O vírus denominado Sars-Cov-2, há meses traz enorme tumulto nas mais diversas áreas do cenário mundial, especialmente na saúde, economia, política, bem como no ramo jurídico, não se limitando, mas sobretudo na seara trabalhista nacional.
O decreto legislativo 6, de 20 de março de 2020, reconheceu o estado de calamidade pública decorrente da doença pandêmica que nos assola a todos, a covid-19. A partir de então, o Brasil começou a vivenciar as agruras causadas pelo, popularmente conhecido, coronavírus.
Diante da instabilidade causada pela necessidade de isolamento e diferentes posturas tomadas pelos governos estaduais quanto a suspensão das atividades econômicas, o Direito do Trabalho despontou no âmbito jurídico para tomada de soluções em relação aos impasses fáticos e legais trazidos pela doença que acarretou impactos alheios às vontades das partes.
Com o intuito de apaziguar o panorama de tensão, no dia 22 de março de 2020, entrou em vigor a MP 927/2020, com o fito de garantir a efetividade do princípio da continuidade das relações de trabalho, reconhecendo, inclusive a força maior aplicada às relações jurídicas. Ao ser publicado, causou alvoroço e teve, no dia seguinte, o seu artigo 18, que tratava de suspensão do contrato de trabalho para qualificação profissional do empregado, revogado.
Ato sequente, no dia 1º de abril de 2020, passou a vigorar a MP 936/2020 que dispõe sobre o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, para garantir ao trabalhador o complemento de sua remuneração – Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda – em casos de redução da jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho. A referida MP trouxe, ainda, a possibilidade de negociação individual entre empregado, obedecidos os requisitos necessários, e empregador.
No dia seguinte, foi ajuizada Ação Direta de Inconstitucionalidade, tombada sob o número 6363, com requerimento de concessão de medida cautelar para suspender os artigos da MP 936 que permitem a negociação individual entre empregado e empregador quando da redução da jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho.
[...]devem ser suspensos, a fim de afastar o uso de acordo individual para dispor sobre as medidas de redução de salário e suspensão de contrato de trabalho, o § 4º do art. 11; e o art. 12, na íntegra; bem como das expressões 'individual escrito entre empregador e empregado' do inciso II do art. 7º; 'individual do inciso II do parágrafo único do art. 7º; 'individual escrito entre empregador e empregado' do § 1º do art. 8º; 'individual' do inciso II do § 3º do art. 8º; e 'no acordo individual pactuado ou" do inciso I do § 1º do art. 9º." (pág. 20 da petição inicial da ADI).
A semana do dia 6 de abril começou agitada, por conta da decisão do STF, proferida monocraticamente pelo ministro Ricardo Lewandowski em relação a liminar requerida, deferindo-a parcialmente.
Isso posto, com fundamento nas razões acima expendidas, defiro em parte a cautelar, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que “[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho [...] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes. (grifos acrescidos)
De pronto, notícias,12345 inclusive do próprio site do STF6, veicularam a informação de que os acordos apenas teriam validade mediante aceite da entidade sindical. Esclarecimentos sobre o tema devem ser trazidos.
Podemos extrair do artigo 11, §4º da MP, que há necessidade de informação ao sindicato profissional, por parte do empregador, no prazo de 10 dias, quanto aos acordos individualmente celebrados entre as partes, seja para suspensão do contrato ou redução da jornada com consequente equalização salarial.
A decisão do STF, por sua vez, entendeu e estendeu pela possibilidade de negociação coletiva a ser deflagrada pelo sindicato profissional, ressalvando que a sua inação implica na concordância do acordo pactuado entre as partes, fazendo rememorar o clássico brocardo jurídico: "o direito não socorre aos que dormem."
Percebe-se, pois, que o aceite da entidade sindical não é condição sine qua non para validade do pacto entre empregado e empregador, sendo esta a melhor interpretação da decisão.
De todo modo, algumas reflexões devem ser feitas em relação ao julgamento proferido pelo excelentíssimo ministro.
A constitucionalidade, de fato, sempre foi levantada, não se limitando, mas sobretudo, ao se tratar de redução salarial por negociação individual, devendo ser considerado o art. 7º, VI, da Constituição Federal que exige negociação coletiva nessas situações.
Por outro lado, o momento que vivemos, implica numa análise de cunho preponderantemente principiológico para continuidade das relações de emprego, bem como da livre iniciativa privada, almejando equilíbrio para que sobrevivam as Empresas e os Empregos. A criticidade da situação é tamanha e notória que o momento exige sacrifícios de todas as partes.
O STF, ao decidir sobre a suspensão dos efeitos da MP927, ponderou, através do Ministro Marco Aurélio que "a quadra atual exige temperança, equilíbrio na adoção de medidas visando a satisfação de interesses isolados e momentâneos, isso diante da pandemia que resultou no decreto legislativo 6/2020, por meio do qual reconhecido o estado de calamidade pública."
No caso em questão, temos que a parcimônia também é palavra de ordem quando o ministro Lewandowski fundamenta sua decisão. Vejamos:
Não obstante, o combate aos efeitos deletérios da pandemia que grassa entre nós e em todo o mundo, exige imaginação e flexibilidade, sem que se passe ao largo das recomendações emitidas por organismos internacionais especializados, como a Organização Internacional do Trabalho - OIT, bem assim das medidas adotadas por outros países.
A OIT, recentemente, veiculou orientação na qual reconhece que todas as empresas, independentemente de seu porte, mas particularmente as pequenas e médias empresas, estão enfrentando sérios desafios para sobreviverem, havendo perspectivas reais de declínio significativo nas receitas, insolvência e redução do nível de emprego.
A sentença trouxe interpretação razoável do inciso VI do artigo 7º da Constituição Federal ao conceder, diante do atual cenário, a possibilidade de manifestação sindical, sem invalidar a tomada de decisão entre as partes diretamente envolvidas, mantendo a validade e aplicação da medida provisória.
Contudo e ressaltando, desde já, a devida venia, a decisão trouxe, em sua interpretação prática, uma dificuldade de operacionalização dos acordos permitidos pela MP 936.
Ainda que a validade do acordo individual celebrado não esteja condicionada ao aceite do sindicato, não há, na decisão, o prazo para que a entidade profissional se manifeste quanto ao pacto particular realizado, abrindo ampla margem para discussão relativa à oportunidade de insurgência da categoria profissional.
Numa interpretação global da MP 936/2020 temos o artigo 5º, §2º, II, que preceitua que a primeira parcela do Benefício Emergencial será paga no prazo de trinta dias, contado da data da celebração do acordo, desde que informada ao Ministério da Economia, no prazo de dez dias.
Logo, caso o sindicato entenda por deflagrar a negociação coletiva para validar o feito, deverá (i) se insurgir contra o acordo individual, (ii) iniciar e (iii) encerrar a negociação coletiva em menos de 30 dias para que se não sejam liberados valores ao empregado, onerando os cofres públicos, na mesma medida que a empresa não proceda de forma "irregular" ao fazer valer o acordo pactuado.
Num primeiro momento, a aplicação do artigo 612 da CLT se monstra inadequada, pois, mesmo tratando de celebração de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, se remete às disposições e prazos correspondentes a cada Estatuto Sindical, tornando impraticável a decisão judicial.
Considerando a ausência de prazo legal ou judicial (vez que a decisão não o informou), seria razoável a aplicação do artigo 218, §3º do CPC em consonância com o artigo 769 da CLT.
CLT - Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.
CPC – Art. 218, §3º: Inexistindo preceito legal ou prazo determinado pelo juiz, será de 5 (cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte.
Contudo, não se trata de prazo processual, mas material, razão pela qual os institutos não podem ser trazidos à baila.
Tendo em vista as assertivas acima pontuadas, deve ser considerado um prazo máximo para a oposição sindical.
O ministro relator ressalta a aplicação do artigo 617 da CLT. Vejamos:
Por isso, cumpre dar um mínimo de efetividade à comunicação a ser feita ao sindicato laboral na negociação. E a melhor forma de fazê-lo, a meu sentir, consiste em interpretar o texto da Medida Provisória, aqui contestada, no sentido de que os "acordos individuais" somente se convalidarão, ou seja, apenas surtirão efeitos jurídicos plenos, após a manifestação dos sindicatos dos empregados.
Na ausência de manifestação destes, na forma e nos prazos estabelecidos na própria legislação laboral para a negociação coletiva, a exemplo do art. 617 da Consolidação das Leis do Trabalho será lícito aos interessados prosseguir diretamente na negociação até seu final.
Necessário se faz colacionar do dispositivo legal:
Art. 617 - Os empregados de uma ou mais emprêsas que decidirem celebrar Acordo Coletivo de Trabalho com as respectivas emprêsas darão ciência de sua resolução, por escrito, ao Sindicato representativo da categoria profissional, que terá o prazo de 8 (oito) dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados, devendo igual procedimento ser observado pelas emprêsas interessadas com relação ao Sindicato da respectiva categoria econômica.
Da decisão interpretativa realizada pelo excelentíssimo Ricardo Lewandowski entende-se, pois, que o prazo para que o sindicato profissional se manifeste, a princípio é de 8 dias após o recebimento da comunicação e, considerando o intuito da MP de tornar célere as transações realizadas, devem os prazos considerar dias corridos, posto que assim foram, de modo geral, fixados no texto publicado. Devemos, todavia, observar a redução pela metade dos prazos contidos no título VI do texto consolidado, conforme previsão do artigo 17, III da MP 936/2020, cabendo manifestação pela entidade protetiva no prazo de 4 dias corridos.
O que se espera, diante de todo o raciocínio trazido, é a boa-fé das entidades sindicais para que não utilizem a decisão proferida e ora discutida como um valhacouto jurídico para postergar, sem fundamento razoável, a aplicação da MP 936/2020 e os acordos entabulados, pois, antes mesmo de ter a Empresa prejudicada, o trabalhador é quem mais sofrerá com o atraso do pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda. E se o Sindicato Profissional é o zelador do direito dos trabalhadores, também deve ter temperança e razoabilidade nesse momento de crise Social, Econômica e Financeira de ordem mundial para que todas as partes saiam como o mínimo possível de prejuízo.
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2 Ministro do STF decide que acordo individual precisa de aval de sindicato para redução de salário.
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