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Período de deslocamento em viagens – tempo à disposição

O posicionamento predominante na jurisprudência é no sentido de que o tempo destinado às viagens com a finalidade de execução de trabalho, principalmente fora do local (município) da prestação de serviços, deve ser considerado período à disposição do empregador, sendo as horas excedentes da jornada normal remuneradas como extras.

27/5/2019

A reforma trabalhista trouxe várias modificações nas disposições da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.  

Uma delas diz respeito ao período de deslocamento pelo empregado, desde a sua residência até o posto ou local de trabalho e para o seu retorno.  

Esse tempo não poderá ser considerado à disposição do empregador e, portanto, não será computado na jornada de trabalho.  

E nesse sentido é o que dispõe a nova redação do parágrafo 2°, do artigo 58, da CLT:  

O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador. (Destacamos). 

Dessa forma, ao realizarmos uma interpretação literal do dispositivo acima, chegamos à conclusão na direção de que as horas de deslocamento, inclusive em viagens, efetuadas fora da jornada normal de trabalho, não são extras. 

De fato, ao que nos parece, o posto de trabalho é o local onde o empregado irá prestar os serviços e que pode ser acessado por “por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador”. 

Todavia, existem firmes entendimentos no sentido de que o tempo de deslocamento do empregado de sua residência até o local da execução dos trabalhos, não pode receber o mesmo tratamento daquele gasto em viagens, quando esse fato ocorrer por exigência da empresa, fora da jornada normal de trabalho. 

Assim, alguns posicionam que nestas circunstâncias o empregado está à disposição do empregador, aplicando-se o artigo 4°, da CLT, cuja redação é a seguinte:  

Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada. (Destacamos). 

Destarte, é necessária cautela para analisar os dois dispositivos supramencionados.  

É que recentemente foi julgado pelo Tribunal Superior do Trabalho que os períodos em viagem, por determinação da empresa, fora do horário normal de trabalho, devem ser remunerados como horas suplementares. Vejamos:  

HORAS EXTRAS. PERÍODO DE DESLOCAMENTO EM VIAGENS. RESTRIÇÃO À LIBERDADE DO TRABALHADOR. TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR. DEVIDAS. O tempo despendido pelo empregado em viagens a serviço do empregador, fora do horário normal de trabalho, deve ser integrado em sua jornada de trabalho e remunerado, como extra, porquanto o empregado, nesses casos, tem sua liberdade de locomoção restringida por ordens do empregador, enquadrando-se tal período como tempo à disposição deste, na forma do art. 4º da CLT. (TST - Processo: 0021276- 69.2017.5.04.0741. Data do julgamento: 8/11/18. Relator: João Paulo Lucena. TRT-4, 4ª Turma). (Destacamos). 

Nessa mesma linha decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região em sede de Recurso Ordinário (nos autos do processo n° 001153481.2016.5.03.0062):

TEMPO DE DESLOCAMENTO COM VIAGENS. HORAS EXTRAS. CONFIGURAÇÃO. O tempo despendido em viagens atende, exclusivamente, aos interesses do empreendimento e, portanto, configuram tempo à disposição do empregador, nos termos do art.4º da CLT, devendo, pois, ser remunerado como extras, ou ser computado para a devida compensação. (TRT - Processo: RO – 0011534-81.2016.5.03.0062 relator: Manoel Barbosa da Silva, Quinta Turma TRT RELATOR: MANOEL BARBOSA DA SILVA. Data Julgamento: 09/07/2018). (Destacamos). 

Com base no exposto, pode ser admitido em caso de eventual discussão judicial, que o tempo gasto em viagens  será considerado à disposição do empregador, não se aplicando a regra disposta no § 2º, do artigo 58, da CLT. 

No entanto, ao que nos parece, não será qualquer viagem que poderá ser tida como tempo à disposição.  

Pensamos que devem ser remuneradas aquelas realizadas para execução de trabalhos fora do município da prestação normal de serviços. Nessa linha de ideias já  pronunciou o C. TST e o Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região: 

AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ECT. VIAGENS. DESLOCAMENTO ENTRE O MUNICÍPIO DE LOTAÇÃO E OUTRAS CIDADES EM RAZÃO DE NECESSIDADE DE SERVIÇO E DETERMINAÇÃO DO EMPREGADOR. TEMPO À DISPOSIÇÃO. A parte agravante não consegue viabilizar o acesso à via recursal de natureza extraordinária, à míngua de comprovação de pressuposto intrínseco de admissibilidade inscrito no art. 896 da CLT. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que as viagens realizadas pelos empregados decorrentes da necessidade do serviço e das correspondentes determinações emanadas do empregador, configuram tempo à disposição deste último, nos termos do art. 4º da CLT, devendo ser remuneradas de forma extraordinária quando efetuadas fora do horário normal de trabalho, em efetiva sobrejornada. Agravo a que se nega provimento. (TST - Processo: Ag-AIRR - 296200-51.2009.5.01.0282 Data de Julgamento: 25/4/18, relator ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/4/18).  

HORAS EXTRAS. EMPREGADO DESLOCADO PARA PRESTAR SERVIÇOS EM LOCALIDADE DIVERSA DAQUELA EM QUE FOI CONTRATADO. TEMPO DESPENDIDO EM VIAGENS, NESSAS CIRCUNSTÂNCIAS, ATRAI A APLICAÇÃO DA INTELIGÊNCIA DO ART. 4º DA CLT. O labor em local diverso daquele do domicílio do obreiro, lugar de sua contratação, interessava somente à empregadora e era realizado ao seu mando, constituindo condição inerente do contrato de trabalho. Destarte, competia à reclamada não somente prover as condições de deslocamento do reclamante e estadia quando determinava a ele a prestação de serviços em local diverso da contratação, como assumir todos os ônus daí decorrentes. Com efeito, o tempo de viagem, traduz-se em tempo em que o empregado encontra-se à disposição do empregador (inteligência e aplicação do artigo 4º do texto consolidado), estando, inclusive, sob o pálio da Lei de Benefícios da Previdência Social (art. 21, inc. IV, alíneas c e d da Lei de Benefícios da Previdência Social), devendo, pois, ser remunerado. (TRT-3 - RO: 00674201206303002 000067457.2012.5.03.0063, relator: Anemar Pereira Amaral, Segunda Turma, Data de Publicação: 9/4/14. DEJT/TRT3/Cad. Jud. Página 70). (Destacamos). 

Consequentemente, as viagens visando à realização de trabalho fora da jornada normal e do local (município) da prestação de serviços, podem ser tidas como tempo à disposição do empregador, devendo, assim, ser remuneradas como horas extras. 

Diante do exposto, a interpretação literal do § 2º, do artigo 58, da CLT, leva  à conclusão de que as horas de deslocamento, inclusive em viagens, mesmo executadas fora da jornada normal de trabalho, não podem ser consideradas como extras.

Todavia, o posicionamento predominante na jurisprudência é no sentido de que o tempo destinado às viagens com a finalidade de execução de trabalho, principalmente fora do local (município) da prestação de serviços, deve ser considerado período à disposição do empregador, sendo as horas excedentes da jornada normal remuneradas como extras.

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*Orlando José de Almeida é advogado sócio do escritório Homero Costa Advogados.

*Bernardo Gasparini Furman é colaborador do escritório Homero Costa Advogados.

 

 

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