A decisão do ministro Dias Toffoli do STF de suspender o compartilhamento de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), por intermédio dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIF), com o Ministério Público têm causado acesas polêmicas no cenário jurídico e institucional brasileiro.
O Coaf, como se sabe tem por função primordial detectar movimentações financeiras ou bancárias atípicas e no momento em que realiza suas análises, consulta bases de dados como: Rede Infoseg (base de inquéritos), Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), Declaração de Operações Imobiliárias (DOI), Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), Cadastro de Pessoas Expostas Politicamente (Cadastro de PEPs), Prestação de Contas Eleitorais do TSE, Cadastro Nacional de Empresas (CNE), Base de Grandes Devedores da União, Bases do Tribunal Superior Eleitoral, Declaração de Porte de Valores(e-DPV)
Não importa se deputado, senador, servidor público, profissional liberal ou de um cidadão comum.
O sigilo bancário, hoje regulado pela LC 105/01, contém exceções ou normas que expressamente possibilitam a troca de informações entre instituições financeiras e diversas autoridades da República, notadamente àquelas que fiscalizam a gestão de recursos públicos, especialmente a prática de ilícitos penais ou administrativos.
O dever de sigilo não pode ser oposto ao Banco Central do Brasil as autoridades bancárias, as CPIs, as Comissões de Valores Mobiliários e outras entidades que operam no mercado financeiro, entre elas e as autoridades constituídas, ainda devemos considerar que os Relatórios de Inteligência Financeira são acobertados por sigilo.
O objetivo final de todo esse processo é, como evidente, evitar, identificar ou punir a prática criminosa no Brasil e no exterior.
O § 2º do artigo 5º da LC 105/01 dispõe que as informações transferidas se restringem a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados.
Importante entender que o conteúdo do RIF produzido pelo Coaf é de caráter meramente indiciário, apto a auxiliar, sozinho ou de forma conjugada com outras diligências, a obtenção de ordens judiciais para a produção de outros meios de provas para então sustentar eventual persecução penal.
Ressaltamos que o regime de produção de inteligência financeira não substitui o emprego dos métodos tradicionais de produção de provas, estes sim legítimos a comprovar a autoria e materialidade de crimes, que podem ser realizados pelos órgãos competentes da administração pública federal, a exemplo a administração tributária por intermédio de auditorias e fiscalizações.
As diversas Convenções Internacionais que tratam do tema, inclusive firmadas pelo Brasil avançaram muito no compartilhamento de tais informações para o combate da corrupção, da lavagem de dinheiro, do tráfico de drogas e o do terrorismo.
O Brasil já faz parte do GAFI, que é o grupo em que estão todas as unidades de fiscalização financeira do mundo, como o Coaf brasileiro, desde 1999.
A necessidade de autorização judicial de fato existe e é necessária em muitos casos para o atendimento do devido processo legal, da ampla defesa, para o que chamamos de plena “instrução probatória”, tanto no processo civil, como no penal e administrativo. Isso não significa, entretanto, absolutamente impossibilitar a fase investigatória e o compartilhamento legal de informações para detectar o crime ou a atividade ilícita.
O próprio Supremo Tribunal Federal já firmou essa posição por exemplo na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2859-DF, relator o ministro Dias Toffoli, julgada em 24/2/16. Neste caso admitiu-se que no inquérito policial pode haver o acesso as informações do sigilo bancário do investigado, quando presentes indícios de prática criminosa.
Ademais, em outra oportunidade também o Plenário do STF concluiu que a lei complementar 105/01, permite à Receita Federal receber dados bancários de contribuintes fornecidos diretamente pelos Bancos, sem prévia autorização judicial. Por maioria de votos 9x2, prevaleceu o entendimento de que a norma não resulta em quebra de sigilo bancário, mas sim em transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas protegidas contra o acesso de terceiros.
Importante relembrar que o Supremo Tribunal Federal, em 2015, decidiu no Ag.Reg. na ação cautelar 3.872 – DF, referente à “Operação Lava jato” que o RIF, juntamente a outros elementos obtidos durante a investigação, inclusive a colaboração premiada, pode compor embasamento suficiente a autorizar a quebra de sigilo bancário.
O que mudou de lá para cá? Aparentemente nada.
Esperemos que o Supremo revisite rapidamente a matéria e confirme o seu entendimento anterior, até para reduzir a tradicional impunidade em um país que parece estar tentando firmar-se como combatente do crime, respeitando-se as garantias constitucionais. Isso se o Brasil quer mesmo ingressar na OCDE.
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*Marcelo Figueiredo é advogado, consultor jurídico e professor associado de Direito Constitucional da PUC-SP.
*Elizabeth Martos é advogada, consultora jurídica e professora de Direito Tributário da Trevisan Escola de Negócios.