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Alterações do Direito Penal e seu Processo na lei 13.964/19 IV - Acordo de não persecução penal. Cadeia de custódia da prova

Há um campo fértil para evoluções aqui e que, certamente, teriam muita influência na maior elucidação de crimes – sabe-se, por exemplo, que um número diminuto de homicidas é levado a julgamento. Sobre este ponto seria necessário ousar, mas a lei nova manteve intacto o nosso aparato burocrático e ineficiente de investigação criminal.

20/2/2020

Cria-se, pelo artigo 28-A do Código de Processo Penal, uma nova possibilidade de justiça penal negociada, ensejando a oportunidade para o Ministério Público, nos crimes praticados sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a quatro anos, deixar de oferecer denúncia contra investigado confesso, sob condições estipuladas nos incisos de I a V do citado dispositivo processual, assim flexibilizando o princípio da obrigatoriedade, que impõe o oferecimento de denúncia quando haja crime em tese configurado, segundo a opinio delicti.

É preciso notar que o parâmetro penal adotado para permitir o acordo (pena mínima inferior a quatro anos) abarca praticamente todos os crimes previstos no direito material, codificado e especial, de sorte a garantir que o infrator de primeira viagem quase sempre tenha a oportunidade de evitar os dissabores de se sujeitar a uma ação penal e de possível condenação, a partir do cumprimento de algumas condições, entre as quais a de ressarcir a vítima. Mas, assim mesmo, cabe observar: o que parece salutar do ponto de vista de livrar da condenação infratores ocasionais sem periculosidade social, vai de encontro aos anseios populares; está no contrafluxo do desejo por maior rigor na aplicação da lei penal. Oxalá o amplo espectro de incidência desse acordo não gere ainda maior sentimento de impunidade para a sociedade, ao tempo em que, v.g., os rigores atribuídos ao ex-juiz Sergio Moro o transformaram numa espécie de herói nacional.

O § 1º do artigo 28-A do Código de Processo Penal esclarece que o critério da pena mínima para possibilitar o acordo considerará as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. Na ausência de disposição expressa, permite-se intuir que, assim como ocorre no cálculo da prescrição sobre a pena, o concurso de crimes (material ou formal), e mesmo a continuidade delitiva (art. 69, 70 e 71 do CP), não serão empecilhos para a incidência do acordo em razão da pena mínima cominada a cada imputação específica. Não fosse essa a intenção do legislador, haveria menção expressa a tais impedimentos à realização do acordo de não persecução penal, assim como se fez em relação às causas de aumento e diminuição.

Não será possível realizar acordo, nos termos do § 2º do artigo 28-A do Código de Processo Penal, nas hipóteses previstas nos incisos de I a IV do mesmo artigo, destacando-se, como impedimento, o agente que nos cinco anos anteriores tenha realizado outro acordo, transação penal ou suspensão condicional do processo.

O juiz atuará pela regularidade e homologação do acordo, conforme os §§ 3º a 8º do artigo 28-A do Código de Processo Penal, o que se funda em absoluta conveniência. Do contrário, o Ministério Público ficaria livre para atuar sem contenção, o que sempre acaba por gerar indesejáveis distorções, ao passo que a atuação do poder jurisdicional em nada impede o arbítrio concedido pela lei ao titular da ação penal para dela prescindir conforme a sua avaliação dentro dos critérios legais. Ante negativa em realizar o acordo por parte do Ministério Público, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do artigo 28 do Código de Processo Penal (art. 28-A, § 14, do CPP).

Não há como prever qual vai ser o efeito prático de tão alargada possibilidade de o infrator se ver livre do processo e possível condenação, proposição que já integrava o projeto de lei do ministro Moro, mas que originariamente fora sugerida pela comissão presidida pelo ministro Alexandre de Morais do Supremo Tribunal Federal. O tempo e prática dirão sobre o acerto ou excessivo espectro de incidência da nova possibilidade de acordo para evitar processos e condenações.

Criou-se, ademais, um conjunto sofisticado de procedimentos “para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte” (art. 158-A até F, § único, do CPP).

A evolução da investigação criminal passa pelo incremento da coleta e exame de provas periciais, no que andou bem a nova lei. Já era tempo de haver efetiva preservação das provas materiais dos crimes, como meio de garantir o sucesso e o bom desempenho das investigações.

O problema está em que os institutos de perícias e seus agentes são, geralmente, objeto de pouca atenção pelos governantes e isto ocasiona um sem número de entraves para o regular desenvolvimento de investigações criminais. Quem sabe essa lufada de bons procedimentos possa sugerir investimentos nessa importante área.

Nisto, certamente, reside a evolução da investigação criminal no país. Mas não só. O inquérito policial clama por uma reformulação. Em pleno século XXI, a investigação ainda é cartorial, anacrônica, feita à base de ofícios e depoimentos escritos, quase sempre tomados sem muita ciência ou conhecimento. Excesso de burocracia; pouca ou nenhuma investigação propriamente dita.

Há um campo fértil para evoluções aqui e que, certamente, teriam muita influência na maior elucidação de crimes – sabe-se, por exemplo, que um número diminuto de homicidas é levado a julgamento. Sobre este ponto seria necessário ousar, mas a lei nova manteve intacto o nosso aparato burocrático e ineficiente de investigação criminal.

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*Antonio Ruiz Filho é advogado criminalista, sócio do escritório Ruiz Filho Advogados. Foi presidente da AASP, diretor da OAB/SP e do IASP

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