partir de redação atribuída pela lei 16.283, de 2013, que alterou o art. 36 da lei estadual 14.675/095, passou a prever que o licenciamento ambiental ordinário poderia ser realizado por meio da Licença Ambiental Prévia (LAP), da Licença Ambiental de Instalação (LAI), da Licença Ambiental de Operação (LAO) e, ainda, da Licença Ambiental por Compromisso (LAC).

O Ministério Público, por sua vez, pretendia no - RE 1.264.738/SC6 - o reconhecimento da inconstitucionalidade da expressão ‘Licença Ambiental por Compromisso (LAC) alegando que o instituto inserido seria menos protetivo ao meio ambiente, uma vez que segundo consta, teria deixado de observar as fases de avaliação (licença prévia), implantação (licença de instalação) e operação de projetos (licença de operação). Ao assim invocar, o Ministério Público sugere que o Estado não pode criar licença ambiental que descaracterize as normas gerais previstas no decreto-lei 99.274/907, que regulamenta a lei federal 6.938/818, e a resolução 237/97 do Conama9.

Todavia, o STF firmou entendimento de que, se para averiguar a inconstitucionalidade de norma local (estadual, distrital ou municipal) for necessário seu cotejo com norma federal, a natureza desse contencioso é infraconstitucional, não cabendo àquela Corte dirimi-lo, por ser eventual ofensa à CRFB meramente reflexa10.

Nesse sentido tem se revelado a orientação da Corte no caso de Competência Legislativa Concorrente em matéria ambiental, de forma que o mérito de eventual conflito entre norma estadual e nacional não tem sido nem sequer conhecido, seja em sede de controle abstrato, seja na via difusa11.

Analisando-se por essa perspectiva, conclui-se que o Ministério Público não tem obtido êxito em seu inconformismo acerca da nova modalidade de licença, mesmo quando aventa discussão acerca da competência legislativa concorrente.

Diante disso, o Conselho Estadual do Meio Ambiente – CEMA do Estado do Paraná publicou na data de 17 de setembro de 2020, a resolução CEMA 107/20, autorizando a instalação e a operação de atividade ou empreendimento, de pequeno potencial de impacto ambiental, mediante declaração de adesão e compromisso do empreendedor, cuja nova legislação que revoga as recém publicadas Resoluções CEMA 105/2019 e CEMA 106/20, busca trazer maior simplicidade aos trâmites e enquadramentos legais de atividades diversas no estado do Paraná e maior diversidade nas modalidades de licenças ambientais, além de inovar em relação ao procedimento comum do licenciamento “trifásico” (LP, LI e LO).

Segundo o Art. 68 da nova Resolução, o Licenciamento Ambiental por Adesão e Compromisso – LAC, se aplica aos empreendimentos e atividades de baixo potencial de impacto ambiental e seus critérios serão estabelecidos em Resoluções específicas. Veja-se que segundo o referido dispositivo, a modalidade não poderá ser aplicada indiscriminadamente, não podendo ser emitida nas seguintes hipóteses:

Art. 68. (...)

I - houver necessidade de corte ou supressão de vegetação nativa;

II - localizada em Área de Preservação Permanente, de acordo com a legislação vigente;

III - localizada em Unidades de Conservação ou sua zona de amortecimento;

IV - afetar Cavidades Naturais Subterrâneas;

V - quando não inscrito no CAR em se tratando de área rural;

VI - localizada em área à montante de ponto de captação de água para abastecimento público;

VII - os usos de recursos hídricos que dependem de outorga;

VIII - localizadas em áreas úmidas;

IX - localizadas em áreas de bens culturais acautelados;

X - localizada em terras indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais;

XI - imóveis que não respeitem o tamanho mínimo do módulo rural, definido nos incisos II e III do Art. 4º da lei 4.504/64;

XII - localizada em áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos, conforme previstas no Art. 42-A da lei federal 10.257/01.

Na modalidade instituída LAC, a licença será emitida após protocolo do requerimento, análise e conferência dos documentos para verificar a suficiência das informações prestadas, com a validação do cumprimento dos critérios técnicos estabelecidos pelo órgão ambiental. Além disso, a LAC emitida implica na confiabilidade e veracidade das informações e dos documentos apresentados pelo empreendedor e seu responsável técnico, sob pena de que, nos termos do § 2º, do artigo 68, seja a licença anulada com as devidas sujeições do infrator às sanções administrativas e penais.

§ 2º A constatação, a qualquer tempo, de informações e documentos falsos, implicará a nulidade da licença concedida pelo órgão ambiental competente, sujeitando-se às sanções administrativas e penais, sem prejuízo da responsabilização civil.

Em seu art. 67 a resolução CEMA 107/20, por sua vez traz para a LAC os seguintes objetivos:

I - aprovar a localização e a concepção do empreendimento ou atividade;

II - atestar a viabilidade ambiental do empreendimento ou atividade;

III - estabelecer os requisitos básicos e critérios técnicos a serem atendidos para a implantação do empreendimento ou atividade, condicionada as exigências do Plano Diretor Municipal ou legislação correlata, e as normas federais e estaduais incidentes; e

IV - autorizar a instalação e operação do empreendimento ou atividade de acordo com informações prestadas no SGA, as quais serão de total responsabilidade do empreendedor e do responsável técnico.

Observa-se, portanto, que conforme aduzido, o Licenciamento Ambiental por Adesão e Compromisso – LAC, muito embora não seja regulamentado por lei federal, tem o aval do Supremo Tribunal Federal que cita no julgamento do - RE 1.264.738 AGR/SC - o § 2º do art. 2º da Resolução do Conama que institui a possibilidade de complementação das normas gerais fixadas pela referida Resolução pelos órgãos ambientais estaduais, levando em consideração as especificidades, os riscos ambientais, o porte e outras características do empreendimento ou atividade.

Nesse contexto, se o órgão ambiental pode definir procedimentos específicos e simplificados para o licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos, entende o Supremo Tribunal Federal pela admissão de previsão, em lei estadual, de procedimento para a outorga da licença ambiental por compromisso, que é um procedimento mais simples e específico.

Assim, a teor da competência concorrente entre a União e os Estados para estabelecer normas sobre a proteção do meio ambiente, pode-se conceber que a criação de Licença Ambiental por Compromisso pelas leis estaduais, assim como ocorre nos Estados de Santa Catarina e doravante do Paraná com a resolução CEMA 107/20, acaba se harmonizando com o preceito constitucional e com as disposições gerais da resolução Conama 237/97, considerando que nesses casos estarão apenas se restringindo a complementar a regra geral e a estabelecer regras específicas sobre o processo de licenciamento ambiental, não havendo, portanto, que se invocar eventual inconstitucionalidade.

_____

1 PARANÁ. Resolução CEMA Nº 107 DE 09/09/2020. Disponível clicando aqui Acesso em: 04 dez 2020.

2 Brasil. Supremo Tribunal Federal – STF. PGR questiona alterações em lei sobre licença ambiental na Bahia. Clique aqui Acesso em: 04 dez 2020.

3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. PGR questiona alterações em lei sobre licença ambiental na Bahia. Clique aqui Acesso em: 04 dez 2020.

4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. PGR questiona alterações em lei sobre licença ambiental na Bahia. Clique aqui Acesso em: 04 dez 2020.

5 BRASIL. Lei nº 14.675, de 13 de abril de 2009. Clique aqui Acesso em: 12 dez. 2020.

6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. A G .REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.264.738 SANTA CATARINA. Disponível clicando aqui Acesso em: 12 dez. 2020.

7 BRASIL. Decreto no 99.274, de 6 de junho de 1990. Disponível clicando aqui Acesso em: 12 dez. 2020.

8 BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível clicando aqui Acesso em: 12 dez. 2020.

9 BRASIL. Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997. Disponível clicando aqui Acesso em: 12 dez. 2020.

10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 252/PR, Tribunal Pleno, relator Ministro Moreira Alves, Brasília, DF, em 20 de novembro de 1997.

11 Nesse sentido os seguintes precedentes do STF: Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 856.768/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª turma, j. em 16/10/12; Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 413.815/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª turma, j. em 22/5/12; e Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 147.111/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª turma, j. em 22/6/93.

Debora Cristina de Castro da Rocha
Advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado nas áreas do Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania e Professora.

Edilson Santos da Rocha
Sócio Administrador do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia - Especializado em Direito Imobiliário e Sócio Administrador na Empresa Domínio Legal Soluções Imobiliárias

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

A insegurança jurídica provocada pelo julgamento do Tema 1.079 - STJ

22/11/2024

O fim da jornada 6x1 é uma questão de saúde

21/11/2024

ITBI - Divórcio - Não incidência em partilha não onerosa - TJ/SP e PLP 06/23

22/11/2024

Penhora de valores: O que está em jogo no julgamento do STJ sobre o Tema 1.285?

22/11/2024

A revisão da coisa julgada em questões da previdência complementar decididas em recursos repetitivos: Interpretação teleológica do art. 505, I, do CPC com o sistema de precedentes

21/11/2024