Tema polêmico e que está na ordem do dia dos tribunais envolve os poderes do juiz para adotar medidas capazes de forçar o devedor a pagar sua dívida. De um lado estão aqueles que sustentam que a execução deve ser realizada no interesse do credor e, de outro, os que sustentam que o devedor só pode responder pela dívida com seus bens presentes e futuros.
A discussão instalou-se porque o Código de Processo Civil de 2015 inovou em relação ao diploma anterior, estabelecendo, no art. 139, IV, que o juiz pode “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Com base nesse dispositivo, já se determinou, por exemplo, a apreensão do passaporte e da carteira de habilitação do devedor; a suspensão de cartões de crédito e de perfis em redes sociais; o corte de energia elétrica de órgãos públicos; a proibição de participação em licitações; o sequestro de verbas públicas em ações de saúde, entre outras providências.
Algumas medidas chegam a ser curiosas como a que proibiram condôminos inadimplentes de frequentar a área de lazer do condomínio e o elevador social do edifício. Nesse ritmo, não será surpresa se um dia houver pedido de sequestro do animal de estimação do devedor.
Convém esclarecer que muitas das decisões mencionadas acima foram reformadas pelos tribunais superiores, mas o tema segue controvertido. Como a jurisprudência ainda está se consolidando, não se pode cravar, por ora, os limites das chamadas medidas executivas atípicas.
Com exceção da pena de prisão (que tem expressa previsão legal para o caso do devedor de alimentos), talvez uma
Esgotados os meios típicos, isto é, aqueles previstos na lei, deve, então, o juiz analisar o pedido do credor para a aplicação de uma medida atípica. Nessa hipótese, alguns cuidados são necessários. Além de fundamentar a decisão e franquear, quando possível, o contraditório ao devedor, sempre observando a proporcionalidade da medida adotada, o julgador não pode transformar um meio de coerção em sanção.
Uma coisa é aplicar uma medida para “estimular” o devedor a cumprir sua obrigação. Outra, completamente diferente, é transformar a medida em punição.
Um exemplo pode ajudar na compreensão. Se não há qualquer indício de que o devedor viaja para o exterior, não faz sentido requerer aleatoriamente a apreensão de seu passaporte. É que aí não há correlação entre a providência requerida e o fim almejado. É como impedir de comer alface uma criança que não gosta de salada.
Agora, se o credor consegue demonstrar que o devedor costuma viajar (e muitas vezes fotos e vídeos são publicados nas redes sociais), aí sim haveria, ao menos em tese, uma justificativa para a apreensão do passaporte (nesse caso, o pedido é um instrumento de pressão, e não uma mera punição).
Em suma, o tema é complexo e, como diz o ditado, ainda tem muita água para rolar debaixo da ponte. Aliás, existe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Partidos dos Trabalhadores no Supremo Tribunal Federal, em que se questiona justamente o mencionado art. 139, IV, do CPC.
Se, de um lado, a inadimplência deve ser duramente combatida, por outro, não se pode permitir violação a garantias fundamentais. No passado, o devedor era humilhado em praça pública ou forçado a pagar a dívida com seu próprio corpo. Mas não há mais espaço para retrocessos.
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