A sociologia jurídica é uma ferramenta importante para o sistema jurídico, pois fornece os elementos necessários à elaboração, interpretação, aplicação e extinção das leis. Podemos afirmar que a sociologia jurídica examina as causas e os efeitos do sistema jurídico.
Com efeito, sem conhecer efetivamente os fatos e atos sociais do grupo, as relações que necessitam de melhor disciplinamento ou mesmo desregulamentação estatal, os conflitos que se travam e a teia de relações sociais que permeiam o tecido social, nenhum legislador tem condição de elaborar leis eficazes e nenhum julgador tem condições de aplicar corretamente o ordenamento estatal.
Por outro lado, é preciso com frequência ajustar a norma jurídica às novas realidades sociais, visto que, sendo a lei estática e a sociedade dinâmica, com o passar do tempo aquela acaba se tomando ultrapassada, obsoleta ou mesmo desnecessária. Contudo, esses ajustes só alcançarão seus objetivos se o legislador estiver devidamente instruído e consciente daquilo que precisa mudar, não é tão somente uma mudança pela mudança.
Ao juiz, a sociologia jurídica possibilita aplicar o Direito de modo compatível com as necessidades sociais, visto que, conhecendo-as, poderá, sem desrespeitar as leis da hermenêutica, através de uma interpretação ora extensiva, ora restritiva, ou mesmo através da analogia, fazer o Direito acompanhar as transformações sociais.
Particularmente, eu avanço na questão propondo a ideia de que o sistema jurídico é formado por quatro feixes interpretativos que podem ser classificados da seguinte forma.
O primeiro feixe é representado pelos fatos sociais, ou seja, as relações sociais coletivas que emanam da sociedade e que não necessariamente estão diretamente envolvidas nos conflitos jurídicos.
O segundo feixe é a própria norma jurídica estatal, é a letra objetiva da lei, trata-se da finalidade primária do legislador.
O terceiro feixe representa a interpretação simbólica estatal, emanada pelos agentes públicos, isto é, os aplicadores e interpretes oficias da norma jurídica.
Por fim, o quarto e último feixe são as interpretações passionais dos atores sociais que sofrem os efeitos diretos da norma aplicada, que podem ser tantas quantos forem os atingidos pela norma.
O sistema jurídico sendo visto em quatro dimensões poderia ser representado da seguinte maneira:
O fato é que um sistema jurídico é um fenômeno social, não sendo possível estudá-lo em separado da sociedade e dos valores simbólicos que o envolvem.
Não basta descrever os elementos formais da realidade jurídica composta das normas vigentes em determinado momento histórico de uma sociedade específica.
A missão do jurista compreende a interpretação das leis que regem a sociedade, levando-se em consideração todos os feixes de interpretação supracitados.
A interpretação não pode limitar-se à qualificação dos fatos jurídicos ou à fixação das condições de validade da conduta do indivíduo no exercício dos direitos reivindicados ou no cumprimento das obrigações impostas.
Para interpretá-las, o jurista sociólogo toma contato, necessariamente, com a realidade social subjacente e as várias possibilidades dos feixes de interpretação de forma relacional, buscando todas as dimensões do sistema jurídico.
Para BOURDIEU, a sociologia reflexiva abre os olhos do pesquisador para a hipótese de que este pode não saber absolutamente nada sobre algo que pensava saber tudo. “Se é verdade que o real é relacional, pode acontecer que eu nada saiba de uma instituição acerca da qual eu julgo saber tudo, porque ela nada é fora das suas relações com o todo”.1
Logo, para o interprete do sistema jurídico, a Sociologia proporciona uma visão mais ampla e real da teia social que envolve o fenômeno jurídico.
Repisa-se que através das ferramentas sociológicas tanto o legislador quanto o interprete conseguem revelar que o Direito não é somente um conjunto de normas estáticas que devem ser aplicadas independentemente de qualquer finalidade, mas também um fato social, a realidade social dinâmica em permanente transformação, à qual as normas deverão se ajustar sob pena de perderem a finalidade, perdendo o mais precioso valor do direito que é a legitimidade.
Podemos afirmar, sem medo de errar, que a sociologia pode ser o aggiornamento2 ou a luz que faltava para uma interpretação segura acerca do sistema jurídico nessa nova realidade social que se apresenta no Brasil, alcançando a necessária adequação entre os fins sociais e as normas jurídicas que se destinam a realizá-los
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1 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico; tradução Fernando Tomaz – 3º ed. – Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2000.- Pág. 31.
2 É um termo italiano, que significa "atualização” e costuma ser utilizado sempre que se pretende fazer uma atualização de um conjunto de ideias a uma nova realidade social. Termo utilizado durante o Concílio Vaticano II e que o Papa João XXIII popularizou.
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*José Luiz F. Gama é advogado do escritório Rachid Maluf Advocacia e Consultoria.