Migalhas de Peso

Com o erro se aprende?

A modificação de cultura direcionada à prevenção e gestão de risco chegará quando o cumprimento da lei (“enforcement”), aliando punição e correção, for implacável, e a Justiça – cega como é, e deve ser – atingir a todos, incluindo o próprio Estado e seus agentes.

21/2/2019

A ruptura da barragem B1, em Brumadinho, impõe-nos questionar: o que as ações civil e criminal contra a Samarco e seus executivos contribuíram para a modificação da cultura e gestão de riscos da atividade de mineração?

Com o modelo de fiscalização que em grande parte se resume à validação de laudos de auditorias e de declarações de condição de estabilidade fornecidas pelo particular, não é difícil concluir que as empresas não se esforçarão em atingir o objetivo da lei (mitigação do dano ambiental), se o próprio Estado não o faz.

É que a validação de um check list de documentos, notadamente quando a própria autoridade pública competente classifica a barragem como de Dano Potencial Associado Alto (em função de perdas de vidas humanas e dos impactos econômicos, sociais e ambientais), não é suficiente para garantir a observância de padrões de segurança aptos a reduzir a possibilidade de acidente e suas consequências, tampouco de criar condições para que se amplie o universo de controle das mesmas pelo Poder Público, fundamentos impostos pela Política Nacional de Segurança de Barragens (lei 12.334/10).

O Direito Ambiental é baseado no princípio da precaução, porque uma vez acontecido o dano, sofre não só a geração presente, mas as futuras, o que o crime ambiental ocorrido em Mariana deixou, infelizmente, registrado na história.

Após três anos deste desastre, não houve nenhuma autocrítica, pelos órgãos e autarquias responsáveis pela regulação da atividade, dos planos de atuação para mitigação de riscos, tampouco se debateu a efetividade e adequação da lei 9.605/98 para coibir crimes contra a administração ambiental, sobretudo sob o contexto dos delitos praticados por funcionários públicos (arts. 66 e 67), cuja pena máxima prevista de três anos, além de não nos parecer condizente com o potencial lesivo do fornecimento de um licenciamento indevido por fraude, em atividades de alto risco ao meio ambiente, por exemplo, é, por outro lado, desproporcional àquela prevista para o particular (seis anos), em um contexto semelhante (art. 69-A).

Entretanto, o agravamento, por si só, da reprimenda não trará nenhum resultado, para além do aspecto punitivo, se não associado à imposição de medidas, aos agentes envolvidos (pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas) de efetiva demonstração de adoção de políticas de prevenção, detecção e remediação adequadas aos riscos ambientais inerentes à atividade, à semelhança da exigência de implantação de programas de integridade que vise elidir práticas de corrupção instituída pela lei 12.846/13 (lei anticorrupção).

Isto porque, como sabiamente ensina Cortella, nós aprendemos com as correções dos erros, e não com os erros (em si), caso contrário o melhor método pedagógico seria errar bastante, e isso, por óbvio, afasta-se, quando consideramos que há erros fatais. Nesse sentido, à negligência impõe-se à punição, ao erro, medidas corretivas.

Foi assim, através do enforcement da lei calcada nesses dois aspectos punitivo1 e corretivo, que não só a empresa Tokyo Electric Power Company (Tepco), mas o Governo Japonês foi responsabilizado pelo vazamento nuclear decorrente do acidente com a Usina localizada em Fukushima, em 2011, em face do tsunami que se seguiu ao terremoto de elevada magnitude, ao fundamento que deveria ter adotado outras medidas para prevenir o desastre que levou mais de 450 mil habitantes a abandonarem a área para escaparem aos altos níveis de radiação.

Na sequência, a ação corretiva: a Agência de Segurança Nuclear do Japão (NISA) passou a elaborar medidas de emergência por causa dos graves danos sofridos na usina de Fukushima, incluindo novos procedimentos de segurança como a construção de muros de contenção de tsunami e portas herméticas.

A modificação de cultura direcionada à prevenção e gestão de risco chegará quando o cumprimento da lei (“enforcement”), aliando punição e correção, for implacável, e a Justiça – cega como é, e deve ser – atingir a todos, incluindo o próprio Estado e seus agentes.

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1 Nesse caso a punição mencionada foi no aspecto da reparação civil.

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*Clarissa Lima é advogada, sócia do escritório Limongi Sial & Reynaldo Alves Advocacia e Consultoria Jurídica.

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