A prescrição, que nos últimos tempos caiu em desgraça perante a opinião pública, é importante garantia social contra eventual prepotência acusatória do aparato estatal. Não é aceitável que a atividade persecutória possa durar indefinidamente ou por prazos que atritem com a razoável duração do processo, garantia alçada a direito fundamental (art. 5º, LXXVIII, da CF). Assim, serve a prescrição como fórmula de restringir o excesso de tempo na persecução penal por parte do Estado.
Nesse passo, contrario sensu, a lei 13.964/19 trouxe inovação preocupante ao incluir inciso no artigo 116 do Código Penal, que trata “Das causas impeditivas da prescrição”, com a seguinte redação: “III – na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis”.
Por esse comando legal, já em vigor, o manejo dos mencionados recursos faz paralisar a fluência dos prazos prescricionais. O efeito mais imediato dessa mudança é que os tribunais não terão mais prazo nem pressa para julgar tais recursos, possivelmente reforçando a maior mazela do nosso Poder Judiciário, que é a morosidade.
Discussão vinha sendo travada na jurisprudência sobre a verdadeira extensão da causa interruptiva (e não impeditiva, sobre a qual operou-se a mudança) da prescrição inserta no inciso IV, do artigo 117 do Código Penal: “pela publicação da sentença ou acórdão recorríveis”, agora, ao que parece, dissipada pelo novel dispositivo.
O STF, em julgamento recente, acaba de avalizar a interrupção da fluência do lapso prescricional pela superveniência de decisão colegiada, entendimento que de certa forma, ao agregar posição diferente da leitura que se fazia do dispositivo até então, burla a impossibilidade de retroatividade da lei penal. Tal entendimento faz com que fatos praticados na vigência de exegese mais benéfica venham a ser considerados em prejuízo do agente pela inocorrência da prescrição – eis um exemplo em que o mais elevado tribunal do país, ao contrário do que seria sua real vocação, acaba por instaurar certa insegurança jurídica, que se localiza entre os mais perniciosos defeitos da prestação jurisdicional.
Não haverá, doravante – este seria o móvel da alteração legal –, interesse em interpor recursos sem possibilidade de sucesso como meio de atingir a extinção da punibilidade pela via da prescrição. A incidência da norma nos casos futuros indicará a sua real utilidade social, sempre lembrando que em se tratando de norma penal (e não processual, cujos efeitos são imediatos) sua aplicação atinge apenas as infrações praticadas após a vigência, ou seja, 23 de janeiro passado.
A lei também havia criado complexo sistema para o arquivamento do inquérito policial, ao que parece, com a intenção de privilegiar os interesses da vítima, sem sucesso, também em razão de medida liminar que suspendeu sua vigência. Melhor será criar um estatuto de direitos da vítima, no próprio Código de Processo Penal, a partir do artigo 201, que trata do ofendido, oportunidade que se perdeu desta vez.
Está suspensa, todavia, a alteração ao caput do artigo 28 do CPP, valendo, entretanto, os parágrafos 1º e 2º, acrescidos pela nova lei. Assim, o Ministério Público não ficará responsável por comunicações relativas ao arquivamento, mas está mantida a oportunidade de recurso da vítima, União, Estados e Municípios para “submeter a matéria [o arquivamento] à revisão da instância competente do órgão ministerial”. A novidade legal está à espera de regulamentação pelos órgãos diretivos do Ministério Público.
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