“Me chamarão subversivo.
E lhes direi: eu o sou.
Por meu Povo em luta, vivo.
Com meu Povo em marcha, vou”
Dom Pedro Casaldáliga
Nesse 10 de dezembro, importante dia para a reafirmação dos Direitos Humanos, não devemos celebrar marcos legais ou teóricos, ineficazes no cotidiano brasileiro, mas sim aquelas que lutam arduamente para fazer valer a ideia de que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
A pandemia tem servido de justificativa para a supressão de diversos direitos. Shoppings e bares reabriram há meses em São Paulo, mas diversos serviços públicos seguem fechados ou com atendimento super restrito, o que dificulta o acesso pela população em momento de maior necessidade.
O caso mais escrachado de instrumentalização da covid-19 para a negação de direitos talvez esteja no campo criminal. Sob a tutela do Conselho Nacional de Justiça, Tribunais suspenderam a realização de Audiência de Custódia, em frontal desrespeito à legislação nacional - como o art. 310 do Código de Processo Penal - e tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro – Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Em São Paulo estamos há meses sem que a pessoa presa em flagrante possa olhar nos olhos de um juiz e dizer por que não deve permanecer presa. Sem que alguém que tenha sido violentado, torturado no momento da prisão possa se apresentar com suas marcas perante as autoridades e requisitar investigação a respeito disso.
Policiais não saíram das ruas, continuaram trabalhando, realizando prisões, sendo expostos e morrendo pelo vírus. No Rio de Janeiro as operações policiais não foram suspensas mesmo após decisão do Supremo Tribunal Federal (ADPF 635). Advogados continuaram atendendo seus clientes, visitando presídios, diligenciando em delegacias, mas as audiências de custódia seguem há meses suspensas.
Para agravar a situação, agora o CNJ decidiu permitir a realização de audiências de custódia por videoconferência ao invés de indicar a retomada presencial, como determina a lei. A audiência remota não é capaz de cumprir o papel do instituto que, além de objetivar a diminuição de prisões ilegais e desnecessárias, serve como controle da atividade policial. Devo destacar a luta incansável das Defensorias Públicas, IBCCRIM, AMPARAR e outros parceiros nesta pauta1.
Não podemos também deixar de mencionar a letalidade policial, que bateu recorde no primeiro semestre em São Paulo mesmo com a diminuição de movimentação em razão da pandemia – o maior número desde o início da série histórica, em 20012. Relatório da Rede de Observatórios da Segurança3, divulgado ontem, mostra que a letalidade policial tem como alvo os negros. A análise comparou dados de 2019 em cinco estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Bahia e Pernambuco – nos dois últimos, mais de 90% das vítimas são negras.
Outro marco do desrespeito aos Direitos Humanos no Brasil de 2020 foram os despejos, em áreas urbanas e rurais. Foram mais de 6.500 famílias despejadas em meio a um estado nacional de calamidade pública. A gravidade da situação levou grandes organizações da área a criarem a Campanha Despejo Zero4.
A esperança continua e se reforça ao vermos que contra tantas violações diárias a Direitos Humanos muitas pessoas e organizações se levantam em unidade e resistência. Mesmo sofrendo os péssimos efeitos da pandemia, a exaustão diante dos ataques incessantes, ativistas por todo o país tiram forças não se sabe de onde, muitas vezes sem qualquer estrutura financeira, para barrarem os retrocessos impostos. Algumas vezes conseguimos até avanços, vejam só.
Por isso, nesse Dia Internacional dos Direitos Humanos, a homenagem vai para todas, todos e todes que a cada dia lutam pela concretização das bonitas palavras escritas nas nossas legislações e livros, com uma menção especial ao Sindicato dos Advogados de São Paulo, Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, Coalizão Negra por Direitos e ABGLT.
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