A presente nota visa demonstrar, de forma suscinta, que apesar dos impactos sociais e econômicos advindos da atual pandemia, há soluções práticas e viáveis para a recuperação de créditos estressados, além de uma forma de possibilitar um meio de liquidez e mitigação de risco para instituições financeiras, por meio de venda de carteira de crédito para fundos especializados em distressed assets.
Até a presente data, empresários, economistas e advogados não conseguem auferir o real reflexo econômico que a pandemia do covid-19 gerará nas empresas de todos os portes, principalmente pequenas e médias empresas, cujo fôlego é pequeno para sobreviver ao longo do tempo sem geração de caixa. Por consequência disso, há uma retração de investimentos, perda de faturamento e queda do fluxo de caixa, demissão de trabalhadores em massa, ausência de recolhimento de tributos etc.
Nesse cenário de célere derretimento de ativos e baixa liquidez no mercado, é necessário que haja uma série de medidas cirúrgicas por parte da União, Estados e municípios para auxiliar os membros da sociedade que serão os maiores impactados com a crise.
De imediato, os órgãos governamentais suspenderam o recolhimento de determinados tributos, fizeram inclusões substanciais no projeto de alteração da Lei de Falência e Recuperações de Empresas (pendente de aprovação), zeraram alíquotas de importação de produtos que serão utilizados no combate do covid-19, além de flexibilizarem regras de contrato de trabalho, como a redução da jornada de trabalho e salários dos funcionários. Dentro desse contexto trabalhista, verifica-se que a – tão criticada – reforma trabalhista é colocada em teste nesse momento, já que houve a implementação forçada do sistema de trabalho home office, além da alteração de regime de contratos de trabalho.
Sem adentrar ao mérito da reforma trabalhista, das implementações adotadas e da dualidade entre a proteção à saúde ou à economia, somente saberemos o real impacto social e econômico interno e externo com a estabilidade da pandemia.
Na atual conjuntura dos fatos e em analogia à empresas que estão em crise econômico-financeira, é necessário um esforço em conjunto dos entes federativos e instituições financeiras, a fim de que haja o alongamento das dívidas e concessão de crédito no curto prazo.
Em outras palavras, apesar da proposta vigente governamental – o que não se mostra suficiente para o rombo criado –, o impacto do covid-19 será, provavelmente, uma nova enxurrada de medidas para recuperação de crédito e pedidos de recuperações judicial e extrajudicial, em parâmetros vividos no período após a crise do subprime americano de 2008 e após as operações da Lava Jato entre 2015 e 2017.
Assim, a quantidade de non-perfoming loans aumentará exponencialmente, o que, somado com as carteiras de crédito estressado antes da pandemia, gerará um volume nunca visto e causará impactos inimagináveis em instituição financeiros e no andamento do Poder Judiciário.
Esse cenário trará oportunidades para fundos especializados em adquirir crédito estressados (distressed assets) por um preço mais atrativo, em função da própria liquidez necessária ao mercado e o aumento significativo do risco do crédito.
Como dito acima, as instituições financeiras que optarem por vender a carteira de créditos estressados minimizarão o impacto de um volume de requisições de rolamento de dívidas ou prováveis default de diversas operações. Sem qualquer perspectiva de alteração no mercado com a mitigação do risco, o rolamento de dívidas pode ser a postergação de um crédito de difícil recuperação.
A partir daí, surge a possibilidade de uma nova abertura de crédito. De maneira prudente, enquanto não houver uma estabilidade econômica, haverá uma escassez de crédito no âmbito privado, em razão do altíssimo risco. Assim, para o auxílio de medidas que os governantes deverão disponibilizar para remediar a crise nas pequenas e médias empresas, será necessária a concessão de garantias para as instituições financeiras privadas.
Isso porque imagina-se que as pequenas e médias empresas dificilmente terão novos bens móveis e imóveis livres de quaisquer ônus para dar em garantia para conseguir uma nova linha de crédito e minimizar os riscos das instituições financeiras. Há a possibilidade também de o empresário não querer dispor de seu patrimônio pessoal para postergar o fôlego de sua sociedade sem qualquer indicação do possível retorno das atividades empresariais.
Nesse cenário, há três hipóteses: (i) não será concedido o novo crédito; (ii) as instituições financeiras privadas e públicas assumem para si o risco do crédito com uma taxa exorbitante e com enorme chances de default; ou (iii) a União, por meio do Tesouro Direto, cria um fundo para garantir as novas operações, minimizando o impacto financeiro para os beneficiários do empréstimo.
Os principais economistas e empresários mundiais opinam – de forma correta – sobre a necessidade de inserção de dinheiro novo com o intuito de retomar as operações do dia-a-dia de cada sociedade e, por consequência, gerar uma reação em cadeia em cada segmento da economia. Nesse contexto, as duas primeiras opções indicadas no parágrafo anterior não auxiliarão a retomada econômica brasileira, sendo provável a criação de um caos de créditos não performados e uma verdadeira corrida no Poder Judiciário para penhorar eventuais ativos da sociedade e seus garantidores, em grande maioria, os próprios sócios.
Por sua vez, a terceira opção mostra-se interessante para estimular a concessão de crédito privado e, em caso de default, o Tesouro Direto, por meio de um fundo a ser criado, assumirá a dívida, podendo, posteriormente, cobrá-la em juízo ou até mesmo formar e vender uma carteira de créditos não performadas para os fundos especializados no assunto.
Por óbvio, diferentemente de instituições privadas, serão necessárias as criações e observações de determinadas regras. Porém, é um mecanismo que poderá fazer a roda gigante da economia brasileira a girar e minimizar, no máximo possível, os impactos da pandemia do covid-19.
Portanto, observa-se que, dentro desse cenário, há duas grandes chances para a aquisição de carteiras de créditos estressados. A primeira oportunidade é de forma imediata, a partir de aquisição de carteira de créditos estressados de instituições financeiras privadas. Já a segunda oportunidade existirá com o decorrer do tempo, por meio de venda de créditos pelo fundo do Tesouro Direto a ser criado pela União.
De toda forma, na linha do interesse do adquirente dos créditos estressados e visando mitigar o risco de prejuízo na operação, a sugestão é a aquisição de uma carteira de créditos não performados, em vez de uma operação singular não performada, a fim de ampliar a margem de negociação e o leque de possíveis penhoras.
Na medida do possível, a mencionada carteira de crédito deverá ser previamente analisada, a fim de se verificar o grau de probabilidade de recuperação dos créditos em curto ou longo prazo.
Por fim, destaca-se que a aquisição de créditos estressados com posterior recuperação poderá gerar grandes ganhos para as empresas especializadas nesse ramo, além de auxiliar o fomento da economia brasileira, já que as empresas devedoras poderão retirar a dívida do balanço patrimonial e aumentar o rating de crédito.
Ainda, essas operações tendem a ter um certo grau de facilidade no modelo de negociação entre o devedor e o novo credor, podendo ter um considerável deságio do valor de face da dívida e meios alternativos de pagamento, como, por exemplo, dação em pagamento de bem imóvel de terceiros.
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*Danthe Navarro é sócio do escritório Navarro & Nuevo Campos Advogados. Membro da Comissão de Direito Falimentar e Recuperacional do IASP.