O Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil manifesta sua incontida preocupação com o recente episódio do qual decorreu a decisão proferida no inquérito 4781 do Distrito Federal, tramitando sob sigilo.
Trata-se de inquérito instaurado pela portaria GP 69, de 14 de março de 2019, do senhor ministro presidente do STF, nos termos do art. 43 do Regimento Interno, para o qual foi designado o ministro Alexandre de Moraes para sua condução, considerando a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança da Instituição STF, dos seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão.
Cumpre destacar que após a instauração do Inquérito, no dia 15 de março de 2019, a Procuradoria Geral da República manifestou-se formalmente no inquérito, em respeito à dignidade da Justiça, pedindo que o STF esclareça a portaria que instaurou inquérito para apurar suspeita de crimes contra membros da Corte, ante a clara usurpação funcional.
No documento, Raquel Dodge afirma que a função de investigar não se insere na competência constitucional de órgão do Poder Judiciário, como o Supremo Tribunal Federal. Trata-se de uma garantia constitucional que separa de forma nítida as funções de julgar, acusar e defender. A atuação do Poder Judiciário, consistente em instaurar inquérito de ofício e proceder à investigação, tem potencial de afetar sua necessária imparcialidade para decidir sobre a materialidade e a autoria das infrações que investigou, comprometendo requisitos básicos do Estado Democrático de Direito, que se funda em balizas pétreas.
No dia 21 de março de 2019, o partido REDE Sustentabilidade ajuizou a ADPF, que recebeu o número 572 e foi distribuída para o ministro Luiz Edson Fachin, na qual pede a declaração de inconstitucionalidade da portaria GP69, de 14 de março de 2019, que ocasionou a abertura do Inquérito no 4781, comparando a mencionada portaria ao ato institucional 5 (AI-5), decreto que marcou o início do período mais repressivo da ditadura militar, em 1968.
No dia 3 de abril de 2019, a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu parecer na mencionada ADPF 572, defendendo a portaria questionada, sendo esta a mesma data da petição do advogado que junta a colaboração do Marcelo Odebrecht mencionando o ministro José Antonio Dias Toffoli como sendo o “amigo do amigo do meu pai”, o que seria objeto de uma matéria jornalística com início da divulgação no dia 12 de abril de 2019.
No mesmo dia 12 de abril, a PGR emite nota oficial afirmando que não recebeu nenhum material e não comentou o conteúdo da reportagem: "Ao contrário do que afirma o site 'O Antagonista', a Procuradoria-Geral da República (PGR) não recebeu nem da força-tarefa Lava Jato no Paraná e nem do delegado que preside o inquérito 1365/15 qualquer informação que teria sido entregue pelo colaborador Marcelo Odebrecht em que ele afirma que a descrição “amigo do amigo de meu pai' refere-se ao presidente do STF, Dias Toffoli”.
Ainda no dia 12 de abril, o ministro Alexandre de Moraes recebeu mensagem direta do presidente do STF com o seguinte teor: "Permita-me o uso desse meio para uma formalização, haja vista estar fora do Brasil. Diante de mentiras e ataques e da nota ora divulgada pela PGR que encaminho abaixo, requeiro a V. Exa. Autorizando transformar em termo está mensagem, a devida apuração das mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras"
No próprio dia 12 de abril, o ministro Alexandre de Moraes, determinou que o site O Antagonista e a revista Crusoé' retirassem, imediatamente, dos respectivos ambientes virtuais a matéria intitulada “O amigo do amigo de meu pai” e todas as postagens subsequentes que tratem sobre o assunto, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), cujo prazo será' contado a partir da intimação dos responsáveis.
No dia 15 de abril de 2019, a TV Globo informou que a petição mencionando o ministro José Antonio Dias Toffoli como sendo o “amigo do amigo do meu pai”, não consta mais dos autos. Menciona, ainda, que o juiz da 13ª Vara, Luiz Antonio Bonat, intimou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal a se manifestarem, mas o documento não se encontrava no processo.
Finalmente, os jornalistas reiteram o teor da reportagem imputando ato de censura praticado pelo STF que por sua vez considerou falsa a petição do advogado que junta a colaboração do Marcelo Odebrecht, ou seu conteúdo, mencionando o ministro José Antonio Dias Toffoli como sendo o “amigo do amigo do meu pai”.
Os fatos acima relatados dão o exato contexto e são extremamente graves porque colocam em risco o Estado Democrático de Direito na sua dimensão mais importante representada pela garantia das liberdades e o respeito ao devido processo legal.
As graves acusações de censura, de atuação como um tribunal de exceção e de fraude processual com o desaparecimento de um documento sobre o qual se baseia a reportagem, colocam em rota de colisão o Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria Geral da República, a Advocacia Geral da União, a Advocacia e a Imprensa, com efeitos deletérios à Democracia.
Numa democracia devemos repudiar a censura, com todas as forças, como recentemente julgado pelo próprio STF:
“O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito a` ampla liberdade de expressa~o, possibilitando a liberdade de opinia~o, de cri'tica poli'tica, a proliferac¸a~o de informac¸o~es, a circulac¸a~o de ideias; garantindo-se, portanto, os diversos e antago^nicos discursos – moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, cienti'ficos, litera'rios, jornali'sticos ou humori'sticos, pois, no dizer de HEGEL, e' no espac¸o pu'blico de discussa~o que a verdade e a falsidade coabitam” (ALEXANDRE DE MORAES - MEDIDA CAUTELAR na ADPF 548/DF).
Não existe liberdade sem responsabilidade, tampouco um Sistema de Justiça que não respeite os princípios da legalidade e igualdade.
O Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil externa, ainda, o seu sobressalto ao constatar que sua Excelência o ministro do STF não tenha se valido de Advogado para veicular suas pretensões, preferindo atuar por conta do cargo em jus postulandi que não lhe cabe, desconvém e não se justifica, na medida que a matéria a ele se refere enquanto como Advogado-Geral da União, cargo que ocupou de 12 de março de 2007 a 23 de outubro de 2009.
Evitando-se o prejulgamento e a manifestação sobre o que não se conhece, o Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil aguarda o imediato esclarecimento sobre a existência da petição que embasou a reportagem, bem como o mais rápido julgamento da ADPF 572 para que haja segurança jurídica na condução dos processos, repudiando todo e qualquer ato de censura.
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*Hélio Gomes Coelho Júnior é presidente do Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil.