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Medida provisória nº 927, artigo por artigo, e revogação da suspensão contratual não remunerada

A questão é urgente, já que neste momento a população e a comunidade jurídica se perguntam sobre que medidas tomar, com um mínimo de segurança jurídica, para enfrentar a necessidade de isolamento social, buscando minorar os danos a empresas e trabalhadores.

26/3/2020

Em 22/3/2020, o presidente da República editou a Medida Provisória 927, "para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido" em razão da pandemia do coronavírus (covid-19). Neste ritmo frenético de acontecimentos, ditados pela crise sanitária sem precedentes, a MP já foi parcialmente revogada em menos de 24h (em seu art. 18) pelo art. 2º da MP 928, e existem medidas substitutivas da revogada suspensão contratual em elaboração, conforme noticiado na mídia. A questão é urgente, já que neste momento a população e a comunidade jurídica se perguntam sobre que medidas tomar, com um mínimo de segurança jurídica, para enfrentar a necessidade de isolamento social, buscando minorar os danos a empresas e trabalhadores.

Considerando a diversidade de temas tratados, vejamos por tópicos. 

INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA – art. 1º, caput. – preservação da renda e da sobrevivência digna

De início, veja-se que o seu art. 1º declara que a norma se destina a

"medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública".

Logo, não se pode interpretar a norma de modo a minorar os danos apenas para um dos lados da equação trabalhista. Qualquer solução aqui contemplada deve necessariamente equilibrar a preservação dos empreendimentos com a sobrevivência dos trabalhadores.

Por outro lado, veja-se que, por mais que editada em um contexto excepcionalíssimo, sempre estará subordinada às garantias constitucionais, como os artigos 1º, III (dignidade da pessoa humana), IV (valor social do trabalho e da livre iniciativa), 3º, I (objetivo de construir sociedade livre, justa e solidária), 7º, VI (irredutibilidade do salário, salvo por negociação coletiva), 170 (ordem econômica fundada na valorização do trabalho e livre iniciativa, objetivando a todos existência digna, conforme justiça social).

Assim, por mais que se objetive com a presente medida provisória a preservação dos empreendimentos, evitando quebras, a Constituição não permite que isto seja feito retirando a dignidade dos trabalhadores, privando-os de seu sustento, infringindo um patamar mínimo civilizatório de justiça social.

FORÇA MAIOR – art. 1º, parágrafo único – referência inapropriada ao art. 501 da CLT, não recepcionado pela Constituição, bem como revogado tacitamente

Diz o parágrafo único do art. 1º que o estado de calamidade pública reconhecido pelo decreto legislativo nº 6/2020

"para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho".

Para o art. 501 da CLT, força maior é "todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente" e, excluídos os casos que não afetem substancialmente a empresa, tal situação permitiria a redução salários, proporcionalmente, em até 25%, respeitado o salário mínimo (art. 503).

Tal regra de redução unilateral de salário, sem negociação coletiva, entretanto, foi tacitamente revogada pelo art. 2º da lei 4.923/65 e, ainda que assim não fosse, não teria sido recepcionado pelo art. 7º, VI, da Constituição.

Quanto à norma constitucional, o texto é cristalino no sentido de que "são direitos dos trabalhadores" (art. 7º) a “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo” (inciso VI – grifo nosso). Ou seja, ao estabelecer, ainda que em situações de força maior, a redução unilateral de salários sem intervenção dos sindicatos, o antigo art. 503 da CLT é esterilizado pela norma superior.

Por outro lado, o art. 503 já estava tacitamente revogado pelo foi revogado pelo art. 2º da lei nº 4.923/1965, lei posterior para a mesma situação de grave dificuldade econômica da empresa, que a regula de forma mais abrangente, permitindo a redução salarial de até 25%, mas com "redução da jornada normal ou do número de dias do trabalho" e "mediante prévio acordo com a entidade sindical", portanto sem afronta à Constituição. Assim tem entendido o TST, por exemplo no RR-1156-96.2011.5.04.0811, 3ª Turma, DEJT 24/04/2015, e RR-25300-20.2001.5.02.0463, 3ª Turma, DEJT 28/10/2016, ambos relatados pelo Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte.

Clique aqui e confira a íntegra do artigo.

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*Cesar Zucatti Pritsch é Juris Doctor (JD, magna cum laude) pela Universidade Internacional da Flórida (EUA), juiz do Trabalho pelo TRT da 4ª região. Conselheiro da Escola Judicial e Membro da Comissão de Jurisprudência do TRT da 4ª região.

 

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