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Considerações acerca do parcelamento do solo sob a concepção urbanística, ordem pública e interesse social

Este artigo tem como objetivo descrever diretrizes para o parcelamento de solo urbano regulado pela lei 6.766/79, por meio de loteamento ou desmembramento

6/10/2020

Introdução

A Lei de Parcelamento de Solo, lei 6.7661, de 19 de dezembro de 1979, contemplou a ordem urbanística elevando-a à magnitude tal, que acabou por direciona-la à satisfação do interesse social e tornando-a questão de ordem pública, o que por sua vez, exige o controle direto do Poder Público, consoante concepção adotada pelo Estatuto da Cidade2 e pela Constituição Federal de 19883, que recepcionou a norma federal citada, atribuindo à União, aos Estados e ao Distrito Federal a competência de legislar, de forma concorrente, dentre outros, sobre o direito urbanístico, competência esta também estendida e de forma elástica aos municípios, por força do disposto no artigo 30, incisos I, II e VIII da Constituição Federal4.

Importante destacar que, a lei de parcelamento do solo consiste em um grande marco do início da construção da legislação urbanística brasileira, sendo ainda hoje uma das mais importantes normas do setor5, tendo ao longo dos anos sofrido algumas alterações em decorrência das leis 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), 9.514/97 (Lei da Alienação Fiduciária), 9.785/99, 10.406/02 (Código Civil), 10.932/04, 11.445/07, 12.424/11, 12.608/12, 13.465/17, 13.786/18, e 13.313/19.

A lei visa, acima de tudo, trazer os requisitos mínimos para o loteamento ou desmembramento, cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo Plano Diretor, e Lei Municipais regulamentadoras deste, devendo contar com infraestrutura básica que deve ser implantada pelo loteador, sendo composta pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.

Para fins de urbanização, tem-se ainda que o parcelamento do solo não é permitido em terrenos alagadiços, terrenos aterrados com material nocivo à saúde pública, em declividades iguais ou superiores a 30% (trinta porcento) e em locais onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis. Entretanto, a proibição não é definitiva, perdurando apenas enquanto estiver pendente a necessária adoção das medidas de adequação técnica da salubridade e segurança visando a adaptação dessas áreas ao assentamento humano.6

Vale ressaltar que, muito embora a legislação federal em comento seja de extrema relevância para a regulamentação do parcelamento do solo urbano, se revela imprescindível que, nos termos do seu artigo 1º, os Estados, Distrito Federal e Municípios estabeleçam normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal, com vistas a adequação das previsões insertas na lei, às peculiaridades regionais e locais.

Dessa forma, especificamente quanto ao município de Curitiba, tem-se que as atividades de Cadastramento e Regularização de lotes vêm sendo regulamentadas pelo decreto municipal 1051/187, que define o Cadastramento de Lote ou de Gleba, e pelo decreto 2.942/66, que dispõe sobre a regulamentação que se destina a disciplinar os projetos de arruamento, loteamentos, desmembramentos e incorporações de terrenos na cidade.

A despeito de ser inequívoco que a entrada em vigor da lei 6.766/79 cumpriu o mister de disciplinar o parcelamento do solo urbano, ao estabelecer regras urbanísticas, não se pode desprezar que deu significativo passo para a proteção ambiental. Nesse sentido, conforme pode-se inferir da simples análise da norma, o legislador, ao lado de regras administrativas e civis, criou igualmente, tipos penais, de modo a possibilitar ampla proteção não só aos adquirentes de lotes como também ao meio ambiente8.

Ao tratar especificamente da proteção dos adquirentes de lotes, que não raramente são submetidos à compra antes da sua aprovação e registro, destaca-se que a referida conduta se constitui como crime, de acordo com o artigo 50 da lei federal 6.766/799, posto que os consumidores adquirem imóveis sem documentação e dessa forma, apresentam-se irregulares perante o município e Estado. Isso sem contar que, tal infração desencadeia problemas seríssimos referentes ao controle da ocupação do solo10.

Além da aprovação pelo Poder Público e do Registro do Parcelamento do Solo junto ao Registro de Imóveis, que se revelam imprescindíveis,  não se pode desprezar a existência de problemas relacionados a comercialização dos imóveis, que muitas vezes são repassados aos consumidores desacompanhados das estruturas necessárias e obrigatórias, o que sem sombra de dúvida, atrai a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

Nesse sentido, importante colacionar o entendimento do professor Scavone Junior, ao asseverar que “são as pessoas do relacionamento social do consumidor que, potencialmente, podem vir a sofrer indiretamente as consequências da relação de consumo”11.

Analisando a situação por esse prisma, pode-se perceber que grande parte da população ainda carece de maiores esclarecimentos, pois raramente tem sido realizada análise visando constatar se o loteamento se encontra devidamente registrado junto ao Cartório competente. Todavia, há de se destacar a importante atuação decorrente da integração do Ministério Público com outros entes do Poder Público, como Executivo, Legislativo, Cartório de Registro de Imóveis, tendo por escopo garantir um controle prévio ao registro do loteamento12.

Conforme mencionado anteriormente, tanto as questões urbanísticas, quanto a proteção ao consumidor e ao meio ambiente são tuteladas pela lei, sendo estabelecida pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa para quem efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente ou em desacordo com as normas vigentes13.

Não obstante, de um lado pode ser encontrada a necessidade de proteção do meio ambiente, que não raro, se mostra bastante atingido, reclamando pronta intervenção regularizadora; de outra, a questão social – muitas vezes coletiva – originada a partir da necessidade de manutenção dos habitantes nas áreas atingidas pelo fracionamento irregular em virtude da falta de condições de acomodação em outros locais14.

Quando se trata de competência municipal em matéria urbanística, verifica-se que pode ser exercida de forma bastante ampla, disciplinando tudo aquilo que for de interesse local, bem como instituindo a sua política de desenvolvimento urbano. Para tanto, o município poderá lançar mão do Plano Diretor, da Lei de Uso e Ocupação do Solo, do Código de Posturas e Obras, da Lei de Regularização Fundiária, da Lei da Política de Habitação, da Lei de Saneamento, dentre outras que reputar necessárias ao adequado planejamento e ordenamento das ocupações e as atividades urbanas.

Todavia, no que concerne especificamente, a política e parcelamento urbanos e à regularização fundiária, de bom alvitre ressaltar que cabe à União editar normas gerais15,  que consistem no Estatuto da Cidade – lei federal 10.257/0116, que estabelece diretrizes gerais da política urbana, a MP 2.220/0117, em sua concessão de uso especial, a lei federal 6.766/7918, objeto do presente artigo, que dispõe sobre o Parcelamento de Solo Urbano e a lei federal 13.465/1719, que trata da regularização fundiária rural e urbana, entre outras, que invariavelmente possuem papel relevante dentro do ordenamento jurídico brasileiro ao disporem sobre as regras essenciais para os setores urbanístico e imobiliário.

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1 Disponível clicando aqui acessado em 30 de setembro de 2020.

2 Disponível clicando aqui acessado em 30 de setembro de 2020.

3 Disponível clicando aqui acessado em 30 de setembro de 2020.

4 Disponível clicando aqui acessado em 30 de setembro de 2020.

5 Os 40 anos da Lei de Parcelamento do Solo. Acessado em 30 de setembro de 2020.

6 Disponível clicando aqui acessado em 30 de setembro e 2020.

7 Disponível clicando aqui acessado em 30 de setembro de 2020.e

8 A lei de parcelamento do solo urbano e a responsabilização de pessoas jurídicas. Acessado em 30 de setembro 2020.

9 Disponível clicando aqui acessado em 30 de setembro de 2020.

10 Disponível clicando aqui acessado em 30 de setembro de 2020.

11 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio, Direito Imobiliário – Teoria e Prática. 11ª Ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2016, p. 206.

12 Disponível clicando aqui acessado em 30 de setembro de 2020.

13 Disponível clicando aqui acessado em 01 de outubro de 2020.

14 Disponível clicando aqui acessado em 01 de outubro de 2020.

15 Parcelamento do Solo Urbano e Regularização Fundiária - Disponível clicando aqui acessado em 01 de outubro de 2020.

16 Disponível clicando aqui acessado em 01 de outubro de 2020.

17 Disponível clicando aqui acessado em 01 de outubro de 2020.

18 Disponível clicando aqui acessado em 01 de outubro de 2020.

19 Disponível clicando aqui acessado em 01 de outubro de 2020.

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*Debora Cristina de Castro da Rocha é advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso.





*Claudinei Gomes Daniel é acadêmico de Direito pela Faculdade Anchieta de Ensino Superior do Paraná - FAESP (Centro Universitário UNIFAESP). Colaborador do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Secretário de Presidência do Sindicato dos Advogados do Estado do Paraná.

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