Amanhã, 14, o Conselho Pleno da OAB Nacional realizará Sessão Virtual Extraordinária, na qual vai deliberar sobre as propostas de cotas para advocacia negra nas eleições internas da OAB. Quatro proposições foram apresentadas, dentre elas, a de minha autoria, o único autodeclarado negro entre os atuais 81 integrantes do Conselho Federal da OAB. Defendo a reserva de 30% das vagas de forma direta e objetiva, sem diminuição ou proporcionalidade. O Colégio de Presidentes dos Conselhos Seccionais da OAB, órgão consultivo do Conselho Federal e constituído pelos 27 presidentes das OAB estaduais, na sua última reunião de 2020, aprovou, à unanimidade, o seu apoio à implantação de cotas raciais a partir das eleições de 2021, mas no percentual de 15%.
A atuação da OAB em defesa das ações afirmativas e das cotas raciais para pessoas negras nos serviços públicos é reconhecida e vitoriosa. Entre 2009 e 2012, atuou em defesa da constitucionalidade das cotas raciais no ensino superior como “amicus curiae” (amigo da corte) e pela improcedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 186. Em 2014, a Ordem ingressou com a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41, na qual a Suprema Corte fixou a tese de julgamento que “é constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta”, inclusive nas Forças Armadas.
Entretanto, é imprescindível que a OAB, serviço público na forma do seu Estatuto (Lei nº 8.906, de 04/07/1994), estabeleça mecanismos formais e eficazes para eliminar o racismo institucional existente no âmbito interno. A Ordem, ainda que involuntariamente, reproduz o que há no mundo da vida e no mundo do direito. A ausência de advogados negros e de advogadas negras nos órgãos de direção é inegável.
Sabemos que o racismo no Brasil é estrutural, ou seja, vai para além dos indivíduos e envolve as relações sociais, econômicas, jurídicas e faz parte do cotidiano das instituições. Somos resultado de 358 anos de escravização das pessoas negras, mas também de 132 anos de uma abolição inacabada. Essas situações exigem a implantação de ações afirmativas, o que deveria ter acontecido desde 1888, com a finalidade de fazer valer a igualdade formal, a igualdade material e a igualdade como reconhecimento nas instituições públicas e privadas.
Por esses motivos, apresentei a Proposição nº 49.0000.2020.004393-1, requerendo que, a partir das eleições de 2021 e pelo período de 10 mandatos (30 anos), todos os cargos (titulares e suplentes) dos órgãos da OAB (Conselho Federal, Conselhos Seccionais, Subseções e Caixas de Assistência dos Advogados) sejam ocupados por advogados negros e advogadas negras - pretos(as) e pardos(as) - no percentual mínimo de 30% das vagas a serem preenchidas.
Acaso essa proposta de discriminação positiva seja aprovada, sem qualquer redução ou flexibilização, será a primeira vez, desde quando foi criada pelo Decreto nº 19.408, de 18/11/1930 (art. 17), que teremos uma política afirmativa eficiente e concreta a favor da diversidade, da representatividade e da democracia racial em todos os seus espaços de poder. O ineditismo dessa medida já demostra que o percentual de 30% não é exagerado, mas um modo de reparação para tornar eficaz a igualdade racial na OAB. Não queremos todos os assentos. 30% não são 100%! 30% por 30 anos é uma forma de amenizar os 90 anos sem qualquer ação institucional para eliminar a discriminação indireta de acesso da advocacia negra aos cargos da OAB.
E quando da aprovação da paridade de gênero para ocupação dos cargos na OAB, a metade das vagas destinadas a cada gênero deverá ser ocupada por 30% de advogados negros e por 30% de advogadas negras. Paridade de gênero com cotas raciais de 30% é o melhor caminho para efetivação da igualdade e da justiça no Sistema OAB.
Como afirmei no webinar “Ação Afirmativa, Equidade Racial e Antirracismo no Sistema OAB”, promovido pelo Migalhas, em 16/11/2020, parafraseando Ângela Davis, numa sociedade racista como a brasileira, não basta a OAB não ser racista. É preciso a OAB ser antirracista. E assim a Ordem será considerada quando acabar com a sub-representação atual e garantir e naturalizar a participação da advocacia negra nos seus órgãos deliberativos.
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*André Costa é advogado especializado em Direito Eleitoral e Direitos Políticos. Conselheiro Federal da OAB, onde presidente a Comissão Especial de Advocacia Municipalista e integra a Comissão Especial de Direito Eleitoral. É autor da proposta que criou o “Prêmio Luiz Gama” da OAB Nacional. É presidente do ICEDE – Instituto Cearense de Direito Eleitoral. (@andrecostaadvocacia).