No dia 29/1/20 foi veiculada notícia de que o ex-goleiro do Palmeiras e da Seleção Brasileira, Marcos, “ganha ação contra produtora de games, mas tem prejuízo de R$ 30 mil” (site globoesporte.globo.com – acesso em 1º/2/2020). Isso porque ele ajuizou ação pleiteando R$ 400.000,00 pelo uso indevido de sua imagem em dois jogos produzidos pela ré, quais sejam, FIFA Soccer (edições 2005 a 2012) e FIFA Manager (edições 2005 a 2012).
Tive acesso apenas à sentença e, por esse motivo, não sei muitos detalhes do caso. No entanto, o que realmente importa é a parte dispositiva da decisão, e, mais precisamente, no que toca aos honorários advocatícios sucumbenciais. Confira-se o teor dessa parte da sentença:
“[...] julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos formulados para condenar as rés a indenizarem os danos suportados pelo autor em razão do uso indevido de sua imagem nas edições 2005 a 2010 do FIFA Soccer, no valor de R$ 1.500,00 por edição, com juros moratórios de 1% ao mês a contar das respectivas datas de lançamento dos referidos jogos (súmula n. 54, C. STJ), e atualização monetária pelos índices da tabela prática do TJSP a partir da publicação desta sentença. Sucumbente em maior parte (na medida em que, além de não ter restado caracterizado o uso irregular em todas as edições apontadas, o montante indenizatório pleiteado restou reduzido substancialmente), arcará o requerente com 75% das custas e despesas processuais. E, sendo vedada a compensação (art. 85, § 14 do CPC), condeno as rés a pagar ao advogado do autor, a título de honorários sucumbenciais, a quantia correspondente a 10% do valor da condenação; enquanto que o requerente deverá pagar aos advogados das rés o correspondente a 10% da diferença entre o montante inicialmente pretendido (R$ 400.000,00) e o valor da condenação (R$ 9.000,00)”.
O que me chamou a atenção nessa decisão é o fato de existirem duas bases de cálculo distintas para se determinar o valor dos honorários advocatícios sucumbenciais. A primeira levou em conta o valor da condenação, e, a segunda, a diferença entre o montante inicialmente pretendido e o valor da condenação. O advogado do autor receberá R$ 900,00 e o advogado das rés perceberá R$ 39.100,00.
Vejamos, inicialmente, quais são os dispositivos legais do Código de Processo Civil (CPC) serão úteis para esse breve ensaio:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
[...]
§ 6º Os limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito.
§ 7º Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.
§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
[...]
Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.
Informo, antes de mais nada, que nos livros de doutrina que tive acesso o ponto em questão não foi analisado.
A jurisprudência do STJ já possui arestos bastante específicos sobre honorários advocatícios sucumbenciais no CPC do ano de 2015, no entanto, nenhum deles enfrenta a questão. Os julgados que analisamos foram esses: (i) 4ª T., AgInt nos ED no REsp 1.830.011/MG, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, j. 17/12/19, DJe 19/12/2019; (ii) 2ª Seção, REsp 1.746.072/PR, rel. min. Nancy Andrighi, rel. p/ o acórdão min. Raul Araujo, j. 13/2/2019, DJe 29/3/2019; e (iii) 4ª T., AREsp 262.900/SP, rel. min. Raul Araujo, j. 17/12/2019, DJe 04/2/2020.
Em nenhum desses feitos houve sucumbência recíproca, o que impede a análise de como deve ser redigido o dispositivo da decisão judicial no que diz respeito aos honorários advocatícios. Não obstante, algo de muito importante pode ser extraído desses três acórdãos, que é o reconhecimento, por esses ministros, de que o § 2º do art. 85 do CPC tem uma ordem de preferência. Foi decidido que a ordem seria essa: “I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º)” (trecho extraído do REsp 1.746.072/PR, da 2ª Seção).
Assim, havendo sucumbência recíproca, e, na mesma decisão, for possível identificar uma parcela de condenação em favor de uma parte, e uma outra parcela que represente um benefício econômico em favor da parte contrária, deverá ser utilizada apenas uma base de cálculo ou deverão ser empregadas duas bases de cálculo distintas? Reitero que essa questão não foi apreciada nos acórdãos do STJ que estudei para redigir este breve artigo científico. Dito isso, o que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo terá de decidir, em eventual apelação no “caso do goleiro Marcos”, é exatamente isso. Quais seriam, então, os argumentos jurídicos para sustentar cada uma das duas possíveis teses?
Para dar suporte à tese adotada na sentença (que, aliás, não foi fundamentada nessa parte específica), penso ser preciso nos lembrarmos do significado do termo “honorários”. Vem do latim e significa algo para honrar alguém. Os honorários advocatícios sucumbenciais são, portanto, a verba pela qual se remunera o advogado como sinal de que ele merece ser honrado por ter desempenhado, com êxito, o seu trabalho. Assim sendo, é preciso ser utilizada, na decisão judicial, mais de uma base de cálculo, na medida em que cada uma delas representará o resultado final do trabalho realizado por cada um dos advogados das partes do processo. Isso, em princípio, parece ser o mais justo.
No “caso do goleiro Marcos”, o valor da condenação indica a vitória do advogado do autor. Já a diferença entre o valor pleiteado e o valor da condenação representaria o êxito do advogado das empresas rés. Desse modo, a base de cálculo dos honorários advocatícios sucumbenciais deve ser aquela que melhor demonstre o sucesso, de cada um dos advogados das partes, no resultado final da lide. Pensar diferentemente disso poderia implicar em violação ao princípio da justa indenização.
Mais um argumento que pode ser trazido em favor da tese adotada na sentença é a de que no § 2º do art. 85 do CPC não existe ordem de preferência entre “condenação” e “proveito econômico obtido”. Isso porque a “condenação” de mérito existe em prol do autor (ou do reconvinte). O “proveito econômico obtido”, por sua vez, pode ser alcançado tanto pelo autor quanto pelo réu. Dessa forma, parece-me razoável afirmar que a vontade do legislador foi a de dar preferência à “condenação”, em vez do “proveito econômico obtido”, apenas quando o beneficiário for o advogado do autor. Quando o favorecido for o advogado do réu, observar-se-á o proveito econômico obtido. E é claro que, não existindo condenação e nem proveito econômico obtido, deverá ser levado em conta o valor atualizado da causa.
Por outro lado, o argumento para sustentar a tese contrária daquela utilizada na sentença seria, justamente, o de que o rol do § 2º do art. 85 do CPC tem uma ordem de preferência. Assim, havendo ao mesmo tempo, em uma sentença, condenação em benefício de uma das partes e, em favor da outra parte, a obtenção de proveito econômico, deveria o magistrado fixar a verba honorária sucumbencial, para os advogados de ambas as partes, com base no valor da condenação. Eventual violação ao princípio da isonomia das partes também poderia ser um fundamento válido para essa corrente.
Portanto, com base nas considerações acima, espero ter podido contribuir para o debate em torno dessa relevante questão jurídica, esperando, ansioso, qual será a decisão do TJ/SP, bem como se, no futuro, as partes recorrerão para o STJ.
___________________________________________________________________________
*Leonardo de Faria Beraldo é advogado, doutorando e mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Processo Civil. Professor de Processo Civil, Arbitragem e Direito Civi do Colégio Registral Imobiliário do Estado de Minas Gerais – CORI/MG.