1. A calamidade pública gerada pelo coronavírus e a necessidade de providências excepcionais do estado
No dia 11 de março de 2020, a OMS declarou pandemia1 da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2)2. Essa situação, de gravidade atípica, gerará reflexos ainda imensuráveis nas ordens social e econômica e, naturalmente, acarretará crise no sistema público e privado de saúde – como já vem acarretando em seus primeiros dias –, assim como no ordenamento político-jurídico como um todo, de forma a desafiar as autoridades administrativas e a população a adotarem medidas inéditas de superação.
Diante desse cenário de emergência mundial, são exigidas do poder público medidas preventivas e repressivas, excepcionais e definitivas, de controle e provimento, para as quais as ferramentas já existentes no Direito Administrativo se mostram ineficientes. Situações drásticas e incomuns, como a calamidade gerada pela covid-19, exigem do poder público providências excepcionais. Com isso não se quer dizer que as medidas clássicas de controle e provimento administrativo não serão utilizadas, mas que o panorama ímpar já tem demonstrado que essas providências serão insuficientes para controlar o impacto da pandemia nas relações entre administração e administrados e entre particulares.3
As ferramentas excepcionais já existentes de controle de situações emergenciais e calamitosas já mitigam a visão rígida e tradicional do princípio da legalidade – de acordo com a qual a administração pública somente poderia atuar se autorizada pela lei, sem qualquer margem de inovação –, para viabilizar atuações administrativas normativas ou concretas, caracterizadas como urgentes, excepcionais, temporárias e proporcionais, baseadas no princípio da juridicidade. Não obstante, as medidas necessárias para a superação do panorama atual de crise mundial, evidentemente, flexibilizarão, ainda mais, a legalidade administrativa.
Ou seja, em períodos de excepcionalidade, é possível que o princípio da legalidade seja flexibilizado para encampar decisões não pautadas somente na lei, mas na necessidade emergencial dos administrados. Essa emergência e a noção mitigada de legalidade não permitem a distinção intransponível entre atos vinculados e discricionários, mas somente a diferenciação em seus diferentes graus de vinculação. Segundo Binenbojm, “ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, geralmente, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos”.4
Nesse aspecto, o controle judicial dos atos administrativos, em períodos emergenciais, não segue a lógica puramente legalista, mas deve atentar também para procedimentos, competências e responsabilidades da administração pública, sempre em prol do atingimento do interesse da coletividade, à luz da CF. Esse controle deve ser tão denso quanto maior for o grau de restrição imposto à atuação administrativa. Em outras palavras, nos campos mais complexos e dinâmicos de atuação administrativa, a intensidade do controle deve ser menor do que nos campos de atuação mais restrita.
No Brasil, a despeito da legislação já existente sobre ações de vigilância epidemiológica adotadas no âmbito do SUS,5 optou-se pela promulgação de legislação específica para fixação de normas sobre o enfrentamento do novo coronavírus. A lei 13.979/20, fixou normas sobre as medidas para o enfrentamento da pandemia e tem a sua vigência restrita à duração do estado de emergência internacional, cabendo ao ministério da Saúde a edição de atos normativos necessários à sua regulamentação e operacionalização.
De acordo com o regramento legal, foram estabelecidos direitos e deveres aos administrados, limitações às liberdades individuais, obrigação de informação pelo poder público, flexibilizações ainda maiores nas contratações federais e estaduais, dentre outras medidas que dão maior discricionariedade para administradores e gestores ao lidar com a situação que se apresenta.6 Paralelamente à lei federal, desde o dia 11 de março de 2020, diversos entes da Federação publicaram decretos para regulamentar as medidas temporárias para prevenção e combate ao novo coronavírus7, e inúmeras decisões judiciais foram tomadas no sentido de flexibilizar regras de organização administrativa.8
Diversas das medidas elencadas na nova legislação já podiam ser adotadas pela administração pública, com fundamento nas normas constitucionais e legais vigentes. Não obstante, a lei 13.979/20 tem o mérito de garantir maior segurança jurídica aos gestores públicos e aos particulares, na adoção de medidas restritivas de direitos, inclusive com a estipulação de limites à atuação administrativa, de forma a prevenir arbitrariedades. Os atos normativos em questão fixam medidas temporárias que podem e devem ser revistas, periodicamente, com o objetivo de verificar a necessidade de permanência, de alteração ou de revogação dos seus comandos excepcionais, à luz da realidade fática apresentada.
Não obstante, diante do quadro emergencial que se apresenta no mundo, a legislação que normatiza o presente período de calamidade pública pode ser insuficiente diante da realidade fática, o que demandará do aplicador da lei alto grau de responsabilidade nas medidas que adotar. Por outro lado, os administradores e gestores, diante da calamidade pública e das necessidades providenciais que se apresentam, não podem, simplesmente, se eximir de decidir, sob o argumento de que não há previsão legal para tanto.
Evidentemente, isso não significa “cheque em branco” aos agentes públicos competentes. As ações ainda devem ser pautadas nos limites fixados no ordenamento jurídico, sob pena de responsabilidade. Se, por um lado, o Estado não pode se manter inerte às necessidades ímpares da população neste momento de crise, por outro, suas condutas não podem dar margem a decisões arbitrárias e infundadas, em desrespeito à finalidade das ferramentas administrativas emergenciais.
O liame é tênue entre a maior discricionariedade do administrador no momento de calamidade pública, em virtude da necessidade social patente, e a observância dos limites do ordenamento jurídico para sua não responsabilização, ainda mais diante de uma situação nunca antes existente. Isso se agrava pelo contemporâneo enredo punitivista contra os agentes públicos, que, para evitar possíveis sanções futuras, muitas vezes, deixam de realizar a conduta necessária ao atendimento do real interesse público.
O administrador público, impelido pela necessidade de respostas providenciais à população, não pode ser tolhido pelo receio de futuras responsabilizações desmedidas, sem que se leve em consideração o enredo fático instalado, o período de transição de normas administrativas e a segurança jurídica dos administrados. Nesse sentido, as alterações da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, feitas pela lei 13.655/18,9 são providenciais para assegurar os parâmetros de atuação do gestor público nesse momento de crise, de maneira que possuem relevância inquestionável na delimitação dos atos administrativos atuais, bem como na avaliação de responsabilização futura por algum tipo de excesso.
2. As alterações da lei de introdução às normas de direito brasileiro e sua interface com o direito público
Com influência dos temperamentos impostos ao princípio da legalidade estrita, desde o surgimento do Estado de Providência, e da realidade atual, que impõe a segurança jurídica, a estabilidade das relações e a confiança legítima da iniciativa privada em suas relações com a administração pública, notou-se necessária norma que instaurasse o “controle do controle” administrativo, remodelando o conteúdo funcional de suas atividades, a fim de considerarem as implicações das decisões sob o enfoque do caso concreto, das consequências e das soluções alternativas.
Isso porque, como a aplicação do direito envolve interpretações, ponderações e valorações, a instabilidade normativa também se faz perceber na atuação da administração pública e do Poder Judiciário. Nota-se a ausência de homogeneidade na atuação de seus órgãos e nas alterações de direcionamentos jurisprudenciais.
Por isso, recentemente, a LINDB foi alterada pela lei 13.655/18 e incorporou regras de interpretação para, efetivamente, guiar o direito público.10 Especificamente em relação ao Direito Administrativo, essa expansão foi facilitada pela inexistência de legislação administrativa sistematizada.11
As alterações na lei buscaram reforçar a segurança jurídica e ponderar algumas insuficiências da norma anterior na criação e aplicação do direito público. Em face das contínuas modificações introduzidas pela técnica de satisfação das necessidades coletivas, bem como pelo enredo político e social, o aplicador da norma se encontra, frequentemente, a frente do desafio de fazer incidir as leis em situações não previstas - como se observa no presente caso de pandemia. Segundo Carlos Ari Sundfeld, as modificações visaram “um direito público baseado em normas e em evidências, e não idealizações, e que leve em conta a realidade da gestão pública brasileira”.12
As mudanças ocorridas na LINDB não representam, em sua totalidade, novidade no sistema jurídico brasileiro. De fato, o aplicador do Direito Administrativo já está habituado a fazer aquilo que está escrito na lei. Contudo, essa forma desconsiderava os resultados e a realidade apresentada para delimitação do interesse público. As alterações trazidas buscaram ajustar esse ponto, de maneira a considerar a realidade do administrador frente ao caso concreto, bem como o impacto de suas decisões.
As regras da LINDB configuram normas gerais de criação, interpretação e aplicação do ordenamento jurídico como um todo, indistintamente, aos segmentos do direito público e do direito privado e possuem quatro principais eixos: (i) a segurança jurídica de cidadãos e de empresas diante do Estado; (ii) a segurança na atuação dos administradores públicos; (iii) a democratização e aumento da transparência da administração; e (iv) a valorização das consequências de cada decisão tomada na realidade prática de quem decide.13 São, portanto, “sobrenormas” no ordenamento brasileiro – regras de sobredireito, que devem ser observadas por todos os entes da Federação, pelos órgãos de controle e pelo Poder Judiciário.
Suas alterações, entre outros objetivos, buscaram enfrentar a realidade daquele que decide no dia-a-dia da administração, para evitar abusos nas responsabilizações posteriores. Dessa forma, o conteúdo de suas normas reverbera de maneira excepcional diante da realidade de calamidade pública que se apresenta, a fim de garantir segurança àqueles que tomarão as decisões em prol da sociedade. Nada mais contemporâneo do que avaliar a conduta do administrador nas delimitações fáticas excepcionais apresentadas, como maneira de evitar que, posteriormente, esse agente seja responsabilizado, de maneira arbitrária, por ter agido ou por ter deixado de agir em determinado sentido.
O primeiro dispositivo introduzido pela lei 13.655/18 à LINDB, o art. 20, declara que “não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”.14 Sob a perspectiva desse dispositivo, portanto, a legalidade não basta: é preciso que a sejam levadas em consideração as consequências práticas da decisão.
A ementa da norma identifica a criação e aplicação do Direito Público visando à eficiência, como âmbito material específico de aplicação dos seus preceitos, e centra-se em decisões baseadas em “valores jurídicos indeterminados”15. Isso porque registra-se, atualmente, o uso crescente de termos abstratos que refletem valores jurídicos16 e, embora tais feições se apresentem na sociedade, a norma procura limitar as decisões tomadas por agentes públicos a um grau de certeza e de segurança, para que não se sobreponha o caos da atuação administrativa.
Um dos pontos centrais para a compreensão do art. 20 está na vedação a decisões isoladamente motivadas em valores abstratos. A justificativa para tanto está na constatação de que se confere força normativa aos princípios, não só nas omissões, mas em quaisquer casos. Nesse mister, a simples invocação abstrata de valor seria insuficiente para conformidade da decisão, sendo imprescindível avaliar as consequências que dela ocorram.17
Por óbvio, o art. 20 e seu parágrafo único não vedam o uso de termos jurídicos indeterminados, mas somente sua invocação singela, única, sem justificativa e sem consideração de possíveis efeitos práticos. O que se requer do agente público é a perspectiva dos elementos envolvidos em sua decisão, para que se possa avaliar de maneira prospectiva sua medida e as suas consequências práticas.
O art. 20, parágrafo único, da LINDB, complementa os requisitos da lei 9.784/99, que determinam que a motivação, no processo administrativo federal, seja clara, explícita e congruente.18 Valendo-se dos clássicos aspectos do princípio da proporcionalidade, menciona a “necessidade e adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas”.19
É por meio da motivação que deve ser demonstrada a necessidade e adequação da medida utilizada, inclusive em face de possíveis alternativas. Ou seja, o dispositivo determina que, além de esclarecer os motivos utilizados para a decisão, o intérprete deve indicar que a alternativa selecionada tem resultados mais positivos em relação às demais. Se a situação objeto da decisão puder sem enfrentada com outra decisão ou medida, o agente deve explicar a razão de sua escolha, em detrimento de outra.
Esse dispositivo se aplica, tanto no momento de tomada de decisão pelo administrador público, quanto na posterior avaliação de seus atos pelos órgãos controladores. É imprescindível que a decisão do gestor, na administração da crise, não se paute somente em conceitos jurídicos indeterminados, mas na justificativa e motivação objetivas da necessidade da medida. Da mesma forma, na aferição de possíveis excessos ou irregularidades cometidas por esse administrador, o julgador deve se pautar em argumentos sólidos e concisos, que levem em consideração conceitos concretos.
Enquanto o art. 20 estabelece que, para decidir-se por meio de valores jurídicos abstratos, é preciso considerar as consequências práticas da decisão, o art. 21 da LINDB20 aprofunda essa obrigatoriedade ao transparecer a importância conferida ao caráter concreto das consequências das decisões invalidativas tomadas na esfera administrativa, controladora e judicial.21 Ao determinar que o processo se comprometa com os resultados práticos de sua decisão, a norma objetiva aproximar as decisões de autoridade dos efeitos que provocam na vida real, o que faz com que se redobre a responsabilidade de quem decide.
De maneira diversa do que se pode imaginar, encorpar decisões com suas consequências não reforça o caráter instrumental do direito ou torna, necessariamente, mais vulneráveis os gestores e controladores, mas serve para protegê-los. À medida que se conhece o contexto da decisão e as consequências envolvidas nessa escolha, fecha-se o escrutínio do exercício da função administrativa em concreto.
Evidentemente, o gestor, o controlador ou o juiz não precisarão produzir todas as respostas em temas para os quais não tenham aptidão. Mas é necessário que o processo administrativo seja manejado em fomento às partes, a prover estudos de substância capazes de formar a convicção do julgador e amparar suas justificativas. Cumpre a esses agentes provocar o debate e demandar os fundamentos de amparo às suas decisões.
No mesmo sentido, o art. 22 da LINDB22 determina que, na interpretação das normas de gestão, sejam considerados os obstáculos e as dificuldades reais dos gestores e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo do direito dos administrados. Ademais, devem ser levadas em consideração as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a atuação do agente.
A mensuração do quadro fático é essencial para um ou outro resultado. Nesse sentido, o art. 22 pretende que seja inafastável a conexão entre o quadro normativo e o quadro fático real, de maneira que o intérprete se aloque entre o homem-concreto que aplicou o direito e a máquina estatal específica que o condicionava. A partir disso, fica estabelecido que normas de gestão pública devem olhar para a realidade, no sentido de que sua interpretação não leve a ferro e fogo soluções impossíveis para a lógica do local em que está sendo aplicado.
No final do dispositivo do art. 22, há a ressalva “sem prejuízo dos direitos dos administrados”. Está explícita, assim, a proibição de uso desse dispositivo para indeferir, de maneira generalizada, os pleitos dos administrados perante a administração, sob o fundamento de que a realidade fática não lhe teria dado condições de atuar.
Na avaliação do quadro de pandemia que se apresenta, é necessário levar em consideração as mensurações de consequências feitas pelos gestores, a fim de determinar medidas como a quarentena, a restrição de liberdades, o aumento do poder de polícia, entre outros. Essa avaliação não pode ser desconsiderada, posteriormente, na avaliação dos atos administrativos praticados. O enredo fático deve ser levado em consideração tanto agora, no momento em que a emergência se apresenta, quanto na verificação futura dos atos probos ou ímprobos do agente público.
O art. 23 da LINDB consagra dois institutos extremamente relevantes para a garantia da segurança jurídica nas relações entre o Estado e a sociedade: os regimes de transição23 e a modulação dos efeitos de decisão administrativa baseada em novo entendimento. Com isso, o legislador buscou proibir que o Estado abandone um entendimento e adote outro, desconsiderando os custos e o tempo necessário para que os administrados se adaptem ao novo cenário.
O aumento da segurança jurídica de uma sociedade depende, basicamente, dos seguintes fatores: (i) um ordenamento jurídico posto, redigido, estruturado, claro e acessível, que possa orientar com simplicidade os comportamentos sociais; (ii) a existência de mecanismos que garantam a previsibilidade, a proteção da confiança e posições jurídicas legítimas; e (iii) a disposição de remédios judiciais e administrativos de tutela dos interesses atingidos por ataques que gerem incertezas.24 A previsão de o Estado adotar regime de transição ao estabelecer nova interpretação à norma de conteúdo jurídico indeterminado se enquadra na segunda categoria de fatores que garantem a segurança jurídica.
É possível que o cenário atual modifique, definitivamente, relação administrativas futuras, abandonando concepções antigas, ainda que consagradas. Contudo, ao fazê-lo, é imprescindível que se preveja regime de aplicação gradual, que leve em conta a realidade e as dificuldades que essa adaptação social envolve.
A novidade do art. 23 não está na previsão de regimes de transição pelo Estado, uma vez que esses regimes sempre existiram, mas no estabelecimento de um dever de estruturação e oferta do regime de transição aos destinatários atingidos por nova interpretação que lhes atinja. Essa norma é complementada pelo art. 24, que impede a declaração de invalidade de situações plenamente constituídas em virtude de revisão com base em mudança posterior de orientação geral. Por um lado, essas regras reforçam a vedação de aplicação retroativa de nova interpretação; por outro, permitem a modulação dos efeitos para o cumprimento de novas obrigações.
O art. 2425 diz respeito aos processos de invalidação dos atos administrativos e judiciais, de forma a impor que sejam levadas em consideração as orientações gerais da época em que esses atos tenham sido praticados. Dessa forma o dispositivo se conecta, diretamente, com o sentido de ampliação da segurança jurídica.
Em síntese, o dispositivo possui dois comandos: (i) a revisão dos atos levará em conta as orientações da época em que foram editados; e (ii) a vedação de que se declarem inválidas situações plenamente constituídas com base em mudança posterior de orientação geral. O primeiro comando tem sentido flexível, com a possibilidade de modulação de efeitos de uma decisão de invalidade e com a avaliação de que, no momento da prática do ato questionado, poderia haver orientações gerais menos precisas a induzir a conduta dos interessados. O segundo comando tem sentido mais rígido, porque cria hipótese de vedação de invalidação. A lei explicita que posterior alteração da orientação geral não pode servir como fundamento de invalidação do ato.
O objetivo do dispositivo é impedir que alterações nas orientações gerais sejam o fundamento para a invalidação de atos já aperfeiçoados. Por outro lado, evidentemente, esse artigo não impede a invalidação de atos ilegais que não tenham relação com orientação geral ou que constituam práticas ilegais – ainda que reiteradas e reconhecidas – em curso de questionamento no âmbito da administração ou do judiciário. Tampouco a lei veda que a administração altere seu entendimento para a prática futura de atos. A regra do art. 24 aplica-se somente para atos já aperfeiçoados, que já tenham entrado, validamente, no ordenamento jurídico.
Assim, é possível que as normas, hoje provisórias, sejam aperfeiçoadas à medida que a crise for se transformando e modifiquem a realidade já aperfeiçoada dos administrados. Contudo, essa evolução de entendimentos não pode dar margem para arbitrários cancelamentos de condições já adquiridas. Da mesma forma, o dispositivo dá margem de flexibilidade ao administrador, desde que module os efeitos de suas decisões, a fim de não prejudicar os administrados.26
O art. 2627 trouxe disposições que não inovaram as formas da administração pública, uma vez que já era permitido que o agente praticasse as condutas descritas no novo dispositivo.28 Não obstante, sua implementação teve por objetivo reforçar a segurança jurídica, a publicidade, a economicidade, a eficiência, a transparência e a capacidade de autotutela da administração, por dispor de procedimentos necessários para suas decisões.
A lei trouxe um permissivo genérico à celebração de acordos e a negociações na administração pública e entre autoridades públicas e particulares. A inserção desse dispositivo é mais um exemplo da perda de centralidade do ato administrativo, evidenciando a passagem de um direito autoritário para um direito baseado em acordo de vontades, à luz do aumento da complexidade contratual da administração.
Há expressa autorização para que o poder público realize consulta pública para a celebração de compromisso com os interessados, para eliminar irregularidades, incertezas ou situações contenciosas na aplicação do direito público. O que se busca não é o consenso em relação à vigência da norma, e sim a melhor interpretação a ela aplicável, levando-se em consideração a constatação do alto grau de indeterminação de grande parte das normas jurídicas. A nova lei retira do gestor público a responsabilidade de buscar a melhor interpretação da norma, atribuindo-lhe a alternativa de solução negociada.
O art. 27 da LINDB29 autoriza a imposição, pela autoridade, de compensação, em prol daquele que tenha sofrido prejuízos anormais ou injustos30, ou que tenha auferido benefícios indevidos resultantes do processo ou da conduta, comissiva ou omissiva, dos envolvidos no âmbito judicial, administrativo e controlador. Isso quer dizer que não abrange somente a conduta da outra parte da relação processual, como também a da autoridade e do órgão responsável pela decisão.
A determinação do art. 27 engloba, pelo menos, duas espécies de compensação: (i) a restauração da situação anterior; ou (ii) o arbitramento de indenização equivalente ao prejuízo sofrido pela parte. Não obstante, há margem para se cogitar inúmeras formas de compensação, visto que não há vedação normativa para tanto.
O dispositivo exige a prévia oitiva das partes acerca dos termos da compensação, em homenagem ao princípio do contraditório. De acordo com Dinamarco e Lopes: “O exercício do poder só se legitima quando preparado por atos idôneos segundo a Constituição e a lei, com a participação dos sujeitos interessados”.31
Animado pelo propósito de fomentar a segurança jurídica, o legislador tratou da responsabilidade do agente público em suas relações com o Estado, no art. 28 da LINDB, o qual determina que “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.32 A ideia do dispositivo foi restringir a responsabilidade às hipóteses de dolo e erro grosseiro, excluindo de sua avaliação a culpa leve, no intuito de proteger o agente público que praticou o ato cuja análise viesse a ser feita em processo que gerasse decisões.33
A norma visa a estabelecer limites à responsabilização do gestor público e dos demais profissionais que emitem opiniões técnicas na administração, a fim de eliminar efeitos deletérios decorrentes do temor em relação a uma possível responsabilização. Isso porque a insegurança em torno da responsabilidade dos agentes de boa-fé nitidamente fazia com que eles optassem por não decidir, especialmente em situações delicadas – efeito esse que passou a ser chamado de “apagão das canetas”. Além disso, essa insegurança incentivava a adoção de posturas mais conservadoras, ainda que não fossem as melhores cabíveis.
A inovação legislativa constante do art. 29 da LINDB34 refere-se ao alargamento da consulta pública para a atividade normativa da administração pública e ao seu possível emprego para a atividade normativa em geral.35 O artigo exclui, expressamente, a possibilidade de submissão, à consulta pública, de atos de mera organização interna – atos de disciplina interior da administração pública, como decorrentes de seu poder hierárquico, por exemplo – a fim de que não sofram interferências de interesses particulares, contrários à eficiência administrativa.
A finalidade do dispositivo é permitir a participação popular no processo de edição de atos normativos gerais. Ou seja, antes de editar um ato normativo geral (portaria, decreto etc.), com exceção dos atos de administração interna, a autoridade pode dar oportunidade de manifestação a todos aqueles que desejem opinar sobre seu teor.
O dispositivo não impõe requisitos específicos para o tipo de ato normativo que pode ser submetido à consulta pública e não exige que o assunto tratado seja de interesse geral, nos moldes do que já determinava a lei 9.784/99, em seu art. 31. Assim, as alterações da LINDB dão grande margem de discricionariedade para a autoridade administrativa.
Por sua vez, o art. 3036 estimulou a estabilidade das interpretações jurídicas ao impor o dever de se tutelar a segurança jurídica na aplicação das normas. Para trabalhar com a incerteza jurídica decorrente da frequente necessidade de interpretação de conceitos jurídicos indeterminados, a LINDB prescreve a adoção de regulamentos, súmulas e respostas a consultas.37
O parágrafo único do art. 30 prescreve a autovinculação administrativa dos órgãos que produzirem regulamentos, súmulas ou respostas à consulta pública, até ulterior revisão. Essa norma tutela tanto a estabilidade das práticas administrativas quanto a submissão do poder público ao princípio da igualdade e visa a assegurar a coerência e estabilidade decisória, impedindo que casos ulteriores semelhantes sejam, arbitrariamente, decididos de modo diverso. Não se nega a necessidade de mudanças interpretativas a entendimentos jurídicos consolidados, porém tais alterações não podem ser abruptas ou contraditórias, tampouco fruto do compromisso do intérprete com convicções pessoais.
Portanto, é possível perceber que as alterações trazidas pela LINDB, em 2018, têm como objetivo três aspectos principais: (i) considerar a realidade do administrador no desempenho de suas funções; (ii) aumentar o diálogo entre administração e administrados; e (iii) dar segurança jurídica aos gestores e cidadãos, para que possam prever as consequências de suas ações e, a partir disso, calcular suas atitudes.
Por ser norma de sobredireito, deve ser analisada em consonância com o ordenamento jurídico público e privado, a fim de ajustá-los a essa nova perspectiva. As demais normas administrativas, dessa forma, devem ser interpretadas à luz desses novos paradigmas, que superaram conceitos autoritários da matéria.
No atual período de enfrentamento de pandemia, se faz ainda mais oportuno que essas normas sejam colocadas em prática para assegurar a segurança jurídica necessária aos administradores e administrados, de forma que aqueles não fiquem paralisados e amedrontados nesse momento de crise mundial, mas sejam agentes de provimento de solução de problemas sociais e econômicos; e que estes não fiquem a mercê de modificações administrativas e judiciais que retirem direitos adquiridos sem qualquer regime de transição, garantia ou responsabilidade social.
Evidentemente, as mudanças da lei não devem ser interpretadas de forma a permitir abusos e ausências de responsabilizações, contudo, é necessária cautela na avaliação das condutas públicas, principalmente depois de superado o período de instabilidade. É preciso que nessa avaliação não sejam esquecidos o cenário atual, a necessidade imediata de provimento social e a ausência de ferramentas adequadas para situações dessa grandeza.
3. Os impactos da pandemia de convid-19 nas ações de improbidade administrativa à luz das alterações da lei de introdução às normas do direito brasileiro
Definir conceitualmente um ato de improbidade pode revelar-se um desafio. A expressão “improbidade administrativa” foi inserida pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro na CF/88, em seus arts. 15, V; e 37, parágrafo 4º, e se tornou sinônimo de corrupção e malversação administrativas, a exprimir a atuação pública em desconsideração com os princípios constitucionais expressos e implícitos. Para maior parte da doutrina, exemplificada por Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:
A improbidade não está superposta à moralidade, tratando-se de um conceito mais amplo que abarca não só componentes morais com também os demais princípios regentes da atividade estatal, o que não deixa de estar em harmonia com suas raízes etimológicas. Justifica-se, pois, sob a epígrafe do agente público de boa qualidade somente podem estar aqueles que atuem em harmonia com as normas a que estão sujeitos, o que alcança as regras e os princípios. [...] Os atos de improbidade administrativa encontram-se descritos em três seções que compõem o capítulo II da lei 8429/92; estando aglutinados em três grupos distintos, conforme o ato importe em enriquecimento ilícito (art. 9º), cause prejuízo ao erário (art.10) ou tão somente atente contra princípios da administração pública (art. 11)”.38
Do conceito doutrinário, advindo da lei, é possível perceber que a improbidade não alcança somente atos de corrupção pública, aqui entendida como uso de poderes públicos para fins privados, mas também as distorções inerentes à desorganização administrativa, ao desgoverno e à ineficiência endêmica. Isso decorre da estreita relação histórica entre o dever de probidade e os crimes de responsabilidade, o que, talvez, constitua berço de confusões.39
Apesar de a CF e a lei 8.429/92 tentarem romper com a tipicidade ampla dos casos de improbidade, de maneira a evitar arbítrio no uso de expressões vagas, essas normas ainda contemplam ilícitos culposos e dolosos, de modo ostensivo, tipos sancionadores extremamente abertos, bem como clássicas estruturas ético-normativas dos crimes de responsabilidade. Seu regime jurídico ainda se mostra nebuloso prima facie, oscilando entre o cível (natureza da ação ordinária) e o criminal (natureza das penalidades), de maneira que sua ampla normatização dá abertura a arbítrios e inseguranças.
Ademais, a não delimitação da gravidade das infrações e a criação de tipos abertos caracterizaram a técnica legislativa da lei 8.429/92, de modo que seu compromisso com a segurança jurídica não parece ter sido elevado. Ao contrário, a ideia de eficiência punitiva estaria referenciada na abertura dos tipos sancionadores, para evitar o engessamento dos operadores jurídicos e, sobretudo, das instituições fiscalizadoras. A extensa gama de amplitude decorrente da tipificação aberta das condutas puníveis evidencia a possibilidade de realização do enquadramento de uma mesma conduta em diversas correntes interpretativas, de maneira a atribuí-la diversas aplicações legais.
Não obstante, os efeitos dessa norma hoje se mostram contrários ao seu objetivo inicial, uma vez que, em virtude da abertura interpretativa de seus conceitos e da amplitude da eficiência punitiva, os administradores públicos se viram impossibilitados de tratar de assuntos que mudam de acordo com a realidade social, o que se agrava, ainda mais, com a vivência de situações excepcionais pelo Estado. As disposições sobre a improbidade administrativa se tornavam ainda mais evidentemente inseguras após a abertura da normatividade da LINDB para o direito público, porque a visão contemporânea do Direito Administrativo não se mostra adequada aos conceitos clássicos de que partiram a Lei de Improbidade Administrativa.
Os conceitos da Lei de Improbidade Administrativa têm sido utilizados como uma “panacéia” contra todos os males que assolam o Poder Público, ainda que em sutil e questionável irregularidade. No entanto, a jurisprudência pátria vem amadurecendo o conceito de improbidade administrativa, na perspectiva de reconhecer elementos indispensáveis à sua configuração e de dissolver os valores centrados apenas no aparato burocrático e nos procedimentos, alçando-se a proeminência da legitimidade, da transparência e dos resultados esperados dentro de pautas objetivas de condutas. Não há mais como fazer uma assepsia dos valores necessários ao enfrentamento dos desafios pós-modernos referentes à eficiência administrativa na análise da improbidade.
Nesse sentido, a interpretação da lei de improbidade à luz das alterações da LINDB pode trazer a solução adequada para que se alcance a segurança jurídica das relações do Estado e com o Estado, a fim de amenizar os efeitos nocivos dos conceitos jurídicos indeterminados e do excesso de punitivismo. Isso porque, ao cumprir as determinações da sobrenorma de direito, o julgador do ato administrativo terá de levar em consideração parâmetros racionais e legais para sua decisão. Trata-se da determinação de valoração objetiva, lógica e crítica dos argumentos que fundamentam a decisão e é decorrência inseparável do devido processo legal.
De acordo com as alterações na LINDB, a aplicação da norma da improbidade deve se relacionar com a exigência de proporcionalidade – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito – confrontando-se com possíveis alternativas. Isso visa a evitar que, em decorrência dos valores abstratos ali consagrados, sejam aplicadas sanções desprovidas de qualquer parametrização com a conduta praticada. Há, portanto, mitigação da influência irrestrita da legalidade da Lei de Improbidade Administrativa para se ajustar à realidade do agente, à luz da sobrenorma do direito brasileiro.
Há limitação, também, à invocação de valores jurídicos abstratos para avaliação da conduta administrativa como proba ou ímproba. Tal imposição se liga a outros limites, que vedam ao julgador a indicação ou reprodução do ato normativo, sem explicar sua relação com a situação fática decidida.40
Sob a perspectiva da nova LINDB, percebe-se a necessidade de dissecção dos elementos da norma de improbidade para que seja possível enquadrar as condutas públicas nos tipos sancionadores. Para tanto, não pode haver conceito de improbidade articulado a partir da violação aos tipos abertos da própria lei 8.429/92. A lógica deve ser inversa àquela trilhada costumeiramente pela doutrina.
Ao avaliar a conduta do agente público, é necessário que o julgador esmiúce o que de fato caracteriza ofensa à administração pública, de forma objetiva. Não se pode pautar, a título de se assegurar a “boa-fé”, a “lealdade administrativa”, a “dignidade humana”, em conceitos de natureza ampla para responsabilizar agente que, em virtude de sua função, tinha o dever de agir.
O poder que a LINDB exerce sobre a lei de improbidade – assim como sobre as demais normas de direito público –, dentre outros, é de prevenção contra a aplicação exagerada de sanções sem análise de circunstâncias. Para estipular o fim dos inúmeros casos de ações de improbidade ajuizadas genericamente com base nos arts. 9º, 10º e 11º da lei 8.429/92, com pedidos sucessivos e alternativos, a sobrenorma de direito exige que sejam considerados os danos efetivos e as circunstâncias fáticas, antes da aplicação de penalidades abstrusas que aniquilam o agente público.
Todos os julgadores de condutas de agentes públicos estão agora obrigados a se atentar para a realidade local e para as possibilidades frente ao quadro de fatos apresentados, à época, ao administrador. Com isso, pretende-se evitar conclusões precipitadas sobre a aplicação do ordenamento legal, tachando com incorreções e falhas “erros” administrativos não grosseiros ou não dolosos. Consagra-se o entendimento contemporâneo da jurisprudência administrativa de que não ser bom administrador não significa, automaticamente, ser agende ímprobo.
Além disso, estabelece a nova LINDB que um mesmo fato não pode ser apenado duas vezes ou com dosimetria que extrapole o conjunto dos atos ilegais realmente praticados. A tipicidade administrativa deve ser, portanto, conglobante, e não multiplicada por agregação e somatório de regras e órgãos sancionadores. Pela nova norma, passa a ser inválida a dosimetria exponencial que desconsidere a realidade material circunscrita por todos os órgãos de controle. Devem ser evitadas decisões irrealistas de quaisquer esferas de controle.41
Apesar de muito recentes, tais alterações no regramento jurídico são de extrema importância no cotidiano do Direito Administrativo e vêm sendo aplicadas, ainda com timidez e com vozes contrárias, na atividade pública desde sua implementação. Nada obstante, a influência da nova LINDB nas normas de Direito Público será fator determinante no que será o Estado depois da crise.
No panorama atual de calamidade pública e emergência, essas normas definidoras da conduta administrativa se mostram ainda mais relevantes e definidoras das consequências dos problemas que se apresentam. É imperioso que os administradores e a população se sintam seguros para implementarem ações lícitas, a fim de superarem esse período de instabilidade, sem a possibilidade de ocorrência de futuros abusos, excessos e arbitrariedades.
Não se pode requerer condutas tradicionais em situações excepcionais. É evidente que as normas clássicas sobre calamidade pública e emergência já tinham como intuito dar maior margem de liberdade e de discricionariedade ao administrador, e essa amplificação se faz essencial e oportuna no atual cenário. Contudo, para que seja efetiva e eficiente a discricionariedade administrativa na crise, é imprescindível que esse contexto seja levado em consideração desde o momento em que a decisão administrativa é tomada, até ulterior deliberação sobre a prática de excessos, improbidades e crimes.
Com isso não se pretende abrir margem para que o agente público seja legitimado a tomar atitudes como bem entender, ao desamparo do ordenamento jurídico como um todo. O que se busca é a não paralisação administrativa por receio do punitivismo exacerbado, que não leva em consideração as razões que levaram o administrador a praticar tais condutas.
Diante disso, a LINDB se mostra um excelente parâmetro de delimitação de condutas, principalmente no que tange às normas voltadas ao Direito Público. Por intermédio de suas alterações, é possível que administrador e administrados guiem suas condutas, a fim de não se distanciarem da legalidade administrativa e, ao mesmo tempo, não paralisarem diante do quadro ímpar.
Assim, a atividade administrativa continua a se efetivar segundo a lei – e com fundamento direto na CF – independentemente da lei –, ou com fulcro em ponderação entre a legalidade e outros princípios constitucionais. Sob esse enfoque, leva-se em consideração, dentro do rol principiológico de conceitos indeterminados, a vontade – sempre limitada pela juridicidade – da administração.
Não se exige mais a compatibilidade da atuação da administração a lei específica, mas a todo um bloco de legalidade42. A aplicação da lei, tanto pelo julgador como pela administração pública, depende de um processo de interpretação, sendo inviável a existência de lei exaustiva o bastante para dispensar esse papel do operador do direito. O que pode variar é, portanto, o grau de liberdade conferido pela norma jurídica.
A norma de introdução ao direito brasileiro não foi criada especificamente para se adequar a período de pandemias e calamidades, mas se mostra um eficaz norte para atuação do poder público no caso concreto, sem maiores preocupações com futuras responsabilizações infundadas.
4. Conclusão
A despeito das mudanças do enfoque doutrinário e prático do Direito Administrativo já ocorridas com a revisitação de seus parâmetros clássicos, novos temas emergem diariamente no contexto político e institucional da disciplina, levando-a para cada vez mais longe das suas diretrizes tradicionais, o que exige sua reconfiguração constante para que permaneça legítima e constitucional.
A concepção liberal de que a lei deve ser exaustiva e a atuação do administrador meramente executiva ou regulamentar não se coaduna com a realidade atual de calamidade pública. Não há cabimento para a exigência de que a lei predetermine, completamente, toda a atuação da administração, sendo absolutamente indispensável uma margem decisória de ponderação e concretização de normas constitucionais por parte do administrador.
Essa nova compreensão do princípio da legalidade resulta da própria transformação do Direito Administrativo, desafiado a responder, com velocidade, às exigências econômicas e sociais. Dessa hipercomplexidade normativa, há transformação da relação da administração com o particular, bem como das relações administrativas internas. O desafio que segue colocado é encontrar, em cada situação justa, a medida entre o atendimento das necessidades da ação administrativa e a proteção do indivíduo ao eventual excesso e arbítrio do Estado.43
É imprescindível que o direito, como um todo, se refaça, e deixe para trás as burocracias e os excessos que engessam sua atuação, mas sem que, com isso, perca a segurança jurídica de seus agentes e administrados. Um novo modelo de Direito Administrativo – e de Direito Administrativo Sancionador – se apresenta diante do caos, e cabe aos aplicadores da lei realizarem os ajustes necessários à adequação neste novo universo jurídico. O mundo como conhecíamos, muito provavelmente, já não existe mais. Por isso, a evolução do direito se faz mais imprescindível do que nunca.
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1- Enfermidade epidêmica amplamente disseminada em diversos continentes.
2- Identificado no final de 2019, na cidade chinesa de Wuhan, o vírus se espalhou rapidamente para centenas de países, inclusive o Brasil.
3- Em situação de anormalidade (estado de necessidade administrativo), o ordenamento jurídico reconhece medidas excepcionais para o atendimento do interesse público. A título de exemplo, consideram-se, neste estudo, medidas emergenciais clássicas: a) A desapropriação por necessidade pública (art. 5º, XXIV, da CF e DL nº 3.365/1941); b) A requisição de bens no caso de iminente perigo público (art. 5º, XXV, da CF); c) A contratação temporária de servidores públicos, sem concurso público, para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, da CF); d) A contratação direta, por dispensa de licitação, nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem, bem como nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando houver risco de prejuízo ou comprometimento à segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares (art. 24, III e IV, da Lei nº 8.666/1993); entre outros.
4- BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. Direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 39.
5- As ações de vigilância epidemiológica adotadas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), previstas na Lei nº 8.080/1990, compreendem as “ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos”. A Lei nº 6.259/1975, por sua vez, ao tratar da notificação compulsória de doenças, inclusive com a previsão de isolamento e quarentena (art. 7º, I), prevê que a autoridade sanitária efetue a investigação epidemiológica pertinente para elucidação do diagnóstico e averiguação da disseminação da doença na população sob risco (art. 11, caput). A autoridade poderá exigir e executar investigações, inquéritos e levantamentos epidemiológicos junto a indivíduos e a grupos populacionais determinados, sempre que julgar oportuno visando à proteção da saúde pública (art. 11, parágrafo único). As pessoas físicas e as entidades públicas ou privadas, abrangidas pelas citadas medidas, ficam sujeitas ao controle determinado pela autoridade sanitária (art. 13 da Lei nº 6.259/1975). O descumprimento das determinações realizadas pelas autoridades poderá configurar infração sanitária, na forma da tipificação contida na Lei nº 6.437/1977 (art. 10, VII e XXIV) e na legislação penal (arts. 268 e 269).
6- O art. 3º da Lei nº 13.979/2020 elencou, exemplificativamente, algumas medidas que poderão ser adotadas pelas autoridades competentes, a saber: a) isolamento, b) quarentena, c) determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas; ou tratamentos médicos específicos; d) estudo ou investigação epidemiológica; e) exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver; f) restrição excepcional e temporária de entrada e saída do País, conforme recomendação técnica e fundamentada da Anvisa, por rodovias, portos ou aeroportos; g) requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas; e h) autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde que sejam registrados por autoridade sanitária estrangeira e previstos em ato do Ministério da Saúde. Além desses limites, o § 2º do mesmo artigo resguarda determinados direitos às pessoas afetadas pelas medidas restritivas, como, por exemplo: a) direito de serem informadas permanentemente sobre o seu estado de saúde e a assistência à família conforme regulamento; b) direito de receberem tratamento gratuito; e c) pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, na forma do art. 3º do Regulamento Sanitário Internacional, constante do Anexo ao Decreto nº 10.212/2020. O art. 5º da Lei nº 13.979/2020 dispõe que toda pessoa colaborará com as autoridades sanitárias na comunicação imediata de (i) possíveis contatos com agentes infecciosos do Coronavírus e (ii) circulação em áreas consideradas como regiões de contaminação pelo Coronavírus. Por sua vez, o art. 6º da Lei 13.979/2020 determina o compartilhamento obrigatório entre órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção pelo Coronavírus, com a finalidade de evitar a sua propagação. As pessoas jurídicas de direito privado também devem compartilhar os referidos dados quando houver solicitação da autoridade sanitária (art. 6º, § 1º). Em matéria de contratação pública, o art. 4º da Lei 13.979/2020 dispensa a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus.
7- A título de exemplo elencam-se regulamentos feitos pelo Decreto nº 47.246, de 12/3/2020, do Município do Rio de Janeiro; Decreto nº 46.970, de 13/3/2020, do Estado do Rio de Janeiro; e Decreto nº 40.520, de 14 de março de 2020, do Distrito Federal.
8- A título de exemplo: os arts. 14, 16, 17 e 24 da Lei de Responsabilidade Fiscal, e o art. 114, parágrafo 14, da Lei de Diretrizes Orçamentárias tiveram sua aplicação temporariamente afastada por decisão do Ministro Alexandre de Moraes (ADI 6357 MC, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, julgado em 29/03/2020, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 30/03/2020 PUBLIC 31/03/2020, disponível aqui.
9- As alterações mais recentes da LINDB, pela Lei nº 13.655/2018, que teve origem no PLS 349, foram propostas por iniciativa do Senador Anastasia, do PSDB, associada à participação dos professores Floriano Azevedo Marques Neto e Carlos Ari Sundfeld (NOHARA. Irene Patrícia. LINDB: Lei de Introdução às Normas no Direito Brasileiro, hermenêutica e novos parâmetros ao direito público. Curitiba: Juruá, 2018, p. 11).
10- Esse deslocamento acompanhou a mudança do papel do Estado, que modificou sua postura de abstenção para prestação positiva. A constitucionalização do direito, associada à percepção de que a hermenêutica não advinha somente dos códigos, também foi fator relevante para a mudança da abrangência da lei.
11- As inovações legislativas na LINDB não se voltam, exclusivamente, para o Direito Administrativo, mas para todas as matérias em que o particular tenha que lidar com o Estado, tais como Direito Urbanístico, Tributário, Ambiental e de direito privado, quando aplicado pela administração pública. As normas regem também a relação de servidores públicos com os órgãos de controle interno ou externo.
12- SUNDFELD. Carlos Ari. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e sua Renovação. In: CUNHA FILHO, Alexandre Jorge Carneiro da; ISSA, Rafael Hamze; SCHWIND, Rafael Wallbach. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Anotada: Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. – Volume I. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 36.
13- CUNHA FILHO, Alexandre Jorge Carneiro da; ISSA, Rafael Hamze; SCHWIND, Rafael Wallbach. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Anotada: Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. – Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 30.
14- “Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão (Incluído pela lei 13.655/18). Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas (Incluído pela lei 13.655/18)”. (BRASIL, Lei de Introdução às Normas no Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, Art. 20. Disponível aqui. Acesso em: 29 mar. 2020).
15- A expressão “valores abstratos” designa fundamentos de decisão ancorados em conceitos jurídicos indeterminados – expressões de orientação fluida para situações nas quais o legislador não pôde ou não quis exaurir o comando a ser extraído do enunciado.
16- Em alguns estudos sobre a sociedade contemporânea, menciona-se sua complexidade, confusão e risco. Zigmunt Bauman se utiliza da expressão “modernidade líquida” na qual se apresenta a “sociedade líquida”, em que predominam incertezas instabilidades e relações fluidas e frágeis. (DE OLIVEIRA, André Henrique Mendes Viana. HABERMAS E LYOTARD: UM DEBATE SOBRE A PÓS-MODERNIDADE. Cadernos Cajuína, 2019, v. 4, nº 3, p. 20-29).
17- MEERHOLZ, André Leonardo. Interpretação e Realidade – Consequencialismo, Proporcionalidade e Motivação. In: CUNHA FILHO, Alexandre Jorge Carneiro da; ISSA, Rafael Hamze; SCHWIND, Rafael Wallbach. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Anotada: Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. – Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 69.
18- Art. 50, § 1o. A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. (BRASIL, Lei nº 9.784/1999, art. 50, §1º. Disponível aqui. Acesso em: 18 fev. 2020).
19- “Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018). Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas (incluído pela lei 13.655/18)” (BRASIL, Lei de Introdução às Normas no Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, Art. 20. Disponível aqui. Acesso em: 29 mar. 2020).
20- Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas (incluído pela lei 13.655/18). Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos (Incluído pela lei 13.655/18) (BRASIL, Decreto-Lei nº 4.657/1942, art. 21. Disponível aqui. Acesso em: 18 fev. 2020).
21- BRASIL, Decreto-Lei nº 4.657/1942, art. 21. Disponível aqui. Acesso em: 29 mar. 2020.
22- Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. § 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. § 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. § 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato (BRASIL, Decreto-Lei nº 4.657/1942, art. 22. Disponível aqui. Acesso em: 18 fev. 2020).
23- Como regime de transição entende-se o regime jurídico de passagem, de duração temporária, que oferece condições diferenciadas para viabilizar a observância de nova interpretação de uma norma àqueles destinatários que se encontram sob o regime de orientação anterior, mais benéfico. Esse regime de transição nada mais é do que a expressão do princípio da razoabilidade frente à modificação de interpretação de normas que ocasione custos e dificuldades ao administrado.
24- MARRARA, Thiago. Comentários Gerais ao Dispositivo. Artigo 23 da LINDB. In: CUNHA FILHO, Alexandre Jorge Carneiro da; ISSA, Rafael Hamze; SCHWIND, Rafael Wallbach. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Anotada: Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. – Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 230.
25- Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público (BRASIL, Decreto-Lei nº 4.657/1942, art. 23. Disponível aqui. Acesso em: 30 mar. 2020).
26- O objetivo desse estudo é apenas demonstrar as alterações vigentes da nova lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, sem adentrar em dispositivos vetados, não vigentes. Por esse motivo, não foi feita nenhuma consideração sobre o art. 25 do decreto-lei 4.657, uma vez que foi vetado.
27- Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. § 1º O compromisso referido no caput deste artigo: I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento (BRASIL, Decreto-Lei nº 4.657/1942, art. 23. Disponível aqui. Acesso em: 30 mar. 2020).
28- As consultas públicas já são instituto consagrado no direito público brasileiro, institucionalizado pela Lei nº 9.784/1999.
29- Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos; § 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor ; § 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos (BRASIL, Decreto-Lei nº 4.657/1942, art. 27. Disponível aqui. Acesso em: 18 fev. 2020).
30- Por dano anormal entende-se aquele que excede as dificuldades ordinárias inerentes à vida em sociedade. A superação da linha da normalidade deriva do binômio limitação-sacrifício e é aferida conforme o prejuízo encontre ou não norma legitimadora da conduta como consequência necessária e inevitável. Portanto, o grau de previsibilidade do prejuízo indicará seu grau de normalidade. Por injusto entende-se o prejuízo para o qual o legislador adotou entendimento precipuamente jurídico, em compatibilização com o ordenamento pátrio. Dessa forma, o prejuízo será considerado injusto se o ordenamento jurídico o considerar intolerável, de maneira a determinar sua compensação (GIAMUNDO NETO. Giuseppe. Novos Horizontes no Direito Público: Comentários ao Artigo 27 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. In: CUNHA FILHO, Alexandre Jorge Carneiro da; ISSA, Rafael Hamze; SCHWIND, Rafael Wallbach. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Anotada: Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. – Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 368).
31- DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo civil. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 62.
32- BRASIL, Decreto-Lei nº 4.657/1942, art. 27. Disponível aqui. Acesso em: 18 fev. 2020.
33- Os parágrafos 1º, 2º e 3º do dispositivo foram vetados. Os dispositivos tratavam da caracterização de erro grosseiro, bem como do direito do agente público ao apoio, inclusive financeiro, pela entidade a que estivesse vinculado, em sua defesa, no exercício regular de suas competências.
34- Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão.
§ 1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver (BRASIL, Decreto-Lei nº 4.657/1942, art. 27. Disponível aqui. Acesso em: 2 mar. 2020).
35- Em casos específicos, já era permitida a consulta pública pelo ordenamento pátrio, a exemplo da lei 9.472/97.
36- Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão (BRASIL, Decreto-Lei nº 4.657/1942, art. 27. Disponível aqui. Acesso em: 2 mar. 2020).
37- Os regulamentos podem fixar tanto o procedimento administrativo que operacionaliza a aplicação de conceitos abertos, como estabelecer conteúdos semânticos que reduzam a indeterminação da norma, de forma a proporcionar a aplicação isonômica por diversos órgãos e autoridades em casos semelhantes. As súmulas condensam sinteticamente os precedentes administrativos que espelhem reiterada interpretação de norma, dando publicidade às práticas que devam servir como modelo da atuação futura, a fim de garantir a igualdade e interditar a interpretação errática. As respostas às consultas também buscam afastar as incertezas jurídicas provocadas por normas incompletas, que dependem da atuação do intérprete na construção do significado completo. Trata-se de mecanismo que permite o diálogo entre a administração e o administrado, calibrando as expectativas da relação jurídica (LUNARDELLI. José Marcos. Comentários Gerais ao Dispositivo. Art. 30 da LINDB – Comentário Geral. In: CUNHA FILHO, Alexandre Jorge Carneiro da; ISSA, Rafael Hamze; SCHWIND, Rafael Wallbach. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Anotada: Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. – Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 478)
38- GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 6. ed. Lumen Júris, 2011. p. 125, 279.
39- No Brasil, a Constituição de 1824, nos artigos 38 e 47 (responsabilidade dos Ministros do Rei), assim como a Lei Complementar de 15/10/1827, já contemplavam a responsabilidade de altos mandatários da nação por crimes de responsabilidade. Todas as Constituições brasileiras republicanas contemplaram a improbidade como crime de responsabilidade do Presidente da República e dos altos mandatários da nação (1891, art. 54, 6; 1934, art. 57, f; 1937, art. 85, d; 1946, art. 89, V; 1967, art. 84, V; EC 01/1969, art. 82, V; 1988, art. 85, V. Para maior aprofundamento ver: BROSSARD, Paulo. O Impeachment. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1992.
40- Tais limites estão previstos no art. 489, §1º, do Código de Processo Civil.
41- TOMELIN, Georghio. Interpretação consequencial e dosimetria conglobante na nova LINDB. In: CUNHA FILHO, Alexandre Jorge Carneiro da; ISSA, Rafael Hamze; SCHWIND, Rafael Wallbach. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Anotada: Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. – Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 173-175.
42- Inicialmente concebida por Maurice Hauriou como “bloco legal”, procura designar todas as normas, inclusive de origem jurisprudencial, que são impostas à administração. Trata-se de uma concepção mais primitiva do princípio da juridicidade. Para maior aprofundamento, ver: FAVOREU, Louis. El bloque de la constitucionalidad. Madrid: Civitas, 1991.
43- MIRAGEM, Bruno. A nova Administração Pública e o Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 241-242.
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