Migalhas de Peso

PIX, open banking e concorrência no setor financeiro

Integrado com a agenda do Banco Central para implementação do open banking no Brasil, o novo serviço promete revolucionar o mercado financeiro e de pagamentos.

29/9/2020

Previsto para começar a operar com o público geral, no dia 16 de novembro deste ano, o PIX é um serviço de pagamentos que utiliza uma tecnologia de plataforma aberta desenvolvida pelo Banco Central para permitir a realização de transações financeiras instantaneamente, 24 horas por dia, todos os dias da semana, com custos muito reduzidos.

Integrado com a agenda do Banco Central para implementação do open banking no Brasil, o novo serviço promete revolucionar o mercado financeiro e de pagamentos. Atualmente, para realizar transferências via DOC ou TED é necessário informar banco, agência, conta, CPF e nome completo de quem receberá o dinheiro, além de pagar taxas que ultrapassam 10 reais por transferência, nos casos de clientes que não possuem pacotes bancários vantajosos com transferências gratuitas, devido, provavelmente, ao montante irrisório de suas movimentações bancárias. Com o PIX, será preciso informar apenas um dado cadastral, fornecido por quem irá receber, e as taxas para os usuários serão próximas a zero.

Qualquer pessoa que possuir conta corrente, poupança ou meios de pagamento oferecidos por bancos, fintechs ou qualquer outra empresa que se credenciar junto ao Banco Central poderá utilizar a plataforma aberta. Serão obrigadas a participar do PIX as instituições financeiras e de pagamentos com mais de 500 mil contas – mas, surpreendentemente, dos 980 pedidos de cadastro de instituições recebidos até agora pelo Banco Central, apenas 34 instituições se enquadram nos critérios de adesão obrigatória ao PIX, sendo todas as demais inscrições voluntárias.

As instituições que já submeteram ao PIX seus dados para cadastro são dos mais diversos perfis, estando na lista divulgada pelo Banco Central desde os maiores bancos brasileiros, tradicionais e com amplo poder de mercado, até fintechs, algumas ainda não tão populares e outras já bastante consolidadas (como a NuPagamentos, o C6 Bank e o PayPal). Merece destaque o alto número de credenciamentos de instituições atreladas a gigantes do setor de varejo: o Alipay, do chinês Alibaba Group; o Ame Digital, para pagamento e cashback nas Lojas Americanas; o Banqi, da Via Varejo; e o Magalu Pagamentos, do Magazine Luiza. Há muitos aspectos positivos na entrada desses grandes grupos no segmento de mercado financeiro, principalmente, considerando o incremento à concorrência face às instituições bancárias já consolidadas no setor e os potenciais benefícios que essas novas instituições podem trazer ao consumidor, notadamente em termos de fomento à inovação.

Por outro lado, acredita-se que os players que terão os maiores desafios em termos competitivos são as pequenas fintechs, pois questiona-se até que ponto estas poderão competir em igualdade de condições com as instituições já consolidadas no setor e com aquelas que, embora sejam entrantes no mercado, estão vinculadas a grandes grupos econômicos de diferentes setores da economia, conforme instituições listadas anteriormente.

Para tanto, o papel das autoridades concorrenciais – o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) – será essencial em termos de monitoramento do setor, reprimindo eventuais práticas abusivas e exclusionárias de concorrentes e garantindo, assim, um ambiente concorrencial saudável. O CADE já vem mantendo um acompanhamento atento do mercado de meios de pagamento. Recentemente, instaurou investigação envolvendo a parceria entre a Cielo e o Facebook. Além disso, no período de 1995 a 2019, a autarquia julgou 108 atos de concentração direta ou indiretamente relacionados ao mercado de instrumentos de pagamento e iniciou 14 investigações envolvendo, principalmente, acordos de exclusividade, recusa em contratar, tratamento discriminatório, venda casada e cartel, práticas estas que envolviam os 23 principais participantes da indústria de pagamento – emissores, credenciadores e bandeiras.

Otimistas, muitos especialistas do setor financeiro acreditam que o PIX deve democratizar o acesso aos serviços financeiros, diminuindo a desbancarização da população brasileira, favorecendo as instituições menores e mais novas no mercado e criando uma maior oportunidade de entrada no setor, sabidamente marcado pelo poder econômico concentrado em poucos agentes e pela alta verticalização. Com isso, espera-se um ambiente com maior potencial de inclusão financeira, mais agentes ofertantes e menores custos para os usuários (tanto para pessoas físicas quanto para comerciantes, que pagam altos valores de aluguel e taxas para a contratação de POS, as “maquininhas” de cartão).

O principal objetivo da iniciativa do Banco Central com o PIX e com a implementação do open banking é aumentar a eficiência e a competitividade no mercado financeiro e de pagamentos no país, além de fomentar o processo de transformação digital do mercado brasileiro. Tanto o open banking quanto o PIX integram um só mecanismo, sendo tecnologias interconectadas, que conferem interoperabilidade e instantaneidade ao sistema bancário como um todo.

Combinar a inovação trazida pelo open banking, que tende a aumentar a competição, com novas formas seguras de compartilhamento de dados entre concorrentes é o grande desafio das autoridades regulatórias envolvidas com esse mercado. Assim, o Banco Central, a recém-criada Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ente que deveria começar a atuar a partir da vigência da nova Lei Geral de Proteção de Dados, mas que ainda não está em funcionamento) e o CADE devem estar em constante interação e cooperação, com vistas a evitar condutas anticompetitivas, infrações ao sigilo bancário e às novas regras de proteção de dados pessoais.

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*Flávia Chiquito dos Santos é head da área de Direito Concorrencial e Antitruste do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.






*Luisa Marcelino Bono é advogada na área de Direito Concorrencial e Antitruste no escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

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