O ano que parece nunca ter começado e ameaça nunca terminar é 2020. Desde 2016, quando assumi a titularidade da 1ª Vara Cível de Imperatriz, segunda maior cidade/comarca do Maranhão (em setembro de 2017 fui promovido para a capital), tenho registrado em grande parte das minhas sentenças não ser razoável que demandas sem complexidade e que envolvam bens jurídicos de valor compatível com os Juizados Especiais tramitem em varas cíveis, de procedimento muito, muito mais complexo e, por isso, mais caro.
Insistentemente tenho dito que já passou do tempo de se pensar em competência exclusiva para processos dessa natureza, sob pena de se inviabilizarem os juízos cíveis ordinários, que aliás, Brasil afora não raro apresentam distribuição maior que a de alguns juizados.
Daí porque formulo uma sincera indagação, sem qualquer resquício de desprezo a pretensões, direitos, juízos e/ou competências: deparando-me diariamente numa vara cível com demandas que poderiam e – ao meu modesto ver - deveriam estar nos Juizados Especiais (de rito mais simples, rápido e barato, não excede repetir), é sensato exigir que eu me dedique a causas complexas, com dezenas de volumes – físicos ou virtuais -, se a todo tempo sou premido – como quase todos os membros da magistratura brasileira - por metas e mais metas, prioridades e mais prioridades? No país da jabuticaba e dos críticos de obras prontas, criou-se, vejam só, a superprioridade (como se escreve, afinal?)!!!
Salvo engano – para o qual já antecipo desculpas -, uma sentença sobre demora no atendimento numa fila de banco, por exemplo, “valerá numericamente” para o Conselho Nacional de Justiça, para o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão e para a Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Maranhão o mesmo que o julgamento de uma ação de recuperação judicial de uma grande empresa, com milhares de funcionários, ou de um caso delicado de saúde, no qual se pede para um único paciente medicamento e/ou tratamento que custa milhões.
Não me parece fazer sentido! Em tempos de pandemia, de aprofundamento de crise econômica, então!
Embora reconheça, por óbvio, que essa não é a única causa da lentidão do Poder Judiciário, ouso dizer que já tarda – e muito – uma reflexão mais profunda e verdadeiramente voltada para a melhoria da tal “prestação jurisdicional célere e eficaz”, não apenas para projetos efêmeros de gestões – até agora passageiras, por sorte…
Tenho compromisso com meu ofício e a ele me dedico com afinco. Mas também por isso preciso me preservar. Juízas e juízes não são máquinas. Também somos dotados de instinto de sobrevivência, inclusive profissional e institucional. No meu caso, não sei fazer outra coisa. Pelo menos ainda.
Decerto alguns me recomendarão à forca, mas, se não dissesse, não seria eu: ou muda, ou fecha.
Se houver terceira possibilidade, atrevo-me a dizer que será mais do mesmo: relatórios, planilhas, projetos, aplicações, avaliações, correi… ops, mudou a gestão... relatórios, planilhas, projetos, aplicações, avaliações, correi… ops… E por aí vai!!! E vice-versa!!!
P.s.1: Sou juiz auxiliar da Comarca da Ilha de São Luís/MA; sequer tenho unidade fixa. Portanto, estou à vontade para falar, pois posso vir a ser titularizado num juizado.
P.s.2: Enquanto uns e outros - de todos os lados, de todas as cores - se esmeram em cotidianamente despejar bobagens, grosserias e vis pretensões meramente político-eleitoreiras, desprezando por completo as duas fileiras de dentes que nos foram dadas para conter a língua, não se ouve uma só voz a dizer com clareza quando e como nós, o sofrido e cansado povo brasileiro, teremos acesso a uma vacina contra a covid-19. Qualquer que seja ela, venha de onde vier, não é difícil imaginar que sua distribuição exigirá uma logística gigantesca e que esta, por sua vez, somente será alcançada com cuidadoso e, bingo, prévio planejamento. Começar com respeito à cidadania já ajuda! Até para que depois não se acuse o Poder Judiciário de ativismo!
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*Mário Márcio de Almeida Sousa é juiz de Direito no Maranhão.