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Os impactos da extinção do DPVAT

A operação do Seguro DPVAT é eminentemente privada, não existindo nenhuma vinculação com dinheiro público, portanto, o que pretende o governo é estatizar uma operação privada, indo na contramão de seu dito viés privatizador.

28/11/2019

No dia de 11 de novembro de 2019, o Poder Executivo surpreendeu a todos os brasileiros com a edição da medida provisória 904, que dispõe sobre a extinção do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres – DPVAT.

Para que se entenda a extensão dessa medida, necessário que se tenha em conta o significado de tal modelo de seguro para o cidadão brasileiro. Trata-se de um seguro obrigatório com uma função eminentemente social em razão de que indeniza, independentemente, de verificação de culpa, as vítimas de acidentes de trânsito por veículos em via terrestre. São passíveis de indenização: a morte, a invalidez permanente e as despesas médicas e hospitalares, cada qual com o seu respectivo limitador.

Não bastasse, como todo seguro, é uma importante fonte de distribuição de renda.

A justificativa para a extinção foi a existência de fraudes. Sim, elas certamente existem, como existem em quase todos os ramos de seguro. Mas também é certo afirmar que existem fraudes em vários programas sociais operados pelo Governo.

Nem por isso se cogita da extinção deles. Ao contrário, se existem fraudes elas devem ser apuradas com a responsabilização criminal dos autores, mas em hipótese alguma acabar com uma modalidade de seguro que beneficia milhões de pessoas.

De acordo com a CNSseg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização), cerca de 70% dos carros registrados no Brasil não possuem qualquer tipo de seguro ou cobertura privada para proteção do bem e terceiros.

A operação do Seguro DPVAT é eminentemente privada, através de um consórcio de 73 empresas seguradoras, não existindo nenhuma vinculação com dinheiro público, e a única atribuição do Governo Federal é determinar o capital segurado, por meio do CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados), portanto, o que pretende o governo é estatizar uma operação privada, indo na contramão de seu dito viés privatizador.

É importante frisar que o seguro obrigatório é a única proteção para mais de 350 mil pessoas que se envolvem anualmente em acidentes de trânsito. É fato notório que as pessoas menos favorecidas economicamente recorrem apenas ao seguro DPVAT para buscar uma indenização, pois não possuem condições para contratação de um seguro facultativo.

Ademais, repita-se, o seguro obrigatório possui um uma importante função social, pois visa amparar as vítimas de acidentes envolvendo veículos de via terrestre repassando 45% de sua receita para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Os números falam por si: em 2018 o DPVAT arrecadou R$ 4,66 bi, repassando para o SUS R$ 2,09 bi e economizou R$ 69,6 mi, por conta de fraudes descobertas*. Como se percebe, são recursos que farão falta a um sistema falido e com orçamento contingenciado.

A palavra agora está com o Congresso Nacional que deverá debruçar-se com a devida atenção sobre o tema, em razão do alto índice de acidentes de trânsito e a precariedade de nosso sistema único de saúde.

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*Milton Küster é advogado, sócio fundador do Küster Machado - Advogados Associados e responsável pela direção direta do escritório.

*Emerson Magalhães é advogado, gestor da área de securitário e ressecuritário no escritório Küster Machado - Advogados Associados.

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