Não são raras as leis que, depois de aprovadas, sancionadas e vigentes, costumam não ter plena efetividade. Para arrepio de filósofos e juristas, é muito comum no Brasil a edição de leis que simplesmente “não pegam” ou, ainda, caem em completo esquecimento da sociedade ou de seus aplicadores/sancionadores. Agora, uma nova excentricidade jurídica parece apontar no cenário brasileiro: são as conhecidas teses tributárias em que os contribuintes “ganham, mas não levam”.
O jornal Estadão veiculou, no último dia 18/2, matéria com a seguinte manchete: “Alinhado a Guedes, Toffoli tenta limpar pauta-bomba de R$ 50 bilhões no STF”. Além de alertar para a inclusão em pauta no primeiro semestre de algumas das principais discussões tributárias, a matéria destaca que “o STF está sensibilizado com a situação das contas públicas.” Isso mostra, sem dúvidas, um governo preocupado em finalizar temas que geram ambiente de incertezas econômicas e tributárias, mas também evidencia séria preocupação com as contas públicas e o possível agravamento do déficit face à derrota da União nessas bilionárias disputas tributárias.
Essa preocupação é também refletida em atos quase desesperados das autoridades fiscais. Um exemplo recente pode ser visto na discussão da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Após julgamento favorável aos contribuintes, em que pese ainda estar pendente o julgamento dos embargos de declaração (interpostos pela União para tentar modular os efeitos da decisão), inúmeros contribuintes já iniciaram a restituição/compensação de seus créditos, o que desencadeou uma série de atos abusivos da Receita Federal do Brasil para minimizar o impacto da decisão.
Por meio da solução de consulta 13, de 2018 (posteriormente esclarecida em nota oficial), as autoridades manifestaram seu entendimento sobre a forma de calcular o crédito, afirmando que o ICMS a ser excluído seria o ICMS recolhido e não o valor destacado em nota.
Em alguns casos, a aplicação do entendimento defendido pela Receita Federal do Brasil pode resultar no absurdo de não existir qualquer crédito para restituição (como é o caso, por exemplo, de empresas exportadoras). Assim, caso o julgamento dos embargos não traga novidades com relação ao cálculo do crédito a ser restituído, os contribuintes deverão se preparar para novos litígios ou possíveis contingências.
Em outros temas judiciais que os contribuintes saíram vencedores (Cofins 9.718, contribuição previdenciária/verbas indenizatórias etc.) a posição agressiva e reativa das autoridades fiscais também é uma constante, com a criação de empecilhos, restrições ou negativas infundadas, sempre para evitar ou postergar o acesso dos contribuintes aos valores já reconhecidos judicialmente.
E é nesse cenário de grande litigiosidade que a documentação suporte pode ser o grande entrave na recuperação dos valores. A grande maioria das ações judiciais não possui documentação suporte de todo o período em discussão, mas sim dos últimos 5 anos anteriores à distribuição da ação. Acontece que uma ação judicial pode levar 10, 15 ou 20 anos até o seu desfecho final e, neste meio tempo, não existe um controle rígido da documentação ou sequer informação nos autos do processo acerca dos valores em discussão.
Essa percepção, na maioria das vezes, só acontece no momento da utilização do crédito (habilitação dos valores), onde as autoridades exigem de forma rígida a comprovação dos valores apurados e recolhidos e o contribuinte se dá conta que não possui documentos de 10, 15 ou 20 anos atrás.
Fica aqui um alerta importantíssimo: é preciso comunicação e gestão integrada dos departamentos jurídicos, financeiros e fiscal. A manutenção e a guarda de documentos deve seguir parâmetros e controles que permitam que os contribuintes vencedores das disputas tributárias possam, de fato, se beneficiar das referidas decisões judiciais.
Com isso, é necessário que os litígios tributários sejam geridos de forma estratégica, desde a formulação e distribuição das petições contendo as teses tributárias até a execução e aproveitamento dos valores, sem permitir qualquer chance de recuo das autoridades fiscais.
Para vencer uma batalha tributária não basta ter o entendimento favorável dos tribunais superiores, é preciso estratégia no curso e após o processo judicial, garantindo, de fato, o xeque-mate dos contribuintes.
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*Thaís Folgosi Françoso é advogada do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.