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Competência delegada: inconstitucionalidade da proposta da Reforma Previdenciária

O modelo, proposto na emenda, embora louvável, pois se cuida de tentativa de ganhar tempo, na verdade, resvala no desvio de finalidade legislativa, ante a disparidade das matérias inseridas nele.

12/4/2019

A reforma da Previdência Social, alardeada há algum tempo como a salvação da pátria para a solução dos problemas do erário federal, estadual e municipal, no entanto, contém dispositivos para além de seu objeto, ou conteúdo, pois, de acordo com as informações de juristas, advogados, economistas, divulgados pela imprensa,  a emenda constitucional açambarca, mesmo em situações correlatas, hipóteses de outros ramos do Direito; portanto, no bojo, a proposta do Governo abraça casos que deveriam constar noutros projetos de emenda constitucional, pois propiciariam, certamente, acirrados debates no Congresso Nacional.

O modelo, proposto na emenda, embora louvável, pois se cuida de tentativa de ganhar tempo, na verdade, resvala no desvio de finalidade legislativa, ante a disparidade das matérias inseridas nele. Assim, fere-se o princípio do devido processo legal, garantia constitucional, especialmente dos parlamentares, os quais têm a incumbência de apreciar e votar a variedade de temas contidos no projeto. Enfim, desgarra o bom direito, a fim de percorrer as águas profundas e turvas das incertezas jurídicas.

Neste momento, levaremos em conta a seguinte proposição do projeto da emenda: as ações previdenciárias de segurados localizados nas  cidades do interior devem ser propostas na sede mais próxima da Justiça Federal, desde que esta não ultrapasse cem quilômetros da residência do autor (da ação). [essa situação, precária, transitória, de acordo com a emenda, permanece no sistema jurídico até o advento de lei a regular o tema].

Ora, há inconstitucionalidade flagrante, pois o projeto vem de encontro ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrado na Constituição, como direito ou garantia constitucional (art.5º, XXXV), logo, cláusula pétrea, imodificável, conforme determina o artigo 60,§4º, IV, do Texto Constitucional!

Pois, hoje, as ações previdenciárias são propostas na Justiça Federal (art.109, I, CF). No entanto, o artigo 109, §3º, da Constituição, permite, ao segurado da Previdência Social, se não houver sede da Justiça Federal no local de sua residência, propor essas ações perante a Justiça Estadual.

Isso acontece, porque somente a Justiça Estadual detém estrutura, além da presença, em quase todas as cidades do país; quando menos, em cidades circunvizinhas à residência do autor da ação. Ao contrário do que postula a emenda, a Justiça Federal  não detém estrutura suficiente para atender à demanda advinda da modificação pretendida. E no projeto não há nenhum elemento, ou dado, para o aumento da atual estrutura física da Justiça Federal. Ao revés, a emenda constitucional da contenção de gastos (95/16), sacudiu a Justiça Federal, como se pôde perceber na prática judiciária.

Assim, a emenda, ao exigir a propositura das ações previdenciárias na Justiça Federal, dificulta, inviabiliza, o acesso à jurisdição das pessoas; conforme o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito’.

Os pobres, os marginalizados, diz a prática, são os principais segurados que propõem essas espécies de ações contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Basta imaginarmos o deslocamento do segurado e das testemunhas para outra cidade, a sede da Justiça Federal, possivelmente num raio de até cem quilômetros!!!! Talvez nem tenham dinheiro para o pagamento do transporte, se houver! E, se tiverem que pousar naquela cidade; pagarão estadia?

Haverá, certamente, delongas processuais, devido à necessidade de adiamentos de audiências e demais atos processuais, contrariando o princípio da razoabilidade, insculpido no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal: ‘a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.’

A proposta do Governo atinge normas constitucionais-base, fundamentos da República, tais a igualdade e a dignidade da pessoa humana; ou objetivos, como erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (arts.1º, 3º e 5º, da CF). São preceitos constitucionais ligados, de algum modo, às manifestações e atos de cunho social e político do Estado, as quais, por seu turno, imbricam-se às ações previdenciárias [auxílios-doença, aposentadorias urbanas e rurais, etc].

Do mesmo modo, o Código de Processo Civil contém normas inconciliáveis à proposta da emenda constitucional: dentre as quais, a paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, meios de defesa, ônus etc (art.7º); e a solução do processo em prazo razoável (art.4º). Esses dispositivos decorrem do princípio do devido processo, insculpido, no Texto Constitucional, nos direitos e garantias constitucionais.

Finalmente, ante o princípio dispositivo, inerente nas jurisdições civil e penal brasileira, ‘o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial [do juiz], salvo as exceções previstas em lei.’(art.2º, CPC).

Ao dificultar o segurado de propor ações previdenciárias, a emenda constitucional da reforma não atende o princípio do devido processo legal (art.5º, LIV, CF), especificamente, o princípio dispositivo, que faz parte da estrutura do processo judicial, no país.

Realmente, o Poder Judiciário, por ser inerte e imparcial, ao depender da ação voluntária da parte interessada para a propositura da ação (legitimidade e interesse), não pode criar obstáculo ao exercício da jurisdição, sob pena de obstaculizar, fazer tábula rasa, ao princípio dispositivo.

Portanto, sob diversos prismas, ou aspectos, práticos e dogmáticos, a emenda da Reforma da Previdência Social, no ponto, atenta contra garantias e direitos individuais, bem como os fundamentos e objetivos da República brasileira. Por isso, cuida-se de inconstitucionalidade [parcial] da emenda, porque tende a afrontar, ou afronta, diretamente, cláusulas pétreas, contidas na Constituição.

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*Heraldo Garcia Vitta é advogado, consultor jurídico, juiz federal aposentado e ex-promotor de Justiça no Estado de São Paulo.

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