A RFB publicou no Diário Oficial da União de 12/12/18 o parecer normativo 4/18. Seu objetivo é estabelecer critérios para a aplicação da responsabilidade tributária prevista no art. 124, inciso I do CTN, atribuída ao sujeito que tenha “interesse comum na situação que constitua o fato gerador” do tributo, mesmo sem ser o contribuinte definido em lei.
Ao longo do tempo a doutrina e a jurisprudência construíram a distinção entre “interesse econômico” e “interesse jurídico” a fim de interpretar essa regra. Segundo essa distinção, somente se houver interesse jurídico (e não meramente econômico) é que o Fisco pode aplicar a responsabilização do art. 124 do CTN. É preciso que ocorra a prática comum (conjunta) do fato gerador por parte do sujeito que se quer responsabilizar: caso contrário, não se pode exigir o tributo a não ser do próprio contribuinte ou de seu substituto legal.
Embora sem subscrever a tese segundo a qual o “interesse jurídico” do art. 124 significa a prática comum do fato gerador, o novo parecer da RFB não adota uma postura de radicalização interpretativa. Em suas próprias palavras, “não é qualquer interesse comum que pode ensejar a aplicação” da regra; certamente não o “mero interesse econômico sem a comprovação do vínculo com o fato jurídico tributário”.
O parecer prossegue estabelecendo que, para além do “cometimento em conjunto do fato jurídico tributário”, existem três grandes grupos de hipóteses em que a responsabilização deve ser aplicada: (1) abuso de personalidade jurídica com desrespeito à autonomia patrimonial, (2) evasão e simulação e crimes fiscais assemelhados (3) abuso da personalidade jurídica mediante manipulação artificial do fato gerador (planejamento tributário abusivo).
Embora criticável onde resvala para um casuísmo que resulta da experiência brasileira recente, o parecer da RFB agrega racionalidade à questão ao tentar organizar a aplicação do inciso I do art. 124 do CTN. Não acata a tese dos contribuintes, mas reconhece que a regra não se aplica a “qualquer interesse comum”, além de exigir em diversas passagens do texto a “comprovação” do ilícito ou da prática comum do fato gerador, comprovação essa que, a bem da verdade, não é realizada pelos agentes tributários em boa parte (talvez na maioria) das autuações em que essa responsabilização tem sido utilizada.
A elasticidade incerta da possibilidade jurídica de responsabilização tributária de quem quer que seja --- sócios da empresa, clientes e fornecedores, tomadores e prestadores, investidores e investidos, etc. --- com base no dito “interesse comum” tem gerado insegurança jurídica e, portanto, repelido investimentos internos e externos na economia brasileira. Trata-se de uma situação especialmente nociva em tempos de crise econômica e fiscal. Qualquer racionalidade é bem-vinda, mesmo que suas premissas sejam imperfeitas como as do Parecer da RFB. Que essa racionalidade seja posta em prática.
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*Matheus Curioni é advogado, atuante em Direito Tributário nas áreas de consultoria e contencioso administrativo e judicial, do escritório CSMV Advogados.