A inadimplência de condôminos sempre será um assunto delicado, sutil e oneroso para quem tem o ônus de administrá-la. Na prática do dia a dia, as dívidas de moradores conhecem pelo menos quatro hipóteses comuns:
a) quem entende não ser devida a taxa de manutenção ou alegar faltar amparo legal para isso;
b) abusividade do montante exigido;
c) um devedor contumaz; e
d) estar enfrentando dificuldades financeiras por variados motivos, em razão de enfermidades ou problemas familiares.
Em cada caso, a avaliação do gestor varia, comportando posições extremas. Não aceitar justificativas ou as considerar casos particulares, principalmente por motivo de ordem humanitária é bastante comum.
Uma divulgação do nome dos devedores é questão moral e jurídica, comportando enfoque específico. A divulgação do orçamento anual pode registrar a quantidade de atrasos, em termos de valores, de um percentual em relação à totalidade dos residentes, mas descabe mencionar a titularidade individual dos inadimplentes.
Carece tomar cuidado com os excessos praticados, eventualmente deflagrará um processo de dano moral contra o empreendimento.
Se o morador não discute a exigência nem enfrenta dificuldades financeiras momentâneas, ou seja, caracterizado como renitente devedor tal conduta é tida como antissocial, mas não chega a autorizar a divulgação ou tê-lo como discriminável.
Em um prédio de apartamentos, em que os moradores se cruzam diuturnamente nos corredores, elevadores ou na portaria, estar em contato com alguém em atraso, que assim onera os demais, um inadimplente é constrangedor.
Não cremos que os condôminos que estão assumindo fração ideal dessa dívida indivisível tenham o direito subjetivo de saber quem deve.
A matéria é sigilosa e assim deve ser tratada pelo gestor. Eventuais sanções, na natureza formal deverão constar da convenção.
O Código Civil silencia sobre uma pretendia divulgação, apenas fixa vários tipos de multas possíveis para a inadimplência (CC, arts. 1336 usque 1337).
Rodrigo Karpat é extremado a respeito. Ele garante:
“Divulgar a lista de inadimplentes aos demais co-possuidores é dever do síndico e da administradora. E os condôminos têm o direito de saber estas informações, uma vez que o não pagamento da taxa de condomínio por parte de qualquer dos condôminos afeta diretamente aos demais, que irão se cotizar para cobrir os valores atrasados ou utilizar dos recursos disponíveis na conta do fundo de reserva, com o fim de fazer frente às despesas do condomínio. Dentre as obrigações do síndico está a de prestar contas sempre que exigido, conforme o artigo 1348, inciso VIII, do Código Civil. E prestar contas significa apresentar as receitas e despesas, o que inclui a relação de inadimplentes”.
Em seguida, ele arrefece a impetuosidade dos seus ânimos:
“O que é proibido são os excessos e a exposição do devedor a situações vexatórias. O que inclusive dará direito a indenização por danos morais. Assim, é totalmente legal divulgar as unidades dos inadimplentes nos boletos, balancetes e nas assembleias de condomínios. E vetado divulgar as mesmas informações em quadros de avisos, jornais internos ou qualquer outro meio que exponha o devedor de qualquer forma a situação vexatória ou com o objetivo de constrangê-lo”.
Por último, ele relata:
“O TJ/SP, em decisão proferida pela 1ª câmara de direito privado nos autos da apelação cível 289.102.4 entendeu que divulgar a relação de inadimplência é procedimento meramente administrativo.
“Indenização - Dano moral - Veiculação do número do apartamento do autor em circular que apontava devedores das cotas condominiais - Ausência de conduta que justificasse a fixação de indenização por danos morais - Não comprovação, aliás, de qualquer situação vexatória ou humilhante experimentada pelo apelante - Inexistência de ofensa na veiculação - Ação improcedente - Recurso desprovido” (“Divulgação da lista de inadimplente”, in Síndico.net de 13.9.12).
Quem está em dias com os pagamentos mensais não tem o direito de saber o nome dos que estão devendo. No máximo, a divulgação do total de débitos.
Tempus regit actum
Às vezes, o gestor comete erro crasso por desconhecer a hermenêutica civilista. Quando não havia impedimento convencional para se utilizar das áreas comuns, uma moradora, da comarca de Rondonópolis, atrasou a taxa de manutenção, chegando a dever R$ 11.216,85.
Iniciou-se a cobrança executiva; ela quitou a sua dívida e nisso houve uma alteração na convenção sobre esse tipo de inadimplência. Mesmo depois, o condomínio Residence Classic continuou não permitindo que ela frequentasse os ambientes comuns a todos.
Cleuci Terezinha Chagas Pereira da Silva, juíza da 3ª turma da câmara de direito privado, em 5.12.18 deu-lhe ganho de causa (AI n. 108956-78-2018.8.11.0000).
Esse acórdão, aprovado por unanimidade, citou Caio Mário da Silva Pereira (“Condomínios e Incorporações”, 13ª ed., Editora Forense, 2015).
Informação ao SPC
A vida em comum dos moradores de um condômino difere um pouco daquela havida fora do residencial.
Não se recomenda ao gestor denunciar aos órgãos públicos ou privados a inadimplência de condôminos. O SECOVI ajuíza da mesma forma. A administração corre o risco de ser processada pelo inadimplente.
Rosely Benevides de Oliveira Schwartz diz que: “Segundo o IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor), em seu “Guia do Condomínio” 3ª ed., atualizado de acordo com o Código Civil, 2003, p. 12, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 42, o direito de o consumidor não ser exposto ao ridículo nem ser submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça na cobrança de débitos. Por exemplo, não poderá ter seu nome divulgado como inadimplente” (...) (ob. cit., p. 305).
Ou seja, a única sanção que a lei admite para o devedor são os acréscimos legais e eventuais multas.
Sujeito passivo informal
Quem não recolhe a contribuição devida a um condomínio está em atraso, é devedor até que prove o contrário. Talvez, por qualquer motivo, como é o caso da prescrição da dívida não possa ser cobrado, mas contínua inadimplente no mundo real.
Apoiados em raciocínio formal e puramente jurídico, a 3ª Turma do TJ/DF e território, por unanimidade decidiu que o condomínio Residencial Park Jockey era irregular e indeferiu a petição inicial de cobrança da aludida taxa de contribuição devido a ausência de documentos necessários para o processo de execução.
Na ação, o condomínio achou ser desnecessário provar que estava registrado no cartório de registro de imóveis; isso seria irrelevante.
O juiz da 2ª vara cível de Águas Claras já havia negado o pleito, entendendo que se tratava de um condomínio irregular (Proc. APC 201616101336-12).
Uso da área de lazer
O juiz da 1ª vara cível de Ceilândia deferiu o pedido de dois moradores de uma unidade condominial contra o condomínio: para se abster de impedir ou embaraçar em razão de inadimplência do imóvel o pleno acesso e uso das áreas comuns do condomínio, sob pena de ter de pagar R$ 1.000,00 por ato descumprimento.
No caso, a inadimplência se devia a mensalidades atrasadas anteriores a aquisição do imóvel pelos reclamantes devidas pelo antigo proprietário vendedor.
Com base no art. 1345 do Código Civil a responsabilidade é do adquirente. O magistrado entendeu que o uso de áreas comuns “decorre da fração ideal que cada co-proprietário possui sobre o todo, cenário que não se altera em virtude de eventual inadimplência (...).
A apartada restrição se compatibiliza com a amplitude do direito de propriedade, mormente porque o ordenamento jurídico dispõe eficientes mecanismos para viabilizar as satisfação de tais créditos”.
Mesmo sendo isolado e equivocado, é um raro exemplo do mau uso que se possa extrair do direito dos comunheiros as partes ideais. Se essa pretensão subsistir não se sabe por que os demais residentes têm de pagar o condomínio. Além de tudo o magistrado ignorou as normas da convenção. Proc. 2016.03.1.013692-2, que tramita no TD/DF e territórios.
Dia 28.5.19, por unanimidade, a 4ª turma do STJ decidiu que uma moradora possa frequentar a piscina do condomínio Tortuga’s, no Guarujá/SP, mesmo estando em débito de R$ 290 mil (sic) com a taxa de manutenção depois que ela explicou as suas dificuldades financeiras.
O RESP 1.699.022 foi relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão (“Condômino em atraso pode usar piscina”, in Estadão de 29.5.19 – Metrópole, A-16.).
Para Mayara Silva, as regras para visitas devem seguir o estabelecido no regimento interno do condomínio (“Visitantes e as Áreas Comuns do Condomínio”, in JUSbrasil).
A 1ª turma cível do TJ/DF negou o recurso de um condomínio em Taguatinga que proibiu um morador inadimplente de se utilizar das áreas comuns, entre elas a churrasqueira.
O condomínio foi condenado a indenizar o inadimplente em R$ 5.000,00. Não há informação na decisão se desse valor pudesse ser descontada a dívida condominial (sic).
Dívida anterior ao registro da convenção
A 3ª Turma do STJ, cuidando do RESP 1.731.128, entendeu que o atual proprietário de um imóvel em condomínio somente assume responsabilidade relativa às taxas condominiais depois que a convenção seja registrada em cartório. Antes disso, o responsável é o vendedor da unidade, um devedor pessoal.
No julgamento, a relatora ministra Nancy Andrighi citou o tema 882 dos recursos repetitivos: para afirmar que, na ausência de condomínio formalmente constituído, é preciso a anuência do condômino para que esta se torne responsável pelas dívidas relaciona associação de moradores.
“Previamente ao registro da convenção de condomínio, as cotas condominiais não podem ser cobradas junto ao recorrente. Porém, aquelas dívidas surgidas posteriormente à convenção devem ser consideradas de natureza propter rem".
Essa relatora reiterou que constituído o condomínio, a jurisprudência do STJ aponta no sentido de que todas as obrigações condominiais decorrentes têm caráter propter rem.
“Devidamente estabelecido o condomínio, todas as despesas condominiais são obrigações propter rem, isto é, existentes em função do bem e, assim, devidas por quem quer que o possua".
Propter rem que, para Silvio Rodrigues: “é aquela em que o devedor, por ser titular de um direito sobre uma coisa, fica sujeito a uma determinada prestação que, por conseguinte, não derivou da manifestação expressão ou tácita de sua vontade” (“Direito Civil”, Vol II, 2ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1965, p. 119).
Em relação à pessoa física, exceto de um empresário titular de firma individual, não se deve usar a expressão “falência”. Questionado e cobrado pelos seus credores, quando tem dívidas superiores ao seu patrimônio e sem condições de cumprir as suas obrigações financeiras, se diz civilmente insolvente.
Insatisfeitos, esses credores quirografários podem pedir em juízo sua insolvência civil, cenário formal correspondente à falência da pessoa jurídica.
Destarte, no mundo jurídico formal, não há um condômino falido (a despeito de subsistir no mundo real), uma pessoa sem atender suas obrigações para com o condomínio, valendo inserir que a questão não é apenas vernacular.
Dizia o CPC de 1973 no art. 748:
“Dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem a importância dos bens do devedor”.
A lei 11.101/05 que revogou o decreto-lei 7.661/45 (lei de falências) não contém a palavra “condômino” nem cuida da pessoa física devedora, exceto a do empresário. A única expressão mais próxima é consórcio (art. 1º).
Um condômino empresário em sua vida profissional, no que tange ao residencial em que vive tem de ser tratado como condômino.
O juízo da vara de falências, recuperações judiciais e litígios empresariais do tribunal de justiça do distrito federal em 1.3.18 declarou a insolvência de Fernando Moreira Polônia (“Falência de Pessoa Física existe?” in JUSBrasil - Proc. 2014.01.02.1490-17-6).
Acredita-se que a insolvência civil possa se requerida pelo próprio devedor.
Sem embargo de se utilizar indevidamente da palavra “falência”, esse foi o tema do AI n. 02200416-88.2012.8.26.0000 – 27ª Câmara do TJ/SP, no qual figurou como relator o desembargador Morais Pucci (janeiro/2013).
Diz a ementa desse acórdão:
“Decretada a falência da executada em 1.998, as despesas condominiais são consideradas encargos da massa, com preferência sobre os demais créditos, porque visam à manutenção e continuidade do condomínio (art. 124, caput, e § 1º, inc. III, do decreto-lei 7.661/45). Desnecessidade da habilitação do crédito do exequente no juízo da falência e da suspensão da execução. Decisão reformada. Recurso provido”.
Importante acrescentar que em 9 de fevereiro de 2005, foi sancionada a lei 11.101, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária e que revogou o decreto-lei 7.661/45. Mas, no seu artigo 84 repete o disposto no decreto-lei 7.661/45, esclarecendo que “serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta lei, na ordem a seguir, os relativos a (…) III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência”.
No corpo do acórdão, o relator ensina: “As despesas condominiais têm natureza de obrigação propter rem e visam à conservação e continuidade do condomínio, devendo cada condômino pagar suas respectivas cotas, sem o que pode ele deixar até mesmo de existir. Deve a massa falida proprietária de unidade condominial, portanto, adimplir com as respectivas cotas condominiais a fim de atingir o objetivo de continuidade da coisa comum, satisfazer o interesse coletivo e preservar seu próprio patrimônio. Nesse sentido, as despesas condominiais da massa falida são consideradas encargos da massa, devendo ser pagas com preferência sobre todos os créditos admitidos à falência”.
São mencionados vários acórdãos, dentre os quais o do STJ: “As taxas condominiais são consideradas encargos da massa. Sendo assim, classificam-se como créditos não sujeitos a rateio e, por conseguinte, exercem preferência sobre os créditos admitidos à falência, ressalvadas as despesas com a arrecadação, a administração, a realização de ativo e a distribuição de seu produto, inclusive a comissão de síndico. (…) (RESP n. 794.029/DF, relator min. João Otávio de Noronha, 4ª turma, decisão de 15.12.09, in DJe de 2.2.10).
Penhora na cobrança
Segundo entendeu a 3ª turma do STJ não se pode penhorar um bem de família em relação a obrigação devida a obra no condomínio, processo relatado pela ministra Nancy Andrighi (RESP 1.658.60-1).
Cobrança das parcelas vincendas
A terceira turma do STJ entendeu válida a inclusão de parcelas vincendas em ação de execução de dívidas condominiais, até o cumprimento integral da obrigação (RESP 1.756.791 e 1.813.850).
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*Wladimir Novaes Martinez é advogado.