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PL 4.458 e a reforma da lei de recuperação judicial e falências

Algumas das disposições que foram aprovadas no Congresso Nacional poderão trazer maior insegurança e, consequentemente, restrição ao crédito e financiamento das empresas que se encontram em situação de crise.

14/12/2020

(Imagem: Arte Migalhas)

O projeto de lei 4.458/20, que traz mudanças nas regras de falência e recuperação judicial, recentemente aprovado no Senado e que agora segue para a sanção presidencial é visto pela equipe econômica do governo como fundamental para auxiliar as empresas que passam por dificuldades por causa da pandemia.

Conforme parecer do senador relator, Rodrigo Pacheco, as alterações têm por objetivo conferir maior segurança jurídica aos processos de recuperação judicial, extrajudicial e falência, alinhando o Brasil às melhores práticas internacionais em casos de insolvência transnacional.

Realmente, existem algumas proposições positivas. No entanto, algumas das disposições que foram aprovadas no Congresso Nacional poderão trazer maior insegurança e, consequentemente, restrição ao crédito e financiamento das empresas que se encontram em situação de crise.

Dentre algumas das medidas positivas e que poderão trazer maior previsibilidade e, consequentemente, segurança jurídica tem-se a regulação da prorrogação do stay period, que pela atual legislação “em hipótese nenhuma” excederia o prazo de 180 dias, mas vinha sendo reiteradamente flexibilizado pela jurisprudência.

A proposta aprovada no Congresso prevê que esse prazo poderá ser prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal, o que se alinha com a experiência empírica e que pode ser observada nos estudos da 2ª Fase do Observatório de Insolvência, realizados pela ABJ – Associação Brasileira de Jurimetria, na qual se constata que “os números demonstram que o prazo de 180 dias não é razoável para a negociação de um plano, que via de regra leva o dobro disso1.

O que se espera, agora, é que essa regra não seja novamente flexibilizada, já que a previsão é clara de que ela poderá ocorrer uma única vez, em caráter excepcional. As regras de hermenêutica jurídicas são claras no sentido de que não deve o intérprete criar, na interpretação, distinções que não figuram na lei2. Logo, sendo uma medida de exceção, não poderá ser ela utilizada de forma indistinta e indiscriminada.

Outro grande destaque na proposta aprovada é a melhor regulamentação do dispositivo do DIP Financing, segundo o qual o juiz poderá, depois de ouvido o comitê de credores, caso haja sido constituído, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante do devedor, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos.

Não obstante a melhora da redação, o Projeto não é tão claro quanto à instância deliberativa para a obtenção desses financiamentos, já que ora atribui tal competência à assembleia geral de credores, ora ao juiz, ora ao devedor.

O ideal, de forma a se ter celeridade, eficiência e atratividade aos financiadores seria prever que o devedor teria liberdade para obtenção desses financiamentos, salvo quando precisar outorgar garantia de bens do ativo não circulante, que não se destinam à venda ou oneração. Nesses casos, seria necessária autorização judicial ou previsão expressa no plano de recuperação judicial de forma a se evitar a dilapidação de ativos relevantes em prejuízo dos credores.

A proposta aprovada ainda fomentou a utilização de meios alternativos de solução de conflitos, prevendo o incentivo à conciliação e à mediação, que são ferramentas importantes de solução de conflitos e sua aplicabilidade já se comprovou relevante e eficaz nos mais diversos ramos do direito brasileiro.

No entanto, entendemos que não andou bem a sugestão ao prever que a conciliação e a mediação poderão ser determinadas pelo Juiz sem a anuência da parte, o que fere diretamente a autonomia de vontade da parte.

De outro lado, o projeto aprovado tem algumas previsões que certamente impactarão no mercado de crédito, diante da violação às garantias apresentadas e ao regime jurídico escolhido. É o que se passa a explicar.

De início, as previsões dos artigos 56, § 6º, V e 69-K, § 1º demonstram claro agravamento de risco aos credores já que disciplinam (I) a isenção das garantias pessoais prestadas por pessoas naturais em relação aos créditos a serem novados no caso de apresentação de plano alternativo pelos credores e (II) a extinção imediata de garantias fidejussórias e de créditos detidos por um devedor em face de outro no caso de restar deferida a consolidação substancial.

Importante destacar que o Banco Central do Brasil, na Consulta Pública 60/18, apresentou proposta de ato normativo dispondo sobre critérios contábeis para constituição de provisão para perdas esperadas associadas ao risco de crédito pelas instituições financeiras, a qual tinha por objetivo promover a convergência da regulação contábil com padrões emanados do International Accounting Standards Board (IASB), que prevê a incorporação ao Plano Contábil das Instituições do SFN (Cosif) dos preceitos da norma internacional, em particular o pronunciamento IFRS 9 - Financial Instruments.

De acordo com o art. 6° da proposta do referido ato normativo, um dos critérios de avaliação da perda esperada associada ao risco de crédito dos instrumentos financeiros deverá considerar as características das garantias.

Logo, diante das propostas aprovadas prevendo a supressão das garantias sem a anuência do credor, haverá claro impacto para os credores, que sendo instituições financeiras deverão, de início, constituir provisão suficiente para cobrir as perdas esperadas associadas ao risco de crédito (art. 9º), o que impactará sobremaneira a concessão de crédito.

Por fim e, sem que se tenha a intenção de esgotar os temas que foram objeto da proposta aprovada, tem-se a polêmica questão da possibilidade de o produtor rural requerer recuperação judicial mesmo sem o registro nos registros públicos de empresas.

A exceção, para a não sujeição aos efeitos da recuperação judicial de produtor rural, ficará restrita para (I) os créditos vinculados ao Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) que não foram objeto de renegociação, nos termos dos §§ 7º e 8º, do artigo 49; (II) as dívidas contraídas nos três anos que antecederam o pedido de recuperação judicial para a aquisição de imóveis rurais, conforme o § 9º, do artigo 49, e (III) os créditos e garantias cedulares vinculados à Cédula de Produto Rural – CPR com liquidação física, em caso de antecipação ou vinculação à operação de barter, salvo hipótese caso fortuito ou força maior, conforme proposta de alteração do artigo 11, da lei 8.929/94.

Neste caso, o acolhimento do pedido de recuperação judicial por produtor rural, mesmo sem os dois anos de registro na Junta Comercial trará significativo aumento nos custos da transação, com repercussão no custo de crédito, já que a precificação pelos agentes fomentadores do crédito passará a ocorrer prevendo o risco de o tomador do crédito vir a requerer recuperação judicial.

Concluindo, o que se espera da proposta é que ela venha a minimizar os efeitos da crise na empresa, auxiliando a recuperação de empresas viáveis e permitindo a liquidação eficiente de empresas falidas, de forma que o valor dos ativos seja preservado e revertido à recuperação do crédito dos credores e fomento à atividade empresarial, evitando que empresas “zumbis”, que estão sem capacidade de investimento, geração de caixa e de riquezas possam se perpetuar no cenário empresarial, em evidente concorrência desleal com aquelas que mantém a sua atividade de forma saudável, prestigiando-se, dessa forma, maior previsibilidade e segurança jurídica, que foi a proposta do Senador Ramez Tebet, no parecer do anteprojeto da lei 11.101/05 ao prever que "deve-se conferir às normas relativas à falência, à recuperação judicial e à recuperação extrajudicial tanta clareza e precisão quanto possível, para evitar que múltiplas possibilidades de interpretação tragam insegurança jurídica aos institutos e, assim, fique prejudicado o planejamento das atividades das empresas e de suas contrapartes"3.

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1 Clique aqui Consulta em 7/12/20

2 Princípio ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus

3 Clique aqui Consulta em 7/12/20

Rodrigo Pereira Cuano
Advogado da área Corporate do escritório Reis Advogados. Especialista em Direito Processual Civil. Cursos de extensão em reestruturação e recuperação de empresas pela FGV Direito e pelo IBAJUD e em Direito Digital aplicado pela FGV Direito.

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