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Mais um pouco sobre o julgamento do RE 603.624/STF

O RE 603.624 foi, enfim, julgado pelo STF para reconhecer a constitucionalidade da CIDE Sebrae/Apex/ABDI diante da nova redação dada ao artigo 149 da CRFB/88 pela emenda constitucional 33/01.

6/10/2020

Em 23 de setembro do corrente ano o Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade ao julgamento do RE 603.624/SC, interposto pela empresa-contribuinte Fiação São Bento S/A.

Foram colhidos os votos dos demais nove ministros participantes do julgamento. Vale destacar que o ministro Celso de Mello, em vias de aposentadoria compulsória, não participou da assentada em razão de licença médica.

A ministra relatora, Rosa Weber, acolheu a tese recursal e deu-lhe provimento para declarar a inconstitucionalidade superveniente da CIDE destinada ao Sebrae, Apex e ABDI em razão da edição da emenda constitucional 33/01. Seguiram essa compreensão os eminentes ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.

Ao revés, os demais ministros que participaram do julgamento deram acolhimento à antítese da Fazenda Nacional, Sebrae, Apex e ABDI e negaram provimento ao apelo extremo aviado pela empresa contribuinte.

Fixou-se, em razão do desprovimento do extraordinário, tese no sentido de que a CIDE dirigida ao Sebrae, Apex e ABDI manteve-se intacta, logo constitucional, mesmo após a edição da referida EC 33/01.

O desprovimento do apelo se deu pelo placar de 6 a 4. Um placar apertado, diga-se, mas que denotou pluralidade, democracia, compreensões hermenêuticas diferenciadas e, o que é melhor, argumentos amplos aos apaixonados pela ciência jurídica e seus aplicadores. Fez valer a beleza do debate.

No fim, prevaleceram os critérios interpretativos, a meu ver, que mais condizem com a organicidade e sistematização do direito: o histórico e teleológico.

 Reduzir a questão à literalidade nua e crua do dispositivo constitucional alterado pela EC 33/01 seria muito pouco para quebrar implicitamente um sistema contributivo complexo, em que além da literalidade exigir-se-ia uma declaração expressa de não recepção ou revogação da CIDE. Sabemos que essa não foi a intenção do legislador constitucional derivado. E isso ficou claro nos votos favoráveis e pareceres jurídicos colacionados aos autos pelos recorridos.

Chamaram à atenção duas linhas julgadoras: a primeira, do ministro Gilmar Mendes, um gênio do direito constitucional; a segunda, do ministro Marco Aurélio - meu ídolo, diga-se de passagem. Mostrarei abaixo os motivos de minha atenção maior.

O ministro Gilmar, brilhantemente, fala sobre a sistemática tributária e menciona inteligência construída pelo professor das arcadas Fernando Facury Scaff - um gênio dos direitos financeiro e tributário -, segundo a qual negar a folha de salários como base de cálculo válida seria pôr em xeque-mate o sistema contributivo-previdenciário, previsto no artigo 195 da carta maior de 1988. Um simples argumento, aparentemente, não fosse essa visão uma prerrogativa para poucos. E tanto o é que somente agora foi trazido à baila. E a organicidade e racionalidade do sistema contributivo social foram preservadas.

Quanto ao fantástico ministro Marco Aurélio, acredito que o voto por ele liberado ontem no inquérito que investiga eventual interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal usou de premissas lógico-interpretativas que poderiam ser utilizadas no julgamento do RE 603.624, guardadas, é claro, as naturezas jurídicas das matérias em debates. Mas vale lembrar que o direito é interdisciplinar, e as matérias assim são divididas por critérios de estudo.

Li atentamente o voto liberado por sua excelência no agravo regimental atravessado pelo presidente Bolsonaro. O ministro Marco Aurélio usou critério-interpretativo-histórico para afirmar, o que também concordo, que o presidente da República, seja ele qual for, tem direito a prestar esclarecimentos por escrito, em sede policial ou judicial, seja como testemunha, investigado ou informante. Usou a história da legislação processual penal para assim concluir. Fantástico! Bingo!

Já no julgamento do RE, Marco Aurélio isolou a interpretação do artigo 149 e disse tratar-se de questão a ser resolvida sem a análise sistemática do artigo 195 da CF, que contempla a folha de salários como base imponível para financiamento da previdência social. Senti falta, aqui, do costumeiro arrojo de sua excelência, pra mim o melhor ministro dos últimos 30 anos de nosso STF. Mas, mesmo assim, o respeito, e ainda mais, pois convicção é convicção, e sei o quanto ele possui ciência e consciência para sempre bem entregar jurisdição aos semelhantes.

Não obstante tudo isso, resta-me parabenizar o STF, que no julgamento do RE 603.624 mostrou o porquê que é o guardião de nossa CF e o tamanho de sua grandeza intelectual e moral. Aqui, ademais, rendo minhas homenagens à nossa corte suprema de suplicação de justiça.

 E restou reconhecida a constitucionalidade da CIDE Sebrae, Apex e ABDI. E restou preservada a organicidade do direito. E restou-se reconhecida a relevância econômico-social dessas entidades. E restou preservado o sistema de financiamento previdenciário. E fez-se justiça ao caso!

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*Alessandro Ajouz é advogado privado. Foi advogado da Apex-Brasil e do SESCOOP-Nacional.

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