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Morosidade do Poder Legislativo no meio da pandemia do covid-19: atraso na otimização de oportunidades aos credores e devedores

A questão de tempo no meio dessa pandemia é extremamente importante e o Brasil, em matéria legislativa, está há anos luz de outras medidas tomadas em países latino-americanos e europeus.

5/5/2020

A presente nota visa, de uma maneira resumida, criticar a morosidade do Poder Legislativo nas aprovações necessárias para o combate da crise econômico-financeira que as empresas estão enfrentando desde a decretação do estado de calamidade pública, em razão da pandemia do covid-19.

Todas as mudanças econômicas e legislativas que ocorreram e ocorrerão serão comparadas no estado pré-covid-19 e pós-covid-19. Não poderemos mais indicar que soluções que eram dadas como certas e viáveis em um mundo pré-covid-19 surtirão o mesmo efeito quando derrotarmos a pandemia que estamos vivendo.

No campo jurídico-legislativo, determinadas mudanças devem ser céleres e – em alguns casos – drásticas, a fim de que seja cumprida o fim social. Dessa forma, de forma crítica, os legisladores devem colocar de lado a negociações políticas e trocas de favores para cumprirem as suas respectivas funções determinadas na CF.

No governo de Michel Temer, na clara tentativa de incentivar a retomada da economia brasileira, foi apresentado um substitutivo ao PL 6.229/05, de relatoria do Deputado Federal Hugo Leal (“substitutivo”), que alteraria, de forma significativa, a lei 11.101/05 (lei de recuperações e falência). A expectativa era de uma célere aprovação, o que, de fato, não aconteceu.

Sem adentrar ao mérito do substitutivo em si, o que se presenciou foram alterações de inúmeros artigos e capítulos a cada mês que se passava. Apesar de o substitutivo tramitar em regime de urgência, nada aconteceu.

Com a decretação do estado de calamidade pública, em razão da pandemia do covid-19, o Deputado Federal Hugo Leal apresentou o PL 1.397/20 que “institui medidas de caráter emergencial mediante alterações, de caráter transitório, de dispositivos da lei 11.101/05”. Porém, até a presente data, nem o Substitutivo e nem o último projeto de lei mencionado foram colocados em votação.

Daí, se pergunta qual é o prejuízo para as sociedades empresariais, empresários e respectivos credores por conta da morosidade do Poder Legislativo? De bate-pronto, o prejuízo se dá pela ausência de mecanismos jurídicos para soluções práticas e legais para enfrentarmos a crise econômico-financeira durante a pandemia e os inúmeros novos casos que surgirão no mundo pós-covid-19.

Podemos dizer que um dos mecanismos que poderiam ser utilizados sem a necessidade de inovações por parte dos advogados e magistrados é o financiamento do devedor durante a recuperação judicial (conhecido no mercado como DIP Financing – debtor-in-possession financing).

Em resumo, o DIP Financing é um mecanismo pelo qual o devedor angaria um crédito por meio de um financiamento em seu momento de crise econômico-financeira, para o fim de “financiar suas atividades, as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos” (Art. 69-A, do substitutivo). Trata-se do necessário fresh money para iniciar o processo de recuperação de uma empresa. Para tanto, essa operação de crédito é, usualmente, garantida por bens do devedor, sendo necessária a obtenção da aprovação dos credores e, ato contínuo, chancelado pelo administrador judicial e o juízo da causa.

Dentre um dos benefícios a esse financiador (sujeito ou não aos efeitos da recuperação judicial) é a preferência de recebimento em caso de convolação da recuperação judicial em falência acima de outros créditos, já que o valor financiado será conspirado extraconcursal (art. 69-D, do substitutivo). A exceção a essa regra aplica-se ao financiamento feito por “sócios e integrantes do grupo do devedor ou com pessoa que tenha relação de parentesco ou afinidade até o quarto grau com o devedor” (art. 69-D, § 1º, do substitutivo).

Referido mecanismo no substitutivo está longe de ser exaustivo conforme legislações de insolvência de países referências à nossa lei. Entretanto, é uma semente plantada que poderá ser torna um excelente fruto com o trabalho incansável de todas as partes envolvidas em um processo de insolvência.

Caso tal mecanismo já estivesse vigente, os devedores, credores e terceiros financiadores poderiam se beneficiar das criações trazidas pela lei 13.986, de 7 de abril de 2020 (conversão da MP 897/19).

Entre as novidades trazidas pela lei 13.986/20, destacamos a mudança legislativa referente à possibilidade de empresas estrangeiras ou brasileiras com o controle de capital estrangeiro receberem em garantia (seja por alienação fiduciária ou por hipoteca) imóveis rurais e, em caso de default, conseguirem excutir as aludidas garantias.

No âmbito do agronegócio, por exemplo, há inúmeros grandes players que se enquadram como empresas estrangeiras ou brasileiras com o controle de capital estrangeiro que se viam limitadas ao recebimento de garantias firmes para concessão de linha de crédito. Esse exemplo é perfeitamente replicado em inúmeras áreas da economia brasileira.

Antigamente, com base no parecer da CGU/AGU 01/2008 - RVJ e na decisão liminar proferida na ACO 2.463, em trâmite perante o STF, as aludidas empresas estrangeiras ou brasileiras com o controle de capital estrangeiro podiam deter uma garantia de imóvel rural, porém se viam em uma verdadeira camisa de força por não conseguirem liquidar a garantia.

Obviamente, na presente nota, não vamos abordar que há outras burocracias a serem observadas pelas partes, como, por exemplo, a necessidade de georreferenciar as áreas rurais, com base nos incisos do art. 10 do decreto 4.449/02.

Assim, se o Substitutivo já tivesse sido aprovado, haveria – de certa forma – uma segurança jurídica para que fosse firmado o DIP Financing a devedores em recuperação judicial por meio de empresas estrangeiras ou brasileiras com o controle de capital estrangeiro, as quais, em garantia, poderiam receber imóveis rurais, na forma estabelecida na lei 13.986/20.

Porém, diante da morosidade do Poder Legislativo, não há como afirmar que há uma segurança jurídica adequada para esse tipo de operação.

A questão de tempo no meio dessa pandemia é extremamente importante e o Brasil, em matéria legislativa, está há anos luz de outras medidas tomadas em países latino-americanos e europeus. O que empresários de todos os setores e a comunidade jurídica cobram dos legisladores é celeridade na tramitação de projetos de lei que tramitam em regime de urgência. Novamente, a ajuda deve ser imediata e qualquer ato diferente do imediatismo é uma tentativa em vão de tampar o sol com uma peneira.

Portanto, em razão da morosidade do Poder Legislativo no combate à pandemia do covid-19, nós, advogados, não podemos esperar e temos a obrigação de criarmos alternativas e propormos mecanismos, no âmbito extrajudicial e judicial, a fim de atender os melhores interesses de nossos clientes, com o intuito de evitarmos avalanches de processos de insolvência e decretações de quebras com efeito dominó.

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*Danthe Navarro é advogado, sócio de Navarro & Nuevo Campos Advogados, membro da Comissão de Direito Falimentar e Recuperacional do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo.

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